O Google nos espia.
Traça e registra os nossos movimentos na rede.
Vê aquilo que buscamos, vê aquilo que lemos ou assistimos.
Sabe onde estamos.
Conhece os nossos interesses,
também aqueles que queremos manter escondidos.
Controla o conteúdo e os destinatários dos nossos e-mails.
Poucos sabem disso, alguns suspeitam,
quase todos ignoram,
mas é exatamente assim.
Ele nos espia. E depois nos arquiva, conservando a imensa quantidade de informações que se referem a nós em um banco de dados durante um ano e meio. Oito em cada dez italianos que usam a Internet acabam no banco de dados do Google. Quanto mais conseguir nos conhecer, mais específica, correspondente aos nossos gostos e, portanto, eficaz será a publicidade que ele nos fará encontrar nos sites que visitamos.
Para os cérebros do marketing, é simplesmente uma "behavioral advertising", publicidade personalizada. Os defensores da privacidade, ao contrário, usam um termo mais assustador: "profiling". "Perfilamento" dos usuários. Quase todos os maiores operadores de Internet fazem isso. Mas nenhum de maneira minuciosa quanto o gigante de Mountain View. Mas quantas informações o colosso da rede consegue recolher?
Mãos na rede
Segundo uma pesquisa da universidade californiana de Berkeley, a Google Inc. (23,6 bilhões de dólares de faturamento em 2009) é capaz de controlar a traçar os movimentos de quem usa a Internet em 88,4% da rede. Diretamente, por meio dos seus sites "cult", como o motor de pesquisa, o serviço de correio eletrônico (gmail.com), YouTube, Google Maps, Picasa.
Mas também indiretamente, graças aos softwares gratuitos usados por milhões de bloggers, administradores de sites e empresas. Por exemplo, o Google Analytics – o aplicativo que permite contabilizar o tráfego de um portal –, o AdSense, o serviço de inserções publicitárias. Resultado: o banco de dados do Google é o mais vasto hoje existente e também o que contem o maior número de informações sobre um usuário único.
É objetivamente difícil navegar sem nunca acabar naquele que é, para muitos, simplesmente um colorido motor de busca, veloz e intuitivo e cujo lema tranquilizante é "não seja mau" [don't be evil]. O slogan foi escolhido pessoalmente pelos dois fundadores, os ex-estudantes universitários de Stanford Sergey Brin e Larry Page, e talvez deve ser atualizado, dada a agressiva "política de anexação" iniciada pelos seus administradores. A Google Inc. adquire sociedades, aumenta os serviços, está se propondo na prática como o guichê único para as nossas necessidades online.
E agora também está nos celulares. Com o Admobile, está invadindo o setor dos aplicativos publicitários para celulares. O Android, seu sistema operativo que permite o acesso veloz à Internet, é utilizado em um em cada três celulares nos EUA. Mas a Google Inc. faz dinheiro com eles sempre do mesmo modo: vendendo publicidade.
Sempre interceptados
O jornal La Repubblica assitiu ao vivo o "perfilamento", graças a Matteo Flora, especialista em segurança na Internet, chefe da TheFool, uma sociedade que oferece serviços anticatalogação. Navegamos por dez minutos, como qualquer usuário faria: visitamos o site do La Repubblica, lemos uma notícia que falava de Berlusconi, depois a notícia da passagem de Mourinho para o Real Madrid, passamos para um site de venda de automóveis, vimos uma entrevista com o diretor James Cameron, depois controlamos a nossa conta no banco e enviamos uma mensagem a um amigo no Facebook.
Em outro computador – dotado com um software capaz de fazer o "profiling" –, pudemos ver com os olhos do Google. Resultado: ao número 4344222, identificativo do browser (o software de navegação, nesse caso o Explorer), estava associado o nosso nome e sobrenome, obtido no momento do acesso ao Facebook. Depois, uma lista de palavras: Berlusconi, Repubblica, esquerda, política, oposição, Bersani, banco (e o nome do nosso instituto), Inter, Mourinho, Real Madrid, futebol, esporte, filme, cinema, Avatar, 3D, Cameron, aventura, automóvel (e a indicação de um modelo específico clicado por nós mais de uma vez), utilitário, usado. Classificadas por importância.
"O Google personaliza os anúncios com base nos nossos reais interesses", explica Matteo Flora. "Por isso, a publicidade não é mais uma chateação, mas se torna até útil. E remunerativa para quem a propõe. Por isso, um usuário que navega habitualmente em sites de automóveis irá se encontrar em todo o lugar com anúncios de venda de carros, até em portais que não têm nada a ver com esse setor".
Tecnicamente, portanto, o Google é uma megaconcessionária de publicidade, que conseguiu resolver de uma vez por todas o antigo problema do alvo, aquele sobre o qual gerações de vendedores bateram a cabeça. Porém, tudo a despeito da nossa privacidade.
"É o preço que pagamos pelos custosos produtos que o Google distribui gratuitamente", explica Flora. "De fato, com a navegação, oferecemos inconscientemente dados pessoais e dados sensíveis, referentes, por exemplo, à orientação sexual, à saúde, à religião, que nem os serviços secretos mais intrusivos poderiam ter". Como se fôssemos todos interceptados 24 horas por dia.
A defesa
A empresa de Mountain View, a sociedade com a melhor reputação do mundo, segundo a revista norte-americana Forbes, não está se considerando a versão até agora mais completa do Big Brother orwelliano. "Nós não espiamos ninguém", diz Marco Pancini, European Senior Counsellor do Google. "É verdade que registramos a navegação dos usuários para criar um elenco personalizado de categorias de interesse, mas tudo ocorre de maneira anônima. Os perfis são associados a um código numérico, nunca a um nome e a um sobrenome, como indicamos na seção 'privacy' do nosso site. Querendo, pode-se depois decidir por desativar o rastreamento, fazendo o chamado 'opt-out' [para isso, basta baixar este plugin nos computadores que você usa]. E há softwares que podem ser baixados que bloqueiam o 'perfilamento'".
Mas tudo isso fica a cargo do usuário, e quem não é especialista dificilmente se dá conta dessas operações. O Google, além disso, nunca pede explicitamente o consenso pela coleta e pelo tratamento dos dados. Ele faz e deu. Outro ponto frágil: a certeza do anonimato. Como documentamos durante a demonstração de Flora, descobrir a identidade de qualquer pessoa que, durante a navegação, acessa sua própria conta de correio eletrônico ou do Facebook é muito simples. "A nossa empresa controla para que os perfis permaneçam anônimos, separados das contas registradas. Nunca fazemos o cruzamento dos dados", responde Pancini. Mas quem controla os controladores?
As dúvidas dos fiadores
Na Internet, explodiu o negócio do rastreamento. Os bancos de dados se tornam mercadoria preciosa para quem opera em um setor – o da publicidade online – que movimenta 23 bilhões de dólares por ano. Uma pesquisa do Wall Street Journal demonstrou que, navegando nos 50 sites mais populares dos EUA, deparamo-nos com o computador infestado por 3.180 arquivos específicos para o perfilamento. Cookies, FlashCookies e os neonatos Beacon: softwares invisíveis capaz de, em alguns casos, informar a idade, o sexo, o código postal, a renda, o estado civil, as condições de saúda do usuário. Espiões digitais usados principalmente pelo Google, pela Microsoft e pela QuantCast Corporation, mas também por uma miríade de pequenas empresas, que farejaram o negócio e se especializaram na coleta e na venda no atacado dos nossos segredos, com 50-100 mil perfis estocados. Um mercado que gera bilhões de dólares.
Justamente por causa do medo de ficar atrás nessa corrida, a Google Inc. teria potencializado o perfilamento dos seus usuários, como parece demonstrar um documento reservado de sete páginas de 2008 – publicado pelo jornal norte-americano –, do qual se deduzem as dúvidas da empresa e as propostas para remodelar as estratégias no setor da publicidade.
Não é por acaso, portanto, que um relatório da Privacy International, a ONG inglesa que se ocupa de monitorar os ataques à privacidade lançados por governos e empresas, colocava o Google, ainda em 2007, no primeiro lugar da classificação dos "maus da Internet". "Ele não pede a autorização para o tratamento dos dados, tem acesso a informações pessoais que vão além do tráfego online, como hobbies, empregos de trabalho, números de telefone. Recolhe os relatórios das pesquisas por meio da sua Toolbar sem especificar por quanto tempo os conservará", escrevia há três anos. O Google nunca desmentiu esse relatório.
As autoridades internacionais estão tomando consciência do problema. Nos EUA, a Comissão Federal para o Comércio propõe que se obrigue os projetistas de browsers a inserir mecanismos de bloqueio do rastreamento. Simples, intuitivos e fáceis de serem ativados. No Canadá e na Austrália, as comissões parlamentares para a privacidade iniciaram investigações sobre o Google. Na Alemanha, o governo está avaliando se proíbe o Analytics, usado por 13% dos domínios alemães.
O Google utiliza as informações sobre os usuários só com objetivos promocionais, mas o que aconteceria se acabassem nas mãos erradas? Talvez, naquelas mãos pouco limpas dos serviços secretos corruptos? Ou naquelas de uma empresa concorrente à nossa, capaz de corromper um funcionário, ou nas de um simples empregado do Google?
As relações perigosas
A literatura a respeito é confusa e cheia de histórias e bastidores que acabam se perdendo naquele campo ambíguo que confina quase sempre com o mundo turvo dos 007 e dos escândalos diplomáticos. O caso do uso distorcido desses dados parece ter sido o que levou à saída temporária do Google do mercado chinês (depois que os hackers do governo haviam conseguido tomar posse de uma enorme quantidade de informações sobre os dissidentes). Mas pode-se encontrar um exemplo ainda melhor analisando o caso norte-americano.
O Google "is in bed with the CIA", ou seja, está na cama com a CIA, declarou o ex-espião Robert David Steele (foto), em 2006, alarmando a comunidade da Internet. Steele recém havia abandonado o cargo de recrutador clandestino justamente por causa da CIA. Acusava e acusa ainda hoje o Google por compartilhar informações privadas com os serviços secretos norte-americanos.
Steele também dá um nome: Rick Steinheiser, responsável pelo escritório de pesquisas e desenvolvimento do Google. Seria ele o homem de contato com os serviços. Uma relação, segundo o que foi reconstruído por Steele, que nasceu em 1998. O Google havia recém nascido e estava em dificuldades econômicas e, naquele momento, teria recebido financiamento da CIA. Os laços porém não acabam aqui. Em 2004, Rob Painter, diretor da repartição de tecnologias da In-Q-Tel, uma empresa que desenvolve tecnologias por conta da CIA, tornou-se, surpreendentemente, Senior Federal Manager do Google.
"Ele espia a todos nós", reforça Steele. "Apesar da boa reputação que tem junto à opinião pública. Infelizmente, vocês não encontrarão nenhuma outra pessoa que fale disso. Tudo o que irão achar serão perguntas sem respostas". E perguntas, percorrendo a história comercial do gigante californiano, existem inúmeras. Por que o Google vendeu recentemente alguns servidores à CIA e à National Security Agency? E por que forneceu aos serviços secretos norte-americanos a Intellipedia, um software que permite administrar e consultar via web um enorme bando de dados usado pelos espiões de todo o mundo? De Mountain View, só chegam respostas de circunstância. Segundo Steele, os repetidos atritos públicos entre a multinacional e o departamento de Justiça norte-americano, sobre questões de privacidade e de falta de colaboração, também seriam só uma medida midiática para salvar a fachada da empresa.
Sem autorização
"Qualquer um que queira tratar dados pessoais e dados sensíveis – explica o advogado italiano Gianluca Gilardi, especializado em relações industriais e privacidade – tem a obrigação de pedir a autorização do usuário, especificando também o objetivo do tratamento. O Google não faz isso".
E não só: ele foge da nossa jurisdição: "A empresa está na Califórnia, responde às leis norte-americanas. Não pode nos dizer onde os bancos de dados estão fisicamente. Nem eles sabem onde estão. Os nossos perfis estão pulverizados em 450 mil servidores espalhados em todo o mundo. Agora, talvez estejam na Singapura, em um minuto estarão na Rússia".
Sempre, porém, nas mãos do Google.
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A reportagem é de Marco Mensurati e de Fabio Tonacci, publicada no jornal La Repubblica, 13-08-2010.
A tradução é de Moisés Sbardelotto. Fonte: IHU online, 14/08/2010
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