Ruy Carlos Ostermann*
Perder um amigo é como amputar o braço, nada vai faltar mais. Perder é isso mesmo, uma desorientação, um lapso, um vazio, o olho fechado, a escuridão. Não há imaginação que ajude ou valha tanto, o mundo fica turvo, as pessoas se afastam, se vai ficando no fundo, desconsolado, sem palavras, sem gesto. Murcham os braços, encolhe o peito, doem as pernas, os rins não funcionam, a barriga desce, há poucas solidões mais intensas.
Dura nada, um momento, não mais, logo passa e será preciso rever o mundo, as pessoas, o lugar, a si próprio, mas em rigoroso desconsolo. Que palavra sobe, vem à boca, sai na frente?
É sempre a pior, balbuciada, óbvia mesmo que inútil, imprestável, uma das formas do constrangimento. Foi assim com o Moacyr Scliar, meu amigo e comparsa, morto estendido num caixão fechado no salão da Assembléia Legislativa, os amigos à volta com o mesmo embaraço solidário, e eu à frente da Judith. O beijo foi a melhor frase que soube fazer, o abraço foi um novo parágrafo, e então nos olhamos como sobreviventes da mesma perda.
Me esgueirei para um canto, fiquei quieto com uma dor crescente no peito. Não era coração, que dói mais e é pontiagudo, era um sofrimento sem remédio, que ninguém podia ajudar. E assim fiquei um bom tempo, sem palavras.
Perder um amigo é como morrer junto.
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* Jornalista
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