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"Fico feliz que Osama bin Laden tenha deixado o mundo.
E rezo para que a sua partida possa levar à paz.
Mas, como cristão e norte-americano,
é-me pedido que eu reze por ele e,
em algum momento,
lhe perdoe."
A opinião é do jesuíta norte-americano James Martin, editor de cultura da revista dos jesuítas dos EUA, America. Martin é autor de best-selllers dos EUA como My Life with the Saints [Minha vida com os santos] (2006) e The Jesuit Guide to (Almost) Everything: A Spirituality for Real Life [O guia jesuíta para (quase) tudo: Uma espiritualidade para a vida real] (2010). O artigo foi publicado no blog da revista America e no sítio The Huffington Post, 02-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Como alguém que trabalhou no "Ground Zero" nos dias e semanas após o 11 de setembro me alegrei ao ouvir que o longo reinado de terror de Osama Bin Laden, que havia distribuído morte, destruição e miséria indescritível a milhões de pessoas em todo o mundo, tinha finalmente chegado ao fim. Como cristão, no entanto, não posso me regozijar com a morte de um ser humano, independentemente de quão monstruoso ele fosse.
Na manhã do dia 11 de setembro de 2001, eu estava trabalhando no meu escritório da revista America em Manhattan. Minha mãe, que vive na Filadélfia, me telefonou para me dizer que um avião havia atingido o World Trade Center. Quando eu corri para fora do meu escritório e olhei para a Sixth Avenue, pude ver as torres queimando, com uma fumaça preta como tinta escorrendo dos seus topos. As sirenes já estavam estridentes, e homens e mulheres estavam correndo pelas ruas chorando, tentando freneticamente fazer chamadas em telefones celulares para seus entes queridos.
Os poucos dias seguintes foram um borrão horrível para mim e para todos os nova-iorquinos. Para todos os norte-americanos. Na noite do 11 de setembro, eu trabalhei no Chelsea Piers, em Nova York, juntamente com bombeiros, socorristas e capelães. Aguardávamos sobreviventes, que nunca vieram. Na manhã e na tarde do dia 12 de setembro, eu me sentei com membros de famílias estarrecidos em uma grande sala da New School no centro de Manhattan, lendo com atenção as listas de sobreviventes do hospital, dos quais havia quase nenhum.
Então, no dia 13 de setembro, enquanto eu estava trabalhando no Chelsea Piers, um oficial de polícia me ofereceu uma carona ao Ground Zero, então chamado simplesmente de "o lugar". Lá, eu passei os próximos dias e semanas, em meio às minhas atribuições no trabalho e junto com outros jesuítas, ministrando aos funcionários do resgate, entre os destroços fumegantes e fedorentos, em alguns lugares ainda em chamas, antes da vala comum.
Caminhávamos sobre a imensa quantidade de detritos dos ataques, rezávamos com os bombeiros que perderam amigos, aconselhávamos socorristas que haviam visto coisas horríveis, celebrávamos a missa sobre os escombros, e saíamos cobertos de poeira cinzenta do Ground Zero todos os dias.
Por isso, eu não sou cego diante da morte e da destruição causadas por Osama bin Laden.
No entanto, os cristãos estão no meio do período da Páscoa, quando Jesus, o inocente, não só ressuscitou triunfante dos mortos, mas, na sua vida terrena, perdoou seus algozes na cruz, em meio a dor excruciante. O perdão é o mais difícil de todos os atos cristãos (o amor, em comparação, é mais fácil). Também é, de acordo com Jesus, algo que se entende não ter limite. Sem fronteiras.
Pedro lhe perguntou quantas vezes ele deveria perdoar. Sete vezes? "Não sete vezes", respondeu Jesus, "mas, digo-vos, até setenta vezes sete". Em outras palavras, vezes sem conta. "Perdoe seu irmão ou irmã do fundo do seu coração", disse ele. Isso não é negar o lugar do julgamento e da justiça aos olhos de Deus, pois tal negação significaria que acreditamos em um Deus que não se interessa pelos assuntos humanos. Mas o julgamento e a punição, diz Jesus, cabem a Deus.
Então, a questão é se o cristão pode perdoar um assassino, um assassino em massa, até mesmo – como no caso de Osama bin Laden – um coordenador de assassinatos em massa ao redor do globo. Eu não tenho certeza se eu seria capaz de fazer isso, especialmente se eu tivesse perdido um ente querido. Mas, assim como com outras questões de "vida", não podemos ignorar o que Jesus pede de nós, por mais difícil que seja para compreender. Ou para fazer.
Porque essa é uma questão de "vida" assim como qualquer outra. O cristão não é simplesmente em favor da vida para o nascituro, para o inocente, para aqueles com quem nos importamos, para nossas famílias e amigos, para os nossos concidadãos, para os nossos companheiros da Igreja ou até mesmo para aqueles que consideramos com bons, mas sim para todos. Toda vida é sagrada, porque Deus criou toda a vida. É isso que está por trás do mandamento mais difíceis de Jesus: "Eu vos digo: amai os vossos inimigos e rezai pelos que vos perseguem".
Também é isso o que está por trás da declaração do Vaticano de hoje, que equilibra o desejo por um fim ao terror com a santidade da vida, independentemente de quão odiosa seja a pessoa: "Osama bin Laden, como todos sabemos, teve a gravíssima responsabilidade de difundir divisão e ódio entre os povos, causando a morte de inúmeras pessoas, e de instrumentalizar as religiões para esse fim. Frente à morte de um homem, um cristão não se alegra jamais, mas reflete sobre a grave responsabilidade de cada um diante de Deus e dos homens, e espera e se empenha para que todos as situações não sejam ocasião para um maior crescimento do ódio, mas sim da paz".
E está por trás do ato mais cristão do Papa João Paulo II, beatificado no mesmo dia em que Osama bin Laden foi morto. Talvez a confluência de eventos seja providencial. Como alguém que viveu sob o nazismo e o comunismo, João Paulo não era indiferente ao terror ou aos assassinatos. Mas ele também era um cristão que conhecia a centralidade do perdão, mesmo para os crimes mais graves.
Em 1980, ele foi vítima de uma tentativa de assassinato por Mehmet Ali Agca, um ultranacionalista turco. Um dos primeiros atos do Beato João Paulo II após a sua recuperação foi viajar até a cela de Agca na cadeia e oferecer-lhe a valiosa graça do perdão.
Osama bin Laden foi o responsável pelo assassinato de milhares de homens e mulheres nos Estados Unidos, pelas mortes e pela miséria de milhões de pessoas em todo o mundo, e pela morte de muitos soldados homens e mulheres, que fizeram o sacrifício supremo de suas vidas. Fico feliz que ele tenha deixado o mundo. E rezo para que a sua partida possa levar à paz.
Mas, como cristão, é-me pedido que eu reze por ele e, em algum momento, lhe perdoe. E esse mandamento nos vem de Jesus, um homem que foi espancado, torturado e morto. Esse mandamento vem de um homem que sabe muito sobre o sofrimento. Ele também vem de Deus.
--------------------Fonte: IHU, 03/05/2011
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