Lya Luft*
Por estranho que pareça, tudo cansa, como certos sofrimentos ou
preocupações: se excessivos, constantes e repetitivos, começam a nos
desinteressar. Assim, a amiga eternamente queixosa de seu péssimo
casamento mas que nele continua, a conhecida que só fala de suas doenças
mas não se trata, o colega que repete sempre que vai largar o emprego
mas nele permanece, mesmo insatisfeito; enfim, as pessoas queixosas que
aparentemente curtem suas mazelas, mas nos perturbam com suas
lamentações, fazem parte de um tipo de desgraça banalizada pela
repetição.
É quando a desgraça perde a graça.
Por estes dias receio que a gente vá se acostumando com as tristes e assustadoras notícias diárias sobre a interminável teia de revelações dos males que fazia anos solapavam a estabilidade e a honra do Brasil, e a gente não sabia. Agora, terremoto, tsunami, susto e perplexidade. Esse é um mal ao qual não podemos nos habituar, mas o perigo existe.
Pois já na mesa do café somos afligidos por notícias do país como a roubalheira épica em estatais, como a Petrobras e outras (e a ameaça de impunidade), a carnificina nas estradas e nas ruas de nossas cidades, a matança nas favelas do Rio de Janeiro em que diariamente morrem mais bandidos, inocentes ou policiais do que nas guerras atuais no Oriente. Tudo isso ao som dos tiroteios que acompanham a sinistra festa da morte.
Até o horror distante vai se tornando cotidiano: milhares e milhares de imigrantes, homens, mulheres, crianças, grávidas e velhos, aportam na costa da Itália diariamente ou são resgatados no mar.
Outro dia, uma menininha de 12 anos explodiu a dinamite presa ao corpo, levando consigo várias pessoas. A longa lista de horrores ainda nos apavora? Estamos mais insensíveis, ou é apenas um passageiro susto meu, interpretando mal meus próprios sentimentos, eu sempre atenta, facilmente condoída com a dor alheia, demais desde menina perseguida por esse desejo infantil de consertar o mundo — que fazia rir minha mãe e preocupar-se meu pai?
A feia visão do Brasil que vamos tendo nestes últimos meses vai se tornar nossa paisagem costumeira? Os crimes contra o país, e todo o cortejo de destruição que trazem consigo, fazem parte de nossa realidade como ler jornal, pegar ônibus, pagar contas — cada dia pagando mais e ganhando menos porque nós estamos pagando, e muito mais vamos pagar? Vemos resignados a péssima gestão, a omissão e os desvios que ocorriam livremente, gerando desemprego, alta de preços, educação, saúde, transportes, num giro delirante que leva o país à estagnação?
Tenho medo da banalização de tantos males, demasiados, talvez, para que a gente dê conta deles na nossa pequena dura realidade cotidiana. Mais uma faculdade fechando as portas porque não recebe do governo o dinheiro para pagar o pessoal da segurança e da limpeza; portanto, sujeira e medo impedem seu funcionamento? Mais gente morrendo ou parindo nos corredores, no chão, no meio da imundície, médicos e enfermeiras desesperados porque falta até água limpa? Mais crianças sem escola? Mais um parente ou conhecido assaltado e morto, quem sabe por uma meninada de 15 anos que não vai ser tratada como criminosa? Não tem jeito...
Tem jeito, sim: nossa indignação legítima e ordeira pode ajudar líderes decentes a dar um jeito neste país. Vamos descobrir como: o mercado persa dos cargos e bondades tenta atrapalhar o trabalho da Justiça, que pode tirar o Brasil da lista dos piores em tantos aspectos — e só então a gente poderá novamente orgulhar-se dele, em vez de fazer parte de um mundinho isolado, atrasado e aos poucos ignorado, a que estávamos sendo reduzidos.
Banalizar o mal é um jeito fatal de nos protegermos da angústia. O que nos vem sendo revelado pela Justiça é estarrecedor, e atinge a cada um de nós profundamente. Podemos mudar o Brasil. Não merecemos pagar as altas contas que apenas começam a aparecer. Por isso, mesmo sabendo que sou repetitiva — e posso cansar o leitor —, escrevo, escrevo e escrevo.
É quando a desgraça perde a graça.
Por estes dias receio que a gente vá se acostumando com as tristes e assustadoras notícias diárias sobre a interminável teia de revelações dos males que fazia anos solapavam a estabilidade e a honra do Brasil, e a gente não sabia. Agora, terremoto, tsunami, susto e perplexidade. Esse é um mal ao qual não podemos nos habituar, mas o perigo existe.
Pois já na mesa do café somos afligidos por notícias do país como a roubalheira épica em estatais, como a Petrobras e outras (e a ameaça de impunidade), a carnificina nas estradas e nas ruas de nossas cidades, a matança nas favelas do Rio de Janeiro em que diariamente morrem mais bandidos, inocentes ou policiais do que nas guerras atuais no Oriente. Tudo isso ao som dos tiroteios que acompanham a sinistra festa da morte.
Até o horror distante vai se tornando cotidiano: milhares e milhares de imigrantes, homens, mulheres, crianças, grávidas e velhos, aportam na costa da Itália diariamente ou são resgatados no mar.
Outro dia, uma menininha de 12 anos explodiu a dinamite presa ao corpo, levando consigo várias pessoas. A longa lista de horrores ainda nos apavora? Estamos mais insensíveis, ou é apenas um passageiro susto meu, interpretando mal meus próprios sentimentos, eu sempre atenta, facilmente condoída com a dor alheia, demais desde menina perseguida por esse desejo infantil de consertar o mundo — que fazia rir minha mãe e preocupar-se meu pai?
A feia visão do Brasil que vamos tendo nestes últimos meses vai se tornar nossa paisagem costumeira? Os crimes contra o país, e todo o cortejo de destruição que trazem consigo, fazem parte de nossa realidade como ler jornal, pegar ônibus, pagar contas — cada dia pagando mais e ganhando menos porque nós estamos pagando, e muito mais vamos pagar? Vemos resignados a péssima gestão, a omissão e os desvios que ocorriam livremente, gerando desemprego, alta de preços, educação, saúde, transportes, num giro delirante que leva o país à estagnação?
Tenho medo da banalização de tantos males, demasiados, talvez, para que a gente dê conta deles na nossa pequena dura realidade cotidiana. Mais uma faculdade fechando as portas porque não recebe do governo o dinheiro para pagar o pessoal da segurança e da limpeza; portanto, sujeira e medo impedem seu funcionamento? Mais gente morrendo ou parindo nos corredores, no chão, no meio da imundície, médicos e enfermeiras desesperados porque falta até água limpa? Mais crianças sem escola? Mais um parente ou conhecido assaltado e morto, quem sabe por uma meninada de 15 anos que não vai ser tratada como criminosa? Não tem jeito...
Tem jeito, sim: nossa indignação legítima e ordeira pode ajudar líderes decentes a dar um jeito neste país. Vamos descobrir como: o mercado persa dos cargos e bondades tenta atrapalhar o trabalho da Justiça, que pode tirar o Brasil da lista dos piores em tantos aspectos — e só então a gente poderá novamente orgulhar-se dele, em vez de fazer parte de um mundinho isolado, atrasado e aos poucos ignorado, a que estávamos sendo reduzidos.
Banalizar o mal é um jeito fatal de nos protegermos da angústia. O que nos vem sendo revelado pela Justiça é estarrecedor, e atinge a cada um de nós profundamente. Podemos mudar o Brasil. Não merecemos pagar as altas contas que apenas começam a aparecer. Por isso, mesmo sabendo que sou repetitiva — e posso cansar o leitor —, escrevo, escrevo e escrevo.
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* Escritora. Colunista da revista Veja
Fonte: http://novo.clipclipping.com.br/revistas/ler/noticia/2640743/cliente/19
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