Procurador-geral da República enviou carta aos colegas de Ministério Público. Com base nas delações da Odebrecht, Janot enviou 83 pedidos de inquérito ao STF para investigar citados.
Em carta enviada no fim da tarde desta terça-feira (14) aos integrantes da Procuradoria Geral da República (PGR), o chefe do Ministério Público Federal, Rodrigo Janot, afirmou que as delações dos ex-executivos da Odebrecht mostram a "triste realidade" de uma democracia "tomada pela corrupção" e pelo abuso do poder econômico e político (leia a íntegra ao final desta reportagem).
Íntegra
Leia abaixo a íntegra da carta enviada por Rodrigo Janot a procuradores:
Colegas,
Gostaria de prestar diretamente a vocês algumas informações sobre o
trabalho realizado a partir da colaboração da empresa Odebrecht, no âmbito da
investigação Lava Jato, considerando a relevância do caso, sua magnitude e seus
impactos para o futuro da Instituição.
Como já é de conhecimento geral, no fim do ano passado, firmamos um
grande acordo de colaboração com a empresa e com diversas pessoas físicas que
integram seu corpo diretivo. No total, 77 executivos e ex-executivos da
Odebrecht firmaram o acordo e prestaram declarações em que revelam os meandros
da corrupção em nosso país de forma jamais imaginada. Isso sem falar nos
acordos de leniência firmados com as empresas do grupo.
A preparação do acordo exigiu a realização de pelo menos 48 reuniões
entre as partes, no período de fevereiro a dezembro de 2016. Na sequência,
envolvemos mais de 100 colegas, em 34 unidades do Ministério Público Federal,
para colher os 950 termos de declaração dos colaboradores em apenas uma semana.
Esse trabalho exigiu de todos nós envolvidos no processo um esforço
sobre-humano para colher-se os depoimentos, organizá-los, elaborar petições e,
por fim, encaminhar todo o caso ao Supremo Tribunal Federal. Todas essas
tarefas foram ultimadas em apenas 15 dias, de modo que, antes do recesso, o
material já estava à disposição da Corte para exame e homologação.
Por óbvio, um trabalho dessa envergadura só poderia ser fruto de uma
equipe realmente comprometida com as graves responsabilidades que pesam sobre a
Instituição. Não só o Grupo de Trabalho que me auxilia, como também os colegas
da Força-Tarefa de Curitiba, em um trabalho de colaboração mútua, viabilizaram
o êxito dessa empreitada. Preparamos, GT-PGR e FT-Curitiba, toda a logística
necessária para elaborar, revisar, assinar os acordos e colher os 950 termos de
declaração que, em seguida, foram encaminhados ao STF, por petições, para
homologação.
Os termos dos 77 acordos celebrados foram homologados no fim do mês de
janeiro pela Ministra-Presidente, Cármen Lúcia. Desde então, as dedicadas
equipes do GT-PGR e da FT-Curitiba trabalharam incessantemente para organizar o
material e dar o tratamento jurídico adequado e individualizado a cada caso.
Ainda como efeito do acordo celebrado, realizamos, sob a liderança do
MPF, no mês de fevereiro, reunião com chefes de 10 Ministérios Públicos
ibero-americanos e reuniões específicas com um MP africano para tratarmos das
repercussões do caso Odebrecht naqueles países, já que parte dos fatos
revelados nas colaborações e acordos de leniência dizem respeito a atos de
corrupção ocorridos naquelas jurisdições estrangeiras. Podemos, com isso, dizer
que antecipamos em 3 anos o objetivo previsto no Planejamento Estratégico
Institucional de ser o Ministério Público Federal reconhecido nacional e
internacionalmente pela excelência na atuação no combate ao crime e à
corrupção.
Dos pedidos de homologação encaminhados, originaram-se 320 providências
requeridas ao STF, assim distribuídas: 83 pedidos de instauração de inquérito,
211 pedidos de declínio de atribuição, 7 promoções de arquivamento, 19 outras
providências.
Por esse trabalho extraordinário, gostaria de publicamente empenhar meu
sincero agradecimento e respeito aos colegas do Grupo de Trabalho – PGR e da
Força-Tarefa – Curitiba. Agradeço profundamente aos membros que nos auxiliaram,
a partir de suas unidades, na coleta dos depoimentos, sem prejuízo de suas
atribuições ordinárias, e aos dedicados servidores que trabalharam arduamente
nas tarefas de logística fundamentais para o sucesso do empreendimento.
Devo ainda ressaltar, para reflexão geral, que, sem uma equipe de
natureza permanente e composta por membros para apoio ao Procurador-Geral da
República, seria impossível levar a bom termo as graves responsabilidades do
cargo que ora desempenho, em prejuízo não só do MPF como de todo o Ministério
Público brasileiro.
Eis assim um relato objetivo do que representou, em tempo e números, o
acordo da Odebrecht. Poderia encerrar o texto por aqui, mas a singularidade do
momento impõem-me tecer ainda algumas considerações sobre os reflexos
metajurídicos decorrentes desse acordo histórico.
A expectativa em relação ao encaminhamento que daríamos aos depoimentos
decorrentes do acordo da Odebrecht tem provocado muita apreensão no meio
político, na imprensa e na sociedade de forma geral. As revelações que surgem
dos depoimentos, embora já fossem presumidas por muitos, lançadas assim à luz
do dia, em um procedimento formal perante a nossa Suprema Corte, nos
confrontarão com a triste realidade de uma democracia sob ataque e, em grande
medida, conspurcada na sua essência pela corrupção e pelo abuso do poder
econômico e político.
Certamente o MPF terá dois desafios institucionais a vencer a partir de
hoje: manter, como sempre o fez, a imparcialidade diante dos embates político-partidários
que decorrerão do nosso trabalho e velar pela coesão interna. Não temos a chave
mágica para a solução de todos os problemas revelados com a Lava Jato –
especialmente agora, com a colaboração da Odebrecht –, mas, na parte que nos
compete, asseguro a todos vocês que continuarei a conduzir o caso sob o viés
exclusivamente jurídico, sob o compasso da técnica e com a isenção que se impõe
a qualquer membro do Ministério Público.
Por fim, é preciso ficar absolutamente claro que, seja sob o ponto de
vista pessoal – sou um democrata congênito e convicto –, seja sob a ótica da
missão constitucional do MP de defender o regime democrático e a ordem
jurídica, o trabalho desenvolvido na Lava Jato não tem e jamais poderia ter a
finalidade de criminalizar a atividade política. Muito pelo contrário, o
sucesso das investigações sérias conduzidas pelo MPF até aqui representa uma
oportunidade ímpar de depuração do processo político nacional, ao menos para
aqueles que acreditam verdadeiramente que é possível, sim, fazer política sem
crime e que a democracia não é um jogo de fraudes, nem instrumento para uso
retórico do demagogo, mas um valor essencial à sociedade moderna e uma condição
indispensável ao desenvolvimento sustentável do nosso país.
Coragem e confiança!
Forte abraço.
Rodrigo Janot
----------
Reportagem Por Fabiano Costa e Mariana Oliveira, G1 e TV Globo, Brasília
Nenhum comentário:
Postar um comentário