segunda-feira, 18 de setembro de 2017

OS PACÍFICOS E OS FEROZES

Lya Luft*
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Tenho comentado como andamos esquisitos: nervosos, assustados, furiosos e ferozes, ou acuados espiando pelo buraco da fechadura. O que há lá fora? Quem quer nos fazer mal, isto é, a quem devemos atacar? Ou estamos deprimidos, mal-humorados, chatíssimos. O universo virou um Fla-Flu ou Gre-Nal, ou se é preto ou branco, ou direita ou esquerda, ou autoritário ou molenga, ou no Olimpo ou relegado às trevas exteriores. Precisamos de ideias, defender ideias, ah, as ideias. 

Poucas vezes nesta vida já longa recordo tamanha hostilidade, tanto gasto de energia, tempo e palavras em insultos, mágoas e ironias, exposição de falsa cultura ou ignorância expressa, dedo apontado para acusar. Um punhalzinho nas costas também vai? Imagino que seja em boa parte porque somos bastante desinformados, mas arrogantes: gostamos de falar, falar, falar, sobre coisas que não entendemos direito nem digerimos bem. A desinformação é mãe de muita coisa negativa neste mundo, dizia meu velho e sábio pai. 

Aquele político é um herói? Um mártir? Um bandido? Aquele artista é uma fraude ou um gênio? Aquele amigo nos trai ou é boa gente? Em lugar de debates racionais ou trocas de ideias, parecemos moleques jogando pedrinhas uns nos outros, ou meninas botando a língua na esquina de casa. Brigamos feio, ofendemos duramente, nem pensamos direito em tudo isso. E pela internet, melhor ainda: estamos protegidos de um soco, tiro ou facada: insultos bastam. 

Talvez seja hora de curtir mais calma, mais lucidez, mais informação, menos precipitação, sobretudo se for em nome de cultura e arte: as duas já têm sido muito castigadas, eventualmente na maior boa vontade, pensando salvar a honra do que não precisa ser salvo porque se impõe por si, por sua qualidade, quando a tem. Política, então, quanta inteligência jogada fora. Tanta coisa útil a fazer, tanto estudante a estimular, tanto filho a abraçar, tanta família a reunir, tanta saúde a cuidar, tantos amigos a reunir, tanta humildade a aprender, tanto universo a discernir, tanta injustiça a corrigir, tanta maldade a evitar... Mas nos perdemos em duelos que extrapolam o verdadeiro tema, fustigamos a torto e a direito, muitas vezes sem sequer saber mais por que estamos lutando. 

A vida anda complicada. O país está difícil. Ansiedade e desesperança nos oprimem. Pagar as contas, temer o desemprego e a violência, ter nossos jovens sob ameaça de bebida, droga, acidente e assalto, será que fomos bons pais, será que instruímos o suficiente, será que se sentem amados, será que... E por aí vai. Pessoalmente, sou boa com palavras, é o mínimo, mas não tenho prazer em debater quando não acredito numa causa. Facilmente me canso, a paciência não é uma virtude minha. 

Então, parar para pensar, coisa tão temida, pode ser útil. Ouvir o bom senso é aconselhável. Cultivar algum bom humor, apesar de tudo ser um pouquinho generoso, informado e flexível pode reduzir essas guerrilhas que pouco ajudam, muito perturbam, instigam o preconceito, inventam monstros e nos fazem, em vez de criaturas construtivas e pacíficas, uma matilha feroz - enquanto o tempo e a vida estão passando e nós inutilmente nos desperdiçamos.
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* Escritora
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=5c9452254bccd24b8ad0bb1ab4408ad1 16/09/2017
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