Lya Luft*
Tenho comentado como
andamos esquisitos: nervosos, assustados, furiosos e ferozes, ou acuados
espiando pelo buraco da fechadura. O que há lá fora? Quem quer nos
fazer mal, isto é, a quem devemos atacar? Ou estamos deprimidos,
mal-humorados, chatíssimos. O universo virou um Fla-Flu ou Gre-Nal, ou
se é preto ou branco, ou direita ou esquerda, ou autoritário ou molenga,
ou no Olimpo ou relegado às trevas exteriores. Precisamos de ideias,
defender ideias, ah, as ideias.
Poucas vezes nesta vida já longa
recordo tamanha hostilidade, tanto gasto de energia, tempo e palavras
em insultos, mágoas e ironias, exposição de falsa cultura ou ignorância
expressa, dedo apontado para acusar. Um punhalzinho nas costas também
vai? Imagino que seja em boa parte porque somos bastante desinformados,
mas arrogantes: gostamos de falar, falar, falar, sobre coisas que não
entendemos direito nem digerimos bem. A desinformação é mãe de muita
coisa negativa neste mundo, dizia meu velho e sábio pai.
Aquele
político é um herói? Um mártir? Um bandido? Aquele artista é uma fraude
ou um gênio? Aquele amigo nos trai ou é boa gente? Em lugar de debates
racionais ou trocas de ideias, parecemos moleques jogando pedrinhas uns
nos outros, ou meninas botando a língua na esquina de casa. Brigamos
feio, ofendemos duramente, nem pensamos direito em tudo isso. E pela
internet, melhor ainda: estamos protegidos de um soco, tiro ou facada:
insultos bastam.
Talvez seja hora de curtir mais calma, mais
lucidez, mais informação, menos precipitação, sobretudo se for em nome
de cultura e arte: as duas já têm sido muito castigadas, eventualmente
na maior boa vontade, pensando salvar a honra do que não precisa ser
salvo porque se impõe por si, por sua qualidade, quando a tem. Política,
então, quanta inteligência jogada fora. Tanta coisa útil a fazer, tanto
estudante a estimular, tanto filho a abraçar, tanta família a reunir,
tanta saúde a cuidar, tantos amigos a reunir, tanta humildade a
aprender, tanto universo a discernir, tanta injustiça a corrigir, tanta
maldade a evitar... Mas nos perdemos em duelos que extrapolam o
verdadeiro tema, fustigamos a torto e a direito, muitas vezes sem sequer
saber mais por que estamos lutando.
A vida anda complicada. O
país está difícil. Ansiedade e desesperança nos oprimem. Pagar as
contas, temer o desemprego e a violência, ter nossos jovens sob ameaça
de bebida, droga, acidente e assalto, será que fomos bons pais, será que
instruímos o suficiente, será que se sentem amados, será que... E por
aí vai. Pessoalmente, sou boa com palavras, é o mínimo, mas não tenho
prazer em debater quando não acredito numa causa. Facilmente me canso, a
paciência não é uma virtude minha.
Então, parar para pensar,
coisa tão temida, pode ser útil. Ouvir o bom senso é aconselhável.
Cultivar algum bom humor, apesar de tudo ser um pouquinho generoso,
informado e flexível pode reduzir essas guerrilhas que pouco ajudam,
muito perturbam, instigam o preconceito, inventam monstros e nos fazem,
em vez de criaturas construtivas e pacíficas, uma matilha feroz -
enquanto o tempo e a vida estão passando e nós inutilmente nos
desperdiçamos.
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* Escritora
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=5c9452254bccd24b8ad0bb1ab4408ad1 16/09/2017
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