segunda-feira, 18 de setembro de 2017

PAPEL DO ESTADO NÃO É PROMOVER A RELIGIOSIDADE

Roberto Arriada Lorea*

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No tempo das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707), não se cogitava de liberdade para escolher ser ou não ser religioso. No seu Livro Primeiro, título II, dita-se "como são obrigados os pais, mestres, amos e senhores, a ensinar, ou fazer ensinar, a doutrina cristã, aos filhos, discípulos, criados e escravos", enquanto seu Livro Quinto, título I, reza "que se denunciem ao Santo Ofício os hereges e os suspeitos de heresia ou judaís- mo". Forjou-se, assim, a maioria católica no Brasil, naturalizando-se o tratamento desigual àqueles que pensam diferente de "nós".

A memória de um Brasil confessional e intolerante deve ser preservada, para que as novas gerações sejam capazes de compreender que os valores democráticos, que garantem o respeito à crença do outro, são conquistas da laicidade e não da religião. O Estado laico não discrimina por motivos religiosos, não afirma ou nega a existência de Deus, tampouco estabelece hierarquia entre milhares de crenças professadas no Brasil, relegando essa questão à liberdade de cons- ciência de cada cidadão. A laicidade, portanto, fomenta a diversidade religiosa inerente a uma sociedade justa, livre e solidária.

Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a ONU pauta o tema da liberdade religiosa. Em 1981, aprovou a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou Convicção. Mais recentemente, em 1995, aprovou a Declaração de Princípios sobre a Tolerância, enfatizando que "tolerância não é concessão, condescendência, indulgência. A tolerância é, antes de tudo, uma atitude ativa, fundada no reconhecimento dos direitos universais da pessoa humana e das liberdades fundamentais do outro".

Nas democracias modernas, a tolerância aparece como uma necessidade política e jurídica para a vida em sociedade. Nesse contexto, o papel do Estado não é promover a religiosidade, mas assegurar tanto a liberdade de crença quanto de não crença. No Brasil, o artigo 19, I, da Constituição Federal estabelece a separação entre o Estado e as instituições religiosas, proibindo a subvenção a cultos e qualquer forma de aliança. O ensino religioso, quando desejado, pode ser facilmente obtido no seio da família e no âmbito das instituições religiosas.

Atuando na defesa do Estado laico, a Procuradoria-Geral da República ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.439) requerendo ao STF que declare inconstitucional o ensino confessional proposto no acordo firmado entre o Estado brasileiro e a Santa Sé (Decreto 7.107/2010). Sustenta, acertadamente, não ser admissível que "se transforme a escola pública em espaço de catequese e proselitismo religioso, católico ou de qualquer outra confissão".

O Brasil ainda não superou sua herança religiosa de valorização da desigualdade. Nossa cultura jurídica do tipo "nós e eles" se expressa quando legitimamos tratamento desigual em razão do pertencimento religioso, racial ou étnico, de gênero, sexual, social, político e cultural. Ensinar às crianças, nas escolas públicas, que as pessoas devem ser valoradas de acordo com seu pertencimento religioso significa retroceder ao tempo das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, promover a crença na desigualdade e fomentar a intolerância.
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* ROBERTO ARRIADA LOREA Juiz de Direito em Porto Alegre, membro da Associação dos Juízes para a Democracia (AJD) lorea.laicidade@gmail.com
Fonte: 16/07/2017 -  http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=caaeb10544b465034f389991efc90877
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