Para o comentarista político do programa de áudio Trumpcast, o presidente americano é tão incompetente que talvez não consiga materializar suas ideias ruins
MARCELO MOURA
28/09/2017
ÉPOCA – Donald Trump ameaçou “destruir totalmente a Coreia do Norte”. Quais são as intenções dele?
Jacob Weisberg – Trump está tentando ser agressivo, ver quem é mais machão. É como ele se porta diante de cada questão: como um desafio pessoal. Do ponto de vista diplomático, é uma estratégia perigosa e contraproducente.
ÉPOCA – Kim Jong-un disse que Trump “vai pagar caro”. O que o líder norte-coreano quer dizer com isso?
Weisberg – Kim Jong-un entrou nessa retórica ridícula e hiperbólica desde que assumiu o poder. Antes, seu pai fazia o mesmo. Mas líderes mundiais responsáveis procuravam não provocá-lo. Tentavam contemporizar. Trump, ao contrário, está dando eco. Começa a parecer uma briga entre rivais do mesmo nível, em vez de uma briga entre o mundo livre e uma ditadura perigosa e isolada.
ÉPOCA – Ao se rebaixar, Trump rebaixa os Estados Unidos?
Weisberg – A briga não rebaixa necessariamente os Estados Unidos. O país perde autoridade e credibilidade quando o presidente se comporta desse jeito imaturo. Mas não acredito que as pessoas ao redor do mundo enxerguem Trump como representante da opinião dos americanos. Muita gente ainda confia nos Estados Unidos para evitar o perigo de a Coreia do Norte partir para um confronto militar.
ÉPOCA – Quanto estamos longe de uma guerra?
Weisberg – O tamanho do problema é discutível. Apesar da retórica inflamada, Kim Jong-un está se comportando racionalmente. Apesar de a Coreia do Norte desenvolver armas nucleares, não acho que estejamos à beira de uma guerra atômica. A possibilidade mais alarmante é usarem armas convencionais contra a Coreia do Sul. Isso poderia trazer tremenda destruição a uma população enorme.
ÉPOCA – O tom duro de Trump se deve apenas a seu temperamento ou expressa também a falta de alternativas diante de um país que, agora, está perto de desenvolver um arsenal nuclear de alcance mundial?
Weisberg – Sejamos honestos, a escolha de Trump é ruim, mas não existem alternativas boas a respeito da Coreia do Norte. Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama não conseguiram deter diplomaticamente os norte-coreanos. O problema na mesa de Trump é fruto do fracasso de seus antecessores. Mas, ao fazer ameaças, ele aumenta o risco.
ÉPOCA – Se a Coreia do Norte mantém 85% de seu comércio exterior com apenas um país, a China, como Trump pode exercer pressão diplomática?
Weisberg – A única forma de pressionar Kim Jong-un é por meio da China. Mas, para os chineses, a Coreia do Norte é apenas um entre tantos problemas. O único caminho diplomático possível aos Estados Unidos é pedir a Pequim maior prioridade à questão norte-coreana. Trump se irrita ao achar que os chineses não estão se empenhando tanto quanto poderiam.
ÉPOCA – Na campanha, Trump parecia bem mais preocupado com os assuntos internos do que externos. Isso mudou. A mudança é uma estratégia para disfarçar fracassos domésticos, como a tentativa de mudar o sistema de saúde? O governo Trump está perdendo o foco, se é que já teve algum?
Weisberg – Não, ele nunca teve foco. É um oportunista. O foco de Trump é aquilo que ele viu pela manhã no canal Fox News. Sua única agenda concreta é aquela que ele apresentou durante a campanha: construir um muro e cancelar acordos de comércio exterior. Ambas são impraticáveis, contraproducentes, más ideias. A ignorância de Trump não tem fim, mas, no caso específico de política externa, é absoluta.
ÉPOCA – Quanto a ignorância de Trump custa aos Estados Unidos?
Weisberg – Está custando à América o respeito que ela conquistou no mundo. Está custando a autoridade de liderar, está custando interesses econômicos e estratégicos. Sua posição no mundo está encolhendo vastamente pela Presidência de Trump. A única coisa positiva a dizer sobre esse assunto é que a imagem dos Estados Unidos também encolheu severamente durante o governo de George W. Bush, apesar de não ter sido algo tão rápido ou drástico. Quando Obama foi eleito e Bush foi embora, o país conseguiu recuperar grande parte de sua liderança, muito rapidamente. Meu pensamento otimista é este: o dano é severo, mas pode não ser permanente.
ÉPOCA – Quanto a ignorância de Trump custa ao mundo?
Weisberg – Acho que os Estados Unidos ainda representam a referência mundial de nação. A falta da liderança americana traz alguns problemas. Certas ações se tornam muito difíceis, quando não impossíveis. Um bom exemplo é o combate ao aquecimento global. O resto do mundo pode buscar os objetivos do Acordo de Paris sem os americanos, mas a um custo muito maior. Desde direitos humanos até comércio internacional, há uma série de questões que preocupam o planeta, mas nem sequer interessam a Trump. Como resultado, a América não consegue exercer sua liderança e o mundo se torna um lugar pior.
ÉPOCA – Um presidente ignorante não precisa, necessariamente, fazer um governo ignorante. Por que os assessores de Trump não conseguem elevar o nível? Ter como conselheiros a filha e o cunhado certamente não ajuda, mas onde estão os outros?
Weisberg – Essa tremenda incompetência e essa tremenda corrupção estão muito mais num nível que a gente esperaria ver num país emergente, ou antidemocrático, do que nos Estados Unidos.
ÉPOCA – Durante a campanha eleitoral, o senhor afirmou que a mera candidatura de Trump já representava uma ameaça à democracia. Como sua opinião mudou?
Weisberg – Passados nove meses de governo Trump, os Estados Unidos ainda são uma democracia. Já é uma boa notícia. Mas em muitos fundamentos de nossa democracia, como transparência, separação entre interesses públicos e privados, liberdade de imprensa... Até mesmo no linguajar, Trump está muito distante da tradição americana. O perigo continua bastante real, uma vez que Trump ainda tem um apoio razoável e não foi afastado. É muito perturbador. Não podemos ser complacentes com a ameaça e os riscos à democracia. Ao mesmo tempo, vemos como muitas instituições e tradições são resilientes. Há uma robusta resistência a Trump, tanto dentro quanto fora do governo. Tenho a esperança de que a democracia americana vai sobreviver. Mas não acho que podemos dar isso como certo.
ÉPOCA – Muitos outros presidentes americanos custaram a engrenar no cargo. Trump é diferente?
Weisberg – Sim. Ele é muito diferente. É diferente no sentido de não ter a menor ideia do que é ser presidente. A ele faltam as mais básicas atitudes, habilidades e experiência para o cargo. Vários outros presidentes tinham falta de experiência, mas procuraram melhorar com o apoio de gente mais experiente. Trump não fez isso. Sua concepção de governo é integralmente concentrada nele, na visão dele. Não vejo a menor chance de ele evoluir com o tempo.
ÉPOCA – Trump é o pior presidente da história dos Estados Unidos?
Weisberg – Sem dúvida. Pensando bem, talvez seja prematuro dizer isso, pois ainda não podemos dimensionar os danos que ele causará aos Estados Unidos. Trump é tão incompetente que pode nem conseguir causar dano. Até agora, não aprovou nenhum projeto relevante no Congresso e entrou em guerra contra seu próprio partido. Um presidente inócuo acabaria não parecendo o pior de todos... Mas, como pessoa, Trump é seguramente o pior ser humano que já ocupou a Casa Branca.
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Fonte: http://epoca.globo.com/mundo/noticia/2017/09/jacob-weisberg-trump-e-o-pior-ser-humano-que-ja-ocupou-casa-branca.html
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