Cláudia Laitano*
Foto:
Netflix / Divulgação
A CARNE É O NOVO CIGARRO?
Documentário "What the Health", compara os riscos à saúde dos embutidos
com o que já se sabe sobre os malefícios do tabaco.
A mudança cultural atualmente em curso em relação ao consumo de carne não é o resultado de leis, mas de batalhas travadas em foro íntimo
Minha
filha e as amigas de infância comendo hambúrguer de berinjela. Minhas
enteadas trocando o bife pelo tofu. A filha da minha amiga e o namorado
comendo só frutas e saladas no churrasco de domingo. Crianças em idade
escolar comunicando aos pais, não vegetarianos, a decisão de parar de
comer carne. Filas nos restaurantes naturais da capital mais carnívora
do país. Documentários abordando diferentes aspectos do assunto
pipocando na grade da Netflix. O biólogo-celebridade Richard Dawkins
promovendo seu livro mais recente, Science in the Soul, com um vídeo em
que afirma que os animais sentem dor de forma mais intensa do que os
humanos. Best-sellers como Homo Sapiens, o livro de não ficção mais
vendido no Brasil nas últimas semanas, defendendo a ideia de que a
Humanidade pode – e deve – desenvolver uma alternativa de alimentação
mais barata, ecológica e ética do que o abate de vacas, porcos e
galinhas. Os indícios estão aí para quem quiser ver: a carne é o novo
cigarro.
O documentário What the Health (2017), que estreou
na Netflix em junho, levou a analogia ao limite. Para ilustrar o que a
ciência já sabe sobre a relação entre o consumo de embutidos e o risco
de câncer, imaginou uma mãe de comercial de margarina servindo cigarros
para os filhos na mesa do café da manhã. OK, documentários como esse e o
já clássico Cowspiracy (2014), dos mesmos produtores, são peças de
propaganda que visam atrair novos adeptos e não exatamente problematizar
o assunto sob diferentes pontos de vista. Ainda assim, a comparação da
carne com o cigarro é pertinente. Não apenas pelos comprovados riscos à
saúde de ambos, mas pela dimensão da mudança cultural necessária para
transformar hábitos tão arraigados em um intervalo de tempo tão curto.
Assim
como antigamente ninguém achava estranho que professores (e mesmo
alunos) fumassem em sala de aula, houve um tempo em que ser vegetariano,
em Porto Alegre, era considerado quase tão exótico quanto tirar férias
no Tibete. O sujeito poderia desfiar argumentos éticos ou ecológicos à
vontade, mas continuaria sendo visto com desconfiança e mesmo alguma
animosidade. Os sinais enviados pelo comportamento de jovens adultos,
adolescentes e crianças é que exótico, em breve, será o espeto corrido.
Ao
contrário do cigarro, que foi banido de locais públicos e da
publicidade graças a leis antitabagistas, a mudança cultural em curso em
relação ao consumo de carne é resultado de batalhas travadas apenas em
foro íntimo. Dificilmente veremos o churrasco confinado a "carnódromos"
na parte de trás dos restaurantes, mas é provável que cada vez mais
pessoas sintam-se inclinadas a refletir a respeito da própria dieta.
E parar para repensar velhos hábitos é sempre saudável, mesmo quando as decisões resultantes desse tipo de reflexão não são.
No
último mês, sem qualquer combinação prévia e por motivos diferentes, eu
e minha filha de 19 anos decidimos parar de comer carne. A ideia que
andava pendurada no trapézio do meu cérebro finalmente deu um salto e
ficou em pé. E a sensação, até aqui, não poderia ser melhor.
----------
* Colunista da ZH
Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/colunistas/claudia-laitano/noticia/2017/09/verde-e-a-cor-mais-quente-9890769.html - 09 e 10 de setembro de 2017. Cad. DOC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário