Carlos Adriano Ferraz*
A história é conhecida:
em uma tentativa de armar uma cilada para Jesus, lhe é colocada a
questão: é lícito dar o tributo a César ou não? A essa questão, ele
responde: "A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus". Temos,
aqui, a primeira defesa de um Estado laico, reiterada em outras
passagens: "O meu reino não é deste mundo". Portanto, a separação entre
religião e Estado (laicidade) sempre foi uma exigência da tradição
cristã em geral e do catolicismo em particular. O Édito de Milão, a
Querela das Investiduras, por exemplo, mostram o esforço dos cristãos
para manter separados os planos secular e religioso. Essa reivindicação,
tão na moda atualmente (e, inclusive, usada como slogan pelos
partidários do politicamente correto), já é conhecida dos cristãos há
uns 2 mil anos. A Doutrina Social da Igreja e o Concílio Vaticano II,
por exemplo, consideram a laicidade um "patrimônio da civilização", uma
vez que ela assegura a liberdade religiosa e o diálogo (já observaram
que democracia, liberdades, direitos etc. floresceram em culturas
cristãs? Não foi por acaso).
O laicismo, por outro lado,
coíbe a liberdade religiosa e conduz ao totalitarismo ideológico. Muito
do debate que está ocorrendo agora, enquanto o STF discute sobre a
matéria de ensino religioso nas escolas públicas, não repousa na
laicidade (uma criação cristã), mas no laicismo, o qual é antirreligioso
(e viola a separação entre Estado e religião). Aqui não se trata de
separar Igreja e Estado, mas de banir a religião e a liberdade
religiosa, o que inevitavelmente coibirá outras expressões da liberdade,
afetando, pois, mesmo os não religiosos, que podem sustentar sua
posição justamente porque vivem em uma sociedade alicerçada sobre
valores oriundos da religião cristã, algo que lhes seria impossível, por
exemplo, em culturas islâmicas. Calar a liberdade religiosa implica
calar a própria consciência.
Assim, quando falamos do ensino
religioso em escolas públicas, a questão central é: qual o sentido mesmo
da religião (e de seu ensino)? Ora, a religião é uma das esferas que
dão sentido à existência humana, a exemplo do que ocorre, também, com a
experiência estética, com o conhecimento etc. E a educação tem, também,
este papel: formar pessoas enquanto pessoas. Negar a elas qualquer uma
dessas formas de realização é negar-lhes a atualização de sua natureza,
pois é nessas disciplinas que elas se autoapreendem como pessoas. A
rejeição do ensino religioso é tão temerária quanto o atual estado de
empobrecimento da estética, do conhecimento etc. Não se trata de
catequizar estudantes, mas, primeiramente, de mostrar-lhes as raí-zes
cristãs de sua cultura, de seus valores, bem como, em segundo lugar, de
lhes mostrar respostas às questões que todos (mesmo ateus)
inevitavelmente se colocam, entre as quais: há um Deus? Estado
totalitário algum afastará de nós as questões que apenas são respondidas
pela religião. A busca pelas respostas às questões perenes fomentou a
religião, a qual, mesmo para ateus, é fonte de reflexão sobre o sentido.
Em suma, o ensino religioso é parte da formação que traz à luz nossa
natureza inquiridora em uma incansável busca pelo sentido. Tal como não
precisamos ser estetas para assistir a uma aula de estética e perceber o
valor da beleza, também não precisamos ser religiosos para perceber o
valor da religião e a necessidade de ela estar no quadro formativo de
todos os estudantes.
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* CARLOS
ADRIANO FERRAZ Professor, doutor ? Departamento e Programa de
Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
ferrazca@hotmail.com
Fonte:http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel materia.jsp?cd=05b15a3bd85969833e55b3f05185dcb9 16/09/2017
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