sábado, 9 de setembro de 2017

José Eduardo Agualusa: "Não nos resta alternativa a não ser o otimismo", diz escritor angolano .

 Foto: Divulgação / Agualusa.pt / Agualusa.pt

Autor diz que o país hoje presta mais atenção a autores de língua portuguesa de outras nações, a exemplo do moçambicano Mia Couto

Por: Fernanda Grabauska
08/09/2017 - 
 
Na obra do angolano José Eduardo Agualusa, real e ficção mesclam-se e trocam de lugar a ponto de parecer corriqueiro que um hoteleiro riponga seja um ex-guerrilheiro com a sobrenatural capacidade de caminhar pelos sonhos alheios. O recente A Sociedade dos Sonhadores Involuntários, romance que tem como pano de fundo o caso dos 15+2 (prisão de ativistas cuja libertação mobilizou a comunidade internacional em 2015), foi lançado antes do pleito de 23 de agosto, quando os angolanos elegeram o terceiro presidente do país, encerrando 38 anos de gestão de José Eduardo dos Santos – seu sucessor, escolhido não sem muitos questionamentos da oposição, é João Lourenço, ministro da Defesa de Santos. Nesta entrevista, concedida por telefone durante sua visita ao Brasil para lançar o livro, Agualusa fala sobre sua esperança na democracia e a necessidade de se criar novas utopias.
 
Por favor, fale sobre o caso 15+2 e sua ligação com A Sociedade dos Sonhadores Involuntários.
O caso e o livro têm ligação direta. Quer dizer, a história se iniciou até antes. Comecei a escrever esse livro há seis, sete anos, sob o impacto da Primavera Árabe, pensando principalmente sobre os jovens. O regime já havia caído na Tunísia e no Egito e (Muamar) Kadafi estava a caminho de cair (na Líbia). Havia insurgência em vários países africanos, mas não em Angola. Naquela altura, em 2011, emergiu no meu país um movimento de jovens, que começou com uma intervenção do Luaty Beirão (rapper e escritor angolano que, assim com Agualusa, esteve no Brasil para participar da Festa Literária de Paraty, a Flip, no final de julho), em um show de música. Ele aproveitou essa ocasião, com milhares de espectadores, para dirigir-se diretamente a um dos filhos do presidente, Eduane Danilo Lemos dos Santos, que estava presente na ocasião, em meio à plateia. Disse algo como "Senhor Danilo, vai dizer ao teu pai: não queremos mais ele aqui! Trinta e dois anos (de regime) é muito. Acabou!". Antes, Luaty já havia erguido uma faixa com os dizeres "Zedú, tira o pé de Angola". Foi chantageado e precisou publicar uma retratação alguns dias depois.
E o que aconteceu em seguida?
Aquele episódio foi muito forte. Teve um impacto enorme e deu uma ideia do quanto as pessoas estavam insatisfeitas. Elas não conseguiram fingir que aquilo não aconteceu. Esse evento marcou o nascimento desse movimento de contestação, que organizou uma série de manifestações ao longo do mesmo ano. Essas manifestações foram reprimidas pela polícia, por vezes com grande violência, e esse grupo foi preso há dois anos enquanto estudava Da Ditadura à Democracia, de Gene Sharp, um livro de resistência pacífica contra ditaduras. O grupo foi acusado de coautoria de atos preparatórios para uma rebelião e um atentado contra o presidente. Já na prisão, Luaty e os outros detidos iniciam uma greve de fome, que durou 36 dias e acabou dando origem a um movimento muito mais amplo em Angola, que juntou pessoas, jovens, muitos artistas de diversas correntes, inclusive pessoas próximas às famílias que estão no poder. Isso realmente foi bem importante, e eu comentei, àquela altura, que poderia gerar um movimento mais consistente e duradouro de resistência. Infelizmente, quando os ativistas foram soltos, isso praticamente cessou. Mas, ainda assim, foi importante. A história dos detidos é o que permeia a ficção do livro, com algumas alterações.

Você mistura um resgate da história de Angola com um universo ficcional que pende para o onírico e, muitas vezes, para o absurdo. Como isso funciona em seu processo de criação?
Gosto de escrever sobre como as pessoas aceitam com naturalidade essa presença, essa intrusão do absurdo na realidade, e também, um pouco, do maravilhoso. De certo modo, a realidade angolana é um pouco assim. Em A Sociedade dos Sonhadores Involuntários, esse interesse pelo sonho se manifestou claramente. Eu costumo sonhar muito. Sonho com aquilo que estou escrevendo, com personagens, enredos, diálogos. E isso desde o meu primeiro livro. Escrevo um diário no qual, entre muitos outros detalhes, tomo nota de alguns sonhos, muitos dos quais optei por incluir nesse livro. Há muito tempo, também, eu pretendia escrever alguma coisa que fosse uma reflexão sobre o papel do sonho nas nossas vidas e sobre esse mistério que é sonhar. Ao mesmo tempo, nesse livro, junto isso com a necessidade de criar novas utopias por meio da história, enfim, de tentar compreender o curso desses jovens democratas angolanos.

Após narrar a história dos 15+2, A Sociedade dos Sonhadores Involuntários projeta um futuro otimista para a democracia angolana. Mas, ao menos antes da eleição de 23 de agosto, o clima parecia ser de descrença. Uma Angola democrática é possível no curto prazo?
Acho que não nos resta alternativa a não ser o otimismo. O otimismo é o último recurso. Em um país como Angola, tão dilacerado, com tantos problemas, não há espaço para pessimismo. Por outro lado, realmente, com a insurgência desse movimento jovem, há alguma esperança. Primeiro porque é jovem, ou seja, é algo que se projeta para o futuro. E depois porque a operação é uma grande novidade: esses jovens não pedem nada para eles mesmos, não pretendem seguir uma carreira política, eles simplesmente querem um país melhor, um país mais aberto democraticamente e com mais justiça social. A oposição tentou aliciá-los, tentou incluí-los nas listas de deputados para capitalizá-los, mas eles não são políticos. São jovens sonhadores, no melhor sentido da expressão.

Você acha que ter ficado entre os seis finalistas do Man Booker Prize e ter vencido o Prêmio Dublin tiveram impacto na questão da visibilidade dessa causa democrática do seu país?
Acho que esse tipo de coisa sempre ajuda. Esses prêmios têm alguma repercussão na imprensa internacional, ajudam o livro a vender um pouco, ajudam a garantir novas traduções, e também, ao mesmo tempo, me dão espaço para, em entrevistas, falar sobre Angola. Aí acabo chamando a atenção para o que se passa no país. Muitas vezes, os jornalistas de outros países deixam claro que nunca tinham ouvido falar de Angola. Então, acho que sempre dá resultado. Inclusive porque os livros são isso mesmo, em particular os meus livros: são espaços de debate. Chamam a atenção para a política.

Você estudou Agronomia e Silvicultura em Lisboa, e traz esse conhecimento para os seus livros. De onde vem esse interesse?
(Risos) Tenho algo com a natureza, de uma forma mais geral. Já me disseram, inclusive: "Ah, há muitos bichos nos seus livros". Não sei nem explicar de onde vem isso, porque é algo que está na minha vida desde sempre. Sempre tive interesse por tudo o que está a minha volta, por tudo o que vive. Sempre fui curioso e me senti muito próximo a tudo o que tem vida. Nunca consegui compreender muito bem essa descrição que se faz de que o homem é a "vida inteligente", ou o discurso de que se está à procura de "vida inteligente" em outros planetas. Em primeiro lugar, a vida é sempre inteligente. Toda forma de vida é inteligente, então é uma redundância usar essa expressão. As plantas – e isso já sabemos hoje e parece que cada vez nos aprofundamos mais e conhecemos melhor – têm uma forma muito sofisticada de inteligência. Tenho uma admiração enorme pelas plantas, porque são formas de vida não violenta. Elas conseguem sobreviver sem maltratar quem está à volta. Acho que isso é uma forma avançada de vida, sofisticada, mesmo. Se houvesse vida extraterrestre, provavelmente os visitantes de outros planetas fariam contato primeiro com as plantas, e não com as pessoas, porque as plantas constituem uma civilização avançada.

Seus últimos protagonistas parecem ter muito a ver com você. Eles têm algo de autobiográfico?
Acho que todos os personagens têm alguma coisa do próprio autor. É inevitável, não é? Alguns mais do que outros. Talvez, neste novo livro, o narrador, esse jornalista que vem do livro anterior, de A Teoria Geral do Esquecimento (publicado em 2012), talvez tenha mais a ver comigo do que o outro, porque compartilha comigo a mesma cidade, a mesma região dessa cidade em que nasci, e por isso compartilha as mesmas memórias de infância. Também o outro protagonista da história, Hossi, compartilha momentos dessa infância comigo.

Quais outros escritores angolanos você destaca, considerando que, no Brasil, ainda se conhece relativamente pouco a literatura angolana?
 Isso é verdade: pouco se conhece a literatura angolana aqui no Brasil. Mas acho que, nos últimos anos, alguns escritores angolanos ganharam leitores cativos aqui no país, desde os mais jovens, como Ondjaki, que vem obtendo um sucesso internacional considerável, até o Pepetela, que já é muito respeitado e inclusive estudado no meio acadêmico brasileiro, tanto quanto o (José) Luandino Vieira. Há uma poeta também, muito conhecida nas universidades, muito pesquisada, mas que merecia mais reconhecimento por parte do público, que é a Ana Paula Tavares. Acho que ela é um dos grandes nomes da poesia em língua portuguesa hoje em dia. Ana Paula Tavares faz uma poesia muito preocupada com a questão da mulher, chamando a atenção para a vida das populações nômades do sul de Angola, portanto, uma poesia que se abre a outras geografias, outras culturas e emoções. Ela tem potencial para ser mais conhecida em outros países, incluindo o Brasil, principalmente por ser muito sensível e inteligente, além de abordar essa questão da mulher.

Você considera o Brasil um país fechado para a literatura africana?
O Brasil já foi totalmente fechado em si mesmo, ignorando não só África, mas o resto do mundo. Mas isso melhorou um pouco. Um bom exemplo é o Mia Couto. Mia, hoje, é um dos autores de língua portuguesa mais lidos no Brasil, mais lido até do que autores brasileiros.

Há algum autor brasileiro entre suas influências?
Li muito Jorge Amado quando jovem. Depois, marcaram-me muito Clarice Lispector, João Ubaldo Ribeiro e Rubem Fonseca. Considero que acompanhei a literatura brasileira sempre com grande atenção. De Lima Barreto, que foi homenageado na Flip, eu conheço apenas os textos principais. Mas, ouvindo Lilia Schwarcz falar sobre ele e Lázaro Ramos lendo seus textos, deu vontade de conhecê-lo melhor. É para isso que servem esses eventos literários, não é? Para conhecer autores que, eventualmente, venham a ser importantes para nós.

Você já falou que procura escrever em um "português universal". Acredita que o idioma pode rumar para maior unificação?
Bom, o acordo ortográfico lida apenas com a ortografia, não é mais do que isso. Nunca fez sentido que uma língua apenas tivesse várias ortografias, isso não favorecia a língua de maneira nenhuma. Agora, o português é uma língua só com várias variantes. A mim, interessa essa língua, com todas as suas variantes, particularidades como aquelas palavras de uso comum em Portugal que se mantêm apenas em algumas partes do Brasil, que alguém só compreenderia entendendo todas essas variantes. Mas o português é um só. Com as novas tecnologias, as pessoas em todos os diferentes lugares onde se fala português vão tendo maior conhecimento recíproco, mútuo. A própria literatura se beneficia disso. Pegue Mia Couto, por exemplo. Evidentemente, quando um brasileiro toma contato com Mia, está a tomar contato com uma vertente do português, que é o português de Moçambique. A literatura e as novas tecnologias fazem esse conhecimento das particularidades do idioma falado em cada país chegar mais rápido aos falantes da língua do que há alguns anos. Então há um movimento de aproximação, sim.

Fale mais sobre essa aproximação, por favor.
Portugal tem vindo a reencontrar-se com África e hoje, por paradoxal que pareça, os portugueses estão mais bem informados acerca do continente negro do que estavam na época colonial. Os africanos, por sua vez, redescobrem Portugal. Nesse cenário faltaria apenas que o Brasil assuma seu destino lusófono e que se lance mais à descoberta de Portugal e da África que fala português.

Como foi lançar seu mais novo livro no Brasil? Pelas redes sociais, deu para ver que você deu um abraço em Fabrício Carpinejar...
Infelizmente, o Carpinejar não esteve na Flip. Foi uma pena, pois ele é sempre uma animação para a cidade (risos). É sempre bom estar com os leitores, porque os leitores nos ensinam muito sobre nossos próprios livros. No Brasil, tenho a oportunidade de rever amigos escritores e encontrar autores que admiro. Para mim é sempre um grande prazer estar no país.

Cinco livros para conhecer Agualusa

A Sociedade dos Sonhadores Involuntários (2017)
> Quatro personagens que se relacionam de formas diferentes com o mundo dos sonhos são unidos pelo acaso em meio à mobilização causada pela prisão de ativistas angolanos em um ato contra o governo.

Nação Crioula (2002)> Em formato epistolar, mistura realidade e ficção ao narrar a luta pela abolição em Angola por meio das cartas que Fradique Mendes (heterônimo de Eça de Queiroz) manda para sua madrinha, para a ex-escrava por quem se apaixona e para o próprio Eça.
O Vendedor de Passados (2004)> O romance, que ganhou uma adaptação brasileira homônima para o cinema em 2013, conta a história de Félix Ventura, um homem albino que prepara e vende árvores genealógicas para sobreviver. Seu negócio atende a burguesia angolana, que tem futuro assegurado, mas sofre com a ausência de um bom passado.

Estação das Chuvas (1996)> Personagens fictícias tornam-se heterônimos de personalidades reais neste romance que narra em tom quase caótico o recomeço da guerra civil angolana, em 1992, a partir do desaparecimento da historiadora e poeta Lídia do Carmo Ferreira.

Barroco Tropical (2009)
> Em 2020, uma mulher (literalmente) cai do céu em frente a um escritor e sua amante, narradores da história. A partir da figura misteriosa, uma ex-miss que circulava pelos bastidores do poder em Angola, Agualusa traça um retrato das contradições da sociedade em seu país.
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Fonte:  http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/livros/noticia/2017/09/nao-nos-resta-alternativa-a-nao-ser-o-otimismo-diz-escritor-angolano-jose-eduardo-agualusa-9890886.html

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