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Autor diz que o país hoje presta mais atenção a autores de língua portuguesa de outras nações, a exemplo do moçambicano Mia Couto
Na
obra do angolano José Eduardo Agualusa, real e ficção mesclam-se e
trocam de lugar a ponto de parecer corriqueiro que um hoteleiro riponga
seja um ex-guerrilheiro com a sobrenatural capacidade de caminhar pelos
sonhos alheios. O recente A Sociedade dos Sonhadores Involuntários,
romance que tem como pano de fundo o caso dos 15+2 (prisão de ativistas
cuja libertação mobilizou a comunidade internacional em 2015), foi
lançado antes do pleito de 23 de agosto, quando os angolanos elegeram o
terceiro presidente do país, encerrando 38 anos de gestão de José
Eduardo dos Santos – seu sucessor, escolhido não sem muitos
questionamentos da oposição, é João Lourenço, ministro da Defesa de
Santos. Nesta entrevista, concedida por telefone durante sua visita ao
Brasil para lançar o livro, Agualusa fala sobre sua esperança na
democracia e a necessidade de se criar novas utopias.
Por favor, fale sobre o caso 15+2 e sua ligação com A Sociedade dos Sonhadores Involuntários.
O
caso e o livro têm ligação direta. Quer dizer, a história se iniciou
até antes. Comecei a escrever esse livro há seis, sete anos, sob o
impacto da Primavera Árabe, pensando principalmente sobre os jovens. O
regime já havia caído na Tunísia e no Egito e (Muamar) Kadafi estava a caminho de cair (na Líbia).
Havia insurgência em vários países africanos, mas não em Angola.
Naquela altura, em 2011, emergiu no meu país um movimento de jovens, que
começou com uma intervenção do Luaty Beirão (rapper e escritor
angolano que, assim com Agualusa, esteve no Brasil para participar da
Festa Literária de Paraty, a Flip, no final de julho), em um show de
música. Ele aproveitou essa ocasião, com milhares de espectadores, para
dirigir-se diretamente a um dos filhos do presidente, Eduane Danilo
Lemos dos Santos, que estava presente na ocasião, em meio à plateia.
Disse algo como "Senhor Danilo, vai dizer ao teu pai: não queremos mais
ele aqui! Trinta e dois anos (de regime) é muito. Acabou!".
Antes, Luaty já havia erguido uma faixa com os dizeres "Zedú, tira o pé
de Angola". Foi chantageado e precisou publicar uma retratação alguns
dias depois.
E o que aconteceu em seguida?
Aquele
episódio foi muito forte. Teve um impacto enorme e deu uma ideia do
quanto as pessoas estavam insatisfeitas. Elas não conseguiram fingir que
aquilo não aconteceu. Esse evento marcou o nascimento desse movimento
de contestação, que organizou uma série de manifestações ao longo do
mesmo ano. Essas manifestações foram reprimidas pela polícia, por vezes
com grande violência, e esse grupo foi preso há dois anos enquanto
estudava Da Ditadura à Democracia, de Gene Sharp, um livro de
resistência pacífica contra ditaduras. O grupo foi acusado de coautoria
de atos preparatórios para uma rebelião e um atentado contra o
presidente. Já na prisão, Luaty e os outros detidos iniciam uma greve de
fome, que durou 36 dias e acabou dando origem a um movimento muito mais
amplo em Angola, que juntou pessoas, jovens, muitos artistas de
diversas correntes, inclusive pessoas próximas às famílias que estão no
poder. Isso realmente foi bem importante, e eu comentei, àquela altura,
que poderia gerar um movimento mais consistente e duradouro de
resistência. Infelizmente, quando os ativistas foram soltos, isso
praticamente cessou. Mas, ainda assim, foi importante. A história dos
detidos é o que permeia a ficção do livro, com algumas alterações.
Você
mistura um resgate da história de Angola com um universo ficcional que
pende para o onírico e, muitas vezes, para o absurdo. Como isso funciona
em seu processo de criação?
Gosto de escrever sobre como as
pessoas aceitam com naturalidade essa presença, essa intrusão do absurdo
na realidade, e também, um pouco, do maravilhoso. De certo modo, a
realidade angolana é um pouco assim. Em A Sociedade dos Sonhadores Involuntários,
esse interesse pelo sonho se manifestou claramente. Eu costumo sonhar
muito. Sonho com aquilo que estou escrevendo, com personagens, enredos,
diálogos. E isso desde o meu primeiro livro. Escrevo um diário no qual,
entre muitos outros detalhes, tomo nota de alguns sonhos, muitos dos
quais optei por incluir nesse livro. Há muito tempo, também, eu
pretendia escrever alguma coisa que fosse uma reflexão sobre o papel do
sonho nas nossas vidas e sobre esse mistério que é sonhar. Ao mesmo
tempo, nesse livro, junto isso com a necessidade de criar novas utopias
por meio da história, enfim, de tentar compreender o curso desses jovens
democratas angolanos.
Após narrar a história dos 15+2, A Sociedade dos Sonhadores Involuntários
projeta um futuro otimista para a democracia angolana. Mas, ao menos
antes da eleição de 23 de agosto, o clima parecia ser de descrença. Uma
Angola democrática é possível no curto prazo?
Acho que não nos
resta alternativa a não ser o otimismo. O otimismo é o último recurso.
Em um país como Angola, tão dilacerado, com tantos problemas, não há
espaço para pessimismo. Por outro lado, realmente, com a insurgência
desse movimento jovem, há alguma esperança. Primeiro porque é jovem, ou
seja, é algo que se projeta para o futuro. E depois porque a operação é
uma grande novidade: esses jovens não pedem nada para eles mesmos, não
pretendem seguir uma carreira política, eles simplesmente querem um país
melhor, um país mais aberto democraticamente e com mais justiça social.
A oposição tentou aliciá-los, tentou incluí-los nas listas de deputados
para capitalizá-los, mas eles não são políticos. São jovens sonhadores,
no melhor sentido da expressão.
Você acha que ter ficado
entre os seis finalistas do Man Booker Prize e ter vencido o Prêmio
Dublin tiveram impacto na questão da visibilidade dessa causa
democrática do seu país?
Acho que esse tipo de coisa sempre
ajuda. Esses prêmios têm alguma repercussão na imprensa internacional,
ajudam o livro a vender um pouco, ajudam a garantir novas traduções, e
também, ao mesmo tempo, me dão espaço para, em entrevistas, falar sobre
Angola. Aí acabo chamando a atenção para o que se passa no país. Muitas
vezes, os jornalistas de outros países deixam claro que nunca tinham
ouvido falar de Angola. Então, acho que sempre dá resultado. Inclusive
porque os livros são isso mesmo, em particular os meus livros: são
espaços de debate. Chamam a atenção para a política.
Você estudou Agronomia e Silvicultura em Lisboa, e traz esse conhecimento para os seus livros. De onde vem esse interesse?
(Risos)
Tenho algo com a natureza, de uma forma mais geral. Já me disseram,
inclusive: "Ah, há muitos bichos nos seus livros". Não sei nem explicar
de onde vem isso, porque é algo que está na minha vida desde sempre.
Sempre tive interesse por tudo o que está a minha volta, por tudo o que
vive. Sempre fui curioso e me senti muito próximo a tudo o que tem vida.
Nunca consegui compreender muito bem essa descrição que se faz de que o
homem é a "vida inteligente", ou o discurso de que se está à procura de
"vida inteligente" em outros planetas. Em primeiro lugar, a vida é
sempre inteligente. Toda forma de vida é inteligente, então é uma
redundância usar essa expressão. As plantas – e isso já sabemos hoje e
parece que cada vez nos aprofundamos mais e conhecemos melhor – têm uma
forma muito sofisticada de inteligência. Tenho uma admiração enorme
pelas plantas, porque são formas de vida não violenta. Elas conseguem
sobreviver sem maltratar quem está à volta. Acho que isso é uma forma
avançada de vida, sofisticada, mesmo. Se houvesse vida extraterrestre,
provavelmente os visitantes de outros planetas fariam contato primeiro
com as plantas, e não com as pessoas, porque as plantas constituem uma
civilização avançada.
Seus últimos protagonistas parecem ter muito a ver com você. Eles têm algo de autobiográfico?
Acho
que todos os personagens têm alguma coisa do próprio autor. É
inevitável, não é? Alguns mais do que outros. Talvez, neste novo livro, o
narrador, esse jornalista que vem do livro anterior, de A Teoria Geral do Esquecimento (publicado
em 2012), talvez tenha mais a ver comigo do que o outro, porque
compartilha comigo a mesma cidade, a mesma região dessa cidade em que
nasci, e por isso compartilha as mesmas memórias de infância. Também o
outro protagonista da história, Hossi, compartilha momentos dessa
infância comigo.
Quais outros escritores angolanos você
destaca, considerando que, no Brasil, ainda se conhece relativamente
pouco a literatura angolana?
Isso é verdade: pouco se conhece
a literatura angolana aqui no Brasil. Mas acho que, nos últimos anos,
alguns escritores angolanos ganharam leitores cativos aqui no país,
desde os mais jovens, como Ondjaki, que vem obtendo um sucesso
internacional considerável, até o Pepetela, que já é muito respeitado e
inclusive estudado no meio acadêmico brasileiro, tanto quanto o (José) Luandino
Vieira. Há uma poeta também, muito conhecida nas universidades, muito
pesquisada, mas que merecia mais reconhecimento por parte do público,
que é a Ana Paula Tavares. Acho que ela é um dos grandes nomes da poesia
em língua portuguesa hoje em dia. Ana Paula Tavares faz uma poesia
muito preocupada com a questão da mulher, chamando a atenção para a vida
das populações nômades do sul de Angola, portanto, uma poesia que se
abre a outras geografias, outras culturas e emoções. Ela tem potencial
para ser mais conhecida em outros países, incluindo o Brasil,
principalmente por ser muito sensível e inteligente, além de abordar
essa questão da mulher.
Você considera o Brasil um país fechado para a literatura africana?
O
Brasil já foi totalmente fechado em si mesmo, ignorando não só África,
mas o resto do mundo. Mas isso melhorou um pouco. Um bom exemplo é o Mia
Couto. Mia, hoje, é um dos autores de língua portuguesa mais lidos no
Brasil, mais lido até do que autores brasileiros.
Há algum autor brasileiro entre suas influências?
Li
muito Jorge Amado quando jovem. Depois, marcaram-me muito Clarice
Lispector, João Ubaldo Ribeiro e Rubem Fonseca. Considero que acompanhei
a literatura brasileira sempre com grande atenção. De Lima Barreto, que
foi homenageado na Flip, eu conheço apenas os textos principais. Mas,
ouvindo Lilia Schwarcz falar sobre ele e Lázaro Ramos lendo seus textos,
deu vontade de conhecê-lo melhor. É para isso que servem esses eventos
literários, não é? Para conhecer autores que, eventualmente, venham a
ser importantes para nós.
Você já falou que procura escrever em um "português universal". Acredita que o idioma pode rumar para maior unificação?
Bom,
o acordo ortográfico lida apenas com a ortografia, não é mais do que
isso. Nunca fez sentido que uma língua apenas tivesse várias
ortografias, isso não favorecia a língua de maneira nenhuma. Agora, o
português é uma língua só com várias variantes. A mim, interessa essa
língua, com todas as suas variantes, particularidades como aquelas
palavras de uso comum em Portugal que se mantêm apenas em algumas partes
do Brasil, que alguém só compreenderia entendendo todas essas
variantes. Mas o português é um só. Com as novas tecnologias, as pessoas
em todos os diferentes lugares onde se fala português vão tendo maior
conhecimento recíproco, mútuo. A própria literatura se beneficia disso.
Pegue Mia Couto, por exemplo. Evidentemente, quando um brasileiro toma
contato com Mia, está a tomar contato com uma vertente do português, que
é o português de Moçambique. A literatura e as novas tecnologias fazem
esse conhecimento das particularidades do idioma falado em cada país
chegar mais rápido aos falantes da língua do que há alguns anos. Então
há um movimento de aproximação, sim.
Fale mais sobre essa aproximação, por favor.
Portugal
tem vindo a reencontrar-se com África e hoje, por paradoxal que pareça,
os portugueses estão mais bem informados acerca do continente negro do
que estavam na época colonial. Os africanos, por sua vez, redescobrem
Portugal. Nesse cenário faltaria apenas que o Brasil assuma seu destino
lusófono e que se lance mais à descoberta de Portugal e da África que
fala português.
Como foi lançar seu mais novo livro no Brasil?
Pelas redes sociais, deu para ver que você deu um abraço em Fabrício
Carpinejar...
Infelizmente, o Carpinejar não esteve na Flip. Foi uma pena, pois ele é sempre uma animação para a cidade (risos).
É sempre bom estar com os leitores, porque os leitores nos ensinam
muito sobre nossos próprios livros. No Brasil, tenho a oportunidade de
rever amigos escritores e encontrar autores que admiro. Para mim é
sempre um grande prazer estar no país.
Cinco livros para conhecer Agualusa
A Sociedade dos Sonhadores Involuntários (2017)
> Quatro personagens que se relacionam de formas diferentes com o mundo dos sonhos são unidos pelo acaso em meio à mobilização causada pela prisão de ativistas angolanos em um ato contra o governo.
Nação Crioula (2002)> Em formato epistolar, mistura realidade e ficção ao narrar a luta pela abolição em Angola por meio das cartas que Fradique Mendes (heterônimo de Eça de Queiroz) manda para sua madrinha, para a ex-escrava por quem se apaixona e para o próprio Eça.
> Quatro personagens que se relacionam de formas diferentes com o mundo dos sonhos são unidos pelo acaso em meio à mobilização causada pela prisão de ativistas angolanos em um ato contra o governo.
Nação Crioula (2002)> Em formato epistolar, mistura realidade e ficção ao narrar a luta pela abolição em Angola por meio das cartas que Fradique Mendes (heterônimo de Eça de Queiroz) manda para sua madrinha, para a ex-escrava por quem se apaixona e para o próprio Eça.
O Vendedor de Passados (2004)>
O romance, que ganhou uma adaptação brasileira homônima para o cinema
em 2013, conta a história de Félix Ventura, um homem albino que prepara e
vende árvores genealógicas para sobreviver. Seu negócio atende a
burguesia angolana, que tem futuro assegurado, mas sofre com a ausência
de um bom passado.
Estação das Chuvas (1996)> Personagens fictícias tornam-se heterônimos de personalidades reais neste romance que narra em tom quase caótico o recomeço da guerra civil angolana, em 1992, a partir do desaparecimento da historiadora e poeta Lídia do Carmo Ferreira.
Barroco Tropical (2009)> Em 2020, uma mulher (literalmente) cai do céu em frente a um escritor e sua amante, narradores da história. A partir da figura misteriosa, uma ex-miss que circulava pelos bastidores do poder em Angola, Agualusa traça um retrato das contradições da sociedade em seu país.
Estação das Chuvas (1996)> Personagens fictícias tornam-se heterônimos de personalidades reais neste romance que narra em tom quase caótico o recomeço da guerra civil angolana, em 1992, a partir do desaparecimento da historiadora e poeta Lídia do Carmo Ferreira.
Barroco Tropical (2009)> Em 2020, uma mulher (literalmente) cai do céu em frente a um escritor e sua amante, narradores da história. A partir da figura misteriosa, uma ex-miss que circulava pelos bastidores do poder em Angola, Agualusa traça um retrato das contradições da sociedade em seu país.
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Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/livros/noticia/2017/09/nao-nos-resta-alternativa-a-nao-ser-o-otimismo-diz-escritor-angolano-jose-eduardo-agualusa-9890886.html
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