sexta-feira, 15 de setembro de 2017

O PAPEL DA POLÍTICA, SEUS LIMITES E AÇÕES


Ana Paula Paiva/Valor
 O filósofo Renato Janine Ribeiro

Qual o lugar da política na sociedade contemporânea? Que política se enquadra na definição mais comum de política? A crise institucional brasileira só encontrará sua solução a partir da resposta que as lideranças políticas oferecerem a essas questões cruciais..

Não há respostas simples nem unânimes. Mas dois bons livros recém-lançados - "Os Limites da Política", de José Arthur Giannotti e Luiz Damon Santos Moutinho, e "A Boa Política", de Renato Janine Ribeiro - estimulam a reflexão e oferecem suporte alentado para os debatedores. Os autores, apesar dos diferentes matizes ideológicos, são referências seguras em meio às inconstâncias características das sociedades em mudança constante.

O filósofo italiano Noberto Bobbio (1909-2004) sublinhou que a distinção clássica entre direita e esquerda está na postura que os homens organizados em sociedade assumem diante do ideal da igualdade. Bobbio aponta a igualdade como ideal supremo, ou até mesmo último, de uma comunidade ordenada, justa e feliz.

Assim, igualdade e equidade são princípios fundamentais para a constituição de sociedades que se querem justas. São valores essenciais para a construção de políticas públicas voltadas para a promoção da justiça social e da solidariedade. Esses valores só podem ser construídos a partir da política.


Silvia Costanti/Valor 
Filosofo José Arthur Giannotti 
 
"Os Limites da Política" é um registro de um debate de ideias iniciado pelo professor aposentado de filosofia da Universidade de São Paulo (USP) José Arthur Giannotti a partir do ensaio "A Política no Limite do Pensar" (2014). Luiz Damon Santos Moutinho, professor de filosofia na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), analisou os argumentos de Giannotti e os contestou em parte. Giannotti escreveu réplica, Moutinho rebateu em tréplica, que mereceu novas explicações do uspiano.

A questão central do debate está em como a democracia se relaciona com uma economia que provoca riqueza gerando desigualdades insalubres.


Giannotti apresenta seu texto como uma "intervenção", um ensaio que procura questionar os modos tradicionais de pensar a política. Reclama de que a definição de política como simples disputa pelo poder é reducionista. Disputa é entendida de diversas maneiras, mas, tanto à esquerda como à direita, é vista principalmente como contradição. Giannotti procura então iniciar longa digressão filosófica acerca do conceito e das suas formulações por pensadores diversos como Marx, Hegel, Carl Schmitt e Foucault.

Antes de tudo afirma que o discurso político não procura apresentar fatos verdadeiros, embora os aproveite para montar seus argumentos. Seu intuito, resume, é convencer em vez de mostrar a verdade.

Reconstitui que o jogo do mal entender na política tem efeitos perversos e ideológicos. Em uma situação extrema, o interlocutor X não vê o objeto comum que Y lhe apresenta porque não entende que as palavras emitidas por Y são semelhantes às suas próprias.

Adentra em profunda reflexão sobre Marx e a obra cânone de "O Capital" para criticá-la e repará-la. Pontua que a trama contraditória da sociedade capitalista burguesa se projeta no Estado e nele esconde suas contradições, configurando os interesses das classes dominantes como interesses de todos. "Explica-se assim seu caráter ilusório, a despeito de toda a força de que dispõe." O capital cria tanto riqueza quanto pobreza, sendo essa a contradição inerente de tal modo de produção.

Desdenha das previsões de que o desenvolvimento da internet possa ser tomado como prenúncio de uma articulação política em que cada cidadão pudesse estar presente pessoalmente. "É como se a política se transformasse na gestão de uma empresa. O perigo da falência toma lugar da guerra civil."

Na sua crítica a Giannotti, Moutinho afirma que o autor limita a política democrática à reparação das crises do sistema. Aponta que a social-democracia brasileira, à qual Giannotti se liga, é singular porque não só ela não organiza como é avessa à organização dos trabalhadores. Constata que em sua política não há revolução nem organização dos trabalhadores. Constata que em sua política não há revolução nem organização dos trabalhadores. A política de Giannotti seria assim o próprio avesso do que considera política, resume Moutinho.

Dosagem de tensões

Em "A Boa Política", Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia política da USP, defende uma filosofia política prática, a serviço do enfrentamento da realidade. Argumenta que a boa política se dá na dosagem de tensões entre dois pares opostos: república e democracia; liberalismo e socialismo. Não há boa política sem esses quatro ingredientes. Analisa que a política é mais feita de fracassos do que sucessos, mesmo quando não tem a derrota como destino inexorável.

Chama a revolta de forma radical de fazer política e a aponta como ótimo solvente de conformismos por ser utópica. Passeia por temas diversos com agudeza crítica e argumentações leves. No ensaio "A Inveja do Tênis", por exemplo, reflete sobre como a política atual só terá sentido "se for além de efeitos moralizantes, além das necessidades básicas do ser humano, e perceber que este tem desejos, intensos, e que pouca razão há hoje para negar a alguém o direito a procurar prazer". Afirma que os itens de consumo têm importância que não pode mais ser ignorada na política.

Rebate a ideia de que a internet é uma espécie de Ágora moderna, em referência àquela praça que os gregos se reuniam para a tomada de decisões. Se a internet mais impulsiona o ódio do que o diálogo, é porque hipertrofia traços da sociedade atual. "Mas, se conseguimos fortalecer o diálogo, ela poderá ser uma ferramenta relevante para fazê-lo proliferar.”

Dedica um capítulo inteiro a refletir como o PT perdeu a imagem ética. Janine Ribeiro, que foi ministro da Educação da gestão de Dilma Rousseff, analisa que o Partido dos Trabalhadores sucumbiu ao debate com seus opositores por limitar a questão ética ao combate da corrupção, sem dimensionar o caráter ético das políticas de inclusão social.
O respeito ao tesouro público é condição necessária, porém não suficiente, do bem viver em comum, afirma. Para que os laços sociais tenham qualidade, é preciso haver, pelo menos, igualdade nas oportunidades. "É por isso que a exclusão social é uma chaga ética das maiores, se não a maior, que existe. Se o PT perdeu sua imagem ética, não foi unicamente devido às acusações de malfeitos: foi porque ele mesmo não enxergou a dimensão ética do que fez - ou propôs - de melhor."

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"Os Limites da Política - Uma Divergência" José Arthur Giannotti e Luiz Damon Santos Moutinho. Companhia das Letras, 2017, 163 páginas, R$ 44,90

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"A Boa Política - Ensaios sobre a Democracia na Era da Internet" Renato Janine Ribeiro. Companhia das Letras, 2017, 299 páginas, R$ 49,90
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Reportagem por Plínio Fraga, jornalista, é autor de "Tancredo Neves, o Príncipe Civil" (Objetiva)

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