O filósofo Renato Janine Ribeiro
Qual o
lugar da política na sociedade contemporânea? Que política se enquadra na
definição mais comum de política? A crise institucional brasileira só
encontrará sua solução a partir da resposta que as lideranças políticas
oferecerem a essas questões cruciais..
Não há
respostas simples nem unânimes. Mas dois bons livros recém-lançados - "Os
Limites da Política", de José Arthur Giannotti e Luiz Damon Santos
Moutinho, e "A Boa Política", de Renato Janine Ribeiro - estimulam a
reflexão e oferecem suporte alentado para os debatedores. Os autores, apesar
dos diferentes matizes ideológicos, são referências seguras em meio às
inconstâncias características das sociedades em mudança constante.
O filósofo italiano Noberto Bobbio (1909-2004) sublinhou que a distinção clássica entre direita e esquerda está na postura que os homens organizados em sociedade assumem diante do ideal da igualdade. Bobbio aponta a igualdade como ideal supremo, ou até mesmo último, de uma comunidade ordenada, justa e feliz.
Assim,
igualdade e equidade são princípios fundamentais para a constituição de
sociedades que se querem justas. São valores essenciais para a construção de
políticas públicas voltadas para a promoção da justiça social e da
solidariedade. Esses valores só podem ser construídos a partir da política.
Filosofo José Arthur Giannotti
"Os
Limites da Política" é um registro de um debate de ideias iniciado pelo
professor aposentado de filosofia da Universidade de São Paulo (USP) José
Arthur Giannotti a partir do ensaio "A Política no Limite do Pensar"
(2014). Luiz Damon Santos Moutinho, professor de filosofia na Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar), analisou os argumentos de Giannotti e os
contestou em parte. Giannotti escreveu réplica, Moutinho rebateu em tréplica,
que mereceu novas explicações do uspiano.
A questão
central do debate está em como a democracia se relaciona com uma economia que
provoca riqueza gerando desigualdades insalubres.
Giannotti
apresenta seu texto como uma "intervenção", um ensaio que procura
questionar os modos tradicionais de pensar a política. Reclama de que a
definição de política como simples disputa pelo poder é reducionista. Disputa é
entendida de diversas maneiras, mas, tanto à esquerda como à direita, é vista
principalmente como contradição. Giannotti procura então iniciar longa
digressão filosófica acerca do conceito e das suas formulações por pensadores diversos
como Marx, Hegel, Carl Schmitt e Foucault.
Antes de
tudo afirma que o discurso político não procura apresentar fatos verdadeiros,
embora os aproveite para montar seus argumentos. Seu intuito, resume, é
convencer em vez de mostrar a verdade.
Reconstitui
que o jogo do mal entender na política tem efeitos perversos e ideológicos. Em
uma situação extrema, o interlocutor X não vê o objeto comum que Y lhe
apresenta porque não entende que as palavras emitidas por Y são semelhantes às
suas próprias.
Adentra
em profunda reflexão sobre Marx e a obra cânone de "O Capital" para
criticá-la e repará-la. Pontua que a trama contraditória da sociedade
capitalista burguesa se projeta no Estado e nele esconde suas contradições,
configurando os interesses das classes dominantes como interesses de todos.
"Explica-se assim seu caráter ilusório, a despeito de toda a força de que
dispõe." O capital cria tanto riqueza quanto pobreza, sendo essa a
contradição inerente de tal modo de produção.
Desdenha
das previsões de que o desenvolvimento da internet possa ser tomado como
prenúncio de uma articulação política em que cada cidadão pudesse estar
presente pessoalmente. "É como se a política se transformasse na gestão de
uma empresa. O perigo da falência toma lugar da guerra civil."
Na sua
crítica a Giannotti, Moutinho afirma que o autor limita a política democrática
à reparação das crises do sistema. Aponta que a social-democracia brasileira, à
qual Giannotti se liga, é singular porque não só ela não organiza como é avessa
à organização dos trabalhadores. Constata que em sua política não há revolução
nem organização dos trabalhadores. Constata que em sua política não há
revolução nem organização dos trabalhadores. A política de Giannotti seria
assim o próprio avesso do que considera política, resume Moutinho.
Dosagem
de tensões
Em
"A Boa Política", Renato Janine Ribeiro, professor de ética e
filosofia política da USP, defende uma filosofia política prática, a serviço do
enfrentamento da realidade. Argumenta que a boa política se dá na dosagem de
tensões entre dois pares opostos: república e democracia; liberalismo e
socialismo. Não há boa política sem esses quatro ingredientes. Analisa que a política é
mais feita de fracassos do que sucessos, mesmo quando não tem a derrota como
destino inexorável.
Chama a revolta de forma radical de fazer política e a aponta como ótimo solvente de conformismos por ser utópica. Passeia por temas diversos com agudeza crítica e argumentações leves. No ensaio "A Inveja do Tênis", por exemplo, reflete sobre como a política atual só terá sentido "se for além de efeitos moralizantes, além das necessidades básicas do ser humano, e perceber que este tem desejos, intensos, e que pouca razão há hoje para negar a alguém o direito a procurar prazer". Afirma que os itens de consumo têm importância que não pode mais ser ignorada na política.
Chama a revolta de forma radical de fazer política e a aponta como ótimo solvente de conformismos por ser utópica. Passeia por temas diversos com agudeza crítica e argumentações leves. No ensaio "A Inveja do Tênis", por exemplo, reflete sobre como a política atual só terá sentido "se for além de efeitos moralizantes, além das necessidades básicas do ser humano, e perceber que este tem desejos, intensos, e que pouca razão há hoje para negar a alguém o direito a procurar prazer". Afirma que os itens de consumo têm importância que não pode mais ser ignorada na política.
Rebate a
ideia de que a internet é uma espécie de Ágora moderna, em referência àquela
praça que os gregos se reuniam para a tomada de decisões. Se a internet mais
impulsiona o ódio do que o diálogo, é porque hipertrofia traços da sociedade
atual. "Mas, se conseguimos fortalecer o diálogo, ela poderá ser uma
ferramenta relevante para fazê-lo proliferar.”
Dedica um
capítulo inteiro a refletir como o PT perdeu a imagem ética. Janine Ribeiro,
que foi ministro da Educação da gestão de Dilma Rousseff, analisa que o Partido
dos Trabalhadores sucumbiu ao debate com seus opositores por limitar a questão
ética ao combate da corrupção, sem dimensionar o caráter ético das políticas de
inclusão social.
O respeito ao tesouro público é condição necessária, porém não suficiente, do bem viver em comum, afirma. Para que os laços sociais tenham qualidade, é preciso haver, pelo menos, igualdade nas oportunidades. "É por isso que a exclusão social é uma chaga ética das maiores, se não a maior, que existe. Se o PT perdeu sua imagem ética, não foi unicamente devido às acusações de malfeitos: foi porque ele mesmo não enxergou a dimensão ética do que fez - ou propôs - de melhor."
O respeito ao tesouro público é condição necessária, porém não suficiente, do bem viver em comum, afirma. Para que os laços sociais tenham qualidade, é preciso haver, pelo menos, igualdade nas oportunidades. "É por isso que a exclusão social é uma chaga ética das maiores, se não a maior, que existe. Se o PT perdeu sua imagem ética, não foi unicamente devido às acusações de malfeitos: foi porque ele mesmo não enxergou a dimensão ética do que fez - ou propôs - de melhor."
"Os
Limites da Política - Uma Divergência" José Arthur Giannotti e Luiz Damon
Santos Moutinho. Companhia das Letras, 2017, 163 páginas, R$ 44,90
"A Boa Política - Ensaios sobre a Democracia na Era da Internet" Renato Janine Ribeiro. Companhia das Letras, 2017, 299 páginas, R$ 49,90
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Reportagem
por Plínio Fraga, jornalista, é autor de "Tancredo Neves, o Príncipe
Civil" (Objetiva)
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