"Eu não criminalizei a
política. Criminalizei os bandidos", afirma o ex-procurador
Na primeira entrevista depois de deixar o comando da Procuradoria-Geral
da república, Rodrigo Janot relata ao Correio os bastidores dos momentos mais
importantes da Lava-
No quarto andar da sede da Procuradoria-Geral da República, funcionários
trabalham para adaptar um amplo gabinete ao novo ocupante, que acaba de chegar.
Um arco e flecha pendurado à parede divide o espaço com uma escultura de tuiuiu
e com uma coleção de canetas — uma delas, em destaque, foi usada para assinar a
delação premiada de executivos da Odebrecht.
De camisa polo e com visual despojado, Rodrigo Janot parece alheio ao
bombardeio que vem recebendo há meses. O mineiro, de Belo Horizonte, deixou o
posto de procurador-geral da República no mais conturbado momento de seus 33
anos de carreira. Até a transmissão de cargo à sucessora, Raquel Dodge, foi
controversa: Janot não compareceu à cerimônia de posse. Na entrevista exclusiva
ao Correio, Janot explica a ausência: “Quem vai em festa sem convite é
penetra”.
O procurador revela que não foi convidado nem mesmo para transmitir o
cargo. Se fosse ao auditório, teria de procurar um assento. Ele conta que não
havia sequer uma cadeira reservada. Mas garante que não se sentiria
constrangido em dividir a cena com políticos que denunciou, como o presidente
Michel Temer. “As pessoas que têm de se sentir constrangidas”, aponta.
Em duas
horas e 20 minutos de conversa, o ex-chefe do MP relata os bastidores de
momentos importantes que marcaram a Lava-Jato: o pedido de prisão do então
senador Delcídio do Amaral, a morte do ministro Teori Zavascki, a “escolha de
Sofia” na imunidade concedida ao empresário Joesley Batista em troca de provas
contra Temer e as suspeitas envolvendo integrantes do próprio Ministério
Público.
Janot deixou o cargo, mas não se afastou da turbulência. Pelo contrário.
Ele sabe que, agora, começam de verdade os ataques, principalmente na CPI da
JBS, comandada por aliados de Temer. “Vão tentar usar todo mundo e tudo contra
mim… Tudo é possível, vão tentar desconstituir a figura do investigador”, diz.
E já se defende: “Não levei dinheiro do Miller nem autorizei ninguém a receber
mala de dinheiro em meu nome. Nem tenho amigo com R$ 51 milhões em
apartamento”. Para quem acha que o ex-procurador-geral exagerou, ele rebate:
"Não criminalizei a política. Criminalizei os bandidos".
Por que o senhor não foi à posse da sua sucessora, Raquel Dodge?
Na minha
terra, se diz o seguinte: a gente não vai a festa sem convite. Quem vai em
festa sem convite é penetra.
O senhor não foi convidado?
Para a
posse, definitivamente, não fui convidado. A gente tratou como seriam colocados
os termos no convite. A primeira proposta foi com meu nome: “O procurador-geral
da República convida”. Mas o pessoal da transmissão pediu para sair em nome do
Ministério Público da União, por e-mail. Eu é que expedi esse e-mail. Mas
não recebi convite nenhum. Os convites para chefes dos poderes pediram para que
eu fizesse nominalmente. Mandei aos presidentes do Supremo, da Câmara, do Senado,
da República, aí sim, um ofício meu, enquanto procurador-geral. Meu mandato
terminou domingo, dia 17, até lá eu era procurador-geral. Perguntei se queriam
uma transmissão de cargo, mas me informaram que eu não posso transmitir aquilo
que eu não tenho mais. Por isso que não fui, porque não fui convidado.
Não seria constrangedor sentar à mesa com pessoas que denunciou?
Não
sentaria à mesa. Mas eu estou na minha casa, as pessoas que têm que se sentir
constrangidas, não sou eu. Fiz o meu trabalho. Se tivesse sido convidado, iria,
com certeza. Outro detalhe: também não tinha lugar reservado para mim no
auditório, não. Eu teria que chegar e bater cabeça para achar uma cadeirinha.
Por que a rivalidade com Raquel Dodge chegou a esse ponto?
Não sei.
Nunca houve uma rivalidade a esse nível, claro que não.
Substituições de equipe podem comprometer o trabalho em andamento na
Lava-Jato?
Em tese,
todos estão preparados para esse tipo de trabalho. É claro que as pessoas têm
que trabalhar com quem têm afinidade. Isso é normal. Eu me espantei porque
havia ofício formal, com convite para que toda a equipe da Lava-Jato
continuasse. Existia um ato formal dela. Houve uma conversa com o pessoal da
equipe, em que ela disse novamente que todos estavam convidados. Depois, ela
começou a desconvidar.
O que houve?
Não sei. No sábado, fiz uma feijoada para a despedida da minha turma. A
turma dela ligou para dois colegas meus, o Fernando (Alencar) e o Rodrigo
Telles, desconvidando-os. Com relação ao Rodrigo Telles (que auxiliou Janot na
investigação contra Agripino Maia), o que disseram é que havia muita
resistência ao nome dele, não disseram de quem, e sobre o Fernando, disseram
que ele ultrapassava o percentual que o Conselho (Superior do Ministério
Público) estabeleceu para o recrutamento de pessoas. Esses foram desconvidados
no sábado.
Fora do MP, o senhor foi muito questionado, sobretudo por causa do
processo relacionado à JBS. Saiu de uma posição de herói e, de uma hora para
outra, passou a ser apontado como vilão...
Existem
estratégias de defesa. Quando o fato é chapado, quando o fato é mala voando,
são R$ 51 milhões dentro de apartamento, gente carregando mala de dinheiro na
rua de São Paulo, gravação dizendo “tem que manter isso, viu?”, há uma
dificuldade natural para elaborar defesa técnica nesses questionamentos
jurídicos. E uma das estratégias de defesa é tentar desconstruir a figura do
acusador. É assim que eu vejo. De repente, passo a ser o vilão da história, o
dito vilão da história, porque há necessidade de desconstituir a figura do
acusador. O que fizeram comigo vão fazer com outros. Tenha certeza absoluta.
Mas o senhor enfrenta críticas de acusados desde o início. O senador
Collor, por exemplo, já soltou impropérios contra o senhor...
Mas numa
proporção muito menor… Ele só xingou minha mãe várias vezes (risos). Mas agora
cheguei ao poder real. No núcleo de poder, no centro dessa Orcrim (organização
criminosa), e a reação é essa mesmo. Eu já imaginava que isso aconteceria, mas
não imaginava que seria nessa proporção. Não imaginava como viria o coice. A
orquestração é visível.
Ao se despedir, na sexta-feira, o senhor falou em sofrimento…
É um
desgaste danado, você catalisar tudo sozinho… Eu tinha que manter a equipe
funcionando até 17 de setembro. Foi tudo muito intenso. Investigações
importantes foram chegando maduras nas duas ou três últimas semanas do meu
trabalho. Essas investigações dependiam de atos de terceiros também. Para a
denúncia da organização criminosa do PMDB da Câmara, tive que aguardar a
conclusão do inquérito. O delegado só relatou o inquérito na segunda-feira, um
excelente relatório, de mais de 400 páginas, que mostra um retrato da atuação
dessa organização criminosa. De um lado, eu tinha que manter a equipe
funcionando e tirando deles a pressão para que trabalhassem com eficácia e
eficiência. Eu tinha que absorver tudo isso sozinho, não é para criança, não.
Não é brinquedo, não. Só pancada. Não é para amador.
Na delação de Joesley, houve questionamentos com relação ao fato de ele
revelar crimes tão graves e ir embora de avião particular para os EUA. Como
lidou com a revolta que isso suscitou?
Eu tinha
uma escolha de Sofia. Ele chega, nos traz uma demonstração, que foi um pequeno
take do áudio, que revelava crimes em curso praticados pelo alto escalão da
República. O presidente da República, um senador importante que teve 50 milhões
de votos na eleição anterior, um deputado federal, a prova fazia menção a um
colega meu infiltrado. Eram crimes gravíssimos e em curso. Tomo conhecimento
disso, vejo que tem indicativo de prova. Eles disseram: “A gente negocia
qualquer outra coisa, menos a imunidade”. A minha escolha de Sofia era: se eu
não pego o material que eles tinham, eu não poderia investigar, eu teria que
ficar quieto vendo esses crimes acontecerem ou então eu tinha que negociar a
imunidade.
O fato de Joesley ir para a cadeia é de certa forma um alívio para o MP
depois de tantas críticas?
Ele foi mais esperto que ele mesmo. A esperteza capturou ele próprio. A
gente tem que deixar muito claro: a colaboração premiada é um instituto novo
para a gente, já aprendemos muito. Quando a gente faz um acordo desse, é de
natureza penal, a gente está negociando com bandido, bandi-dê-ó-dó. O cara,
porque é colaborador da Justiça, não deixa de ser bandido. As coisas têm que
ser muito claras. A mesa de negociação é um lugar muito duro, um ringue mesmo.
O colaborador tem que vir de coração aberto, tem que vir para o lado do Estado.
Tem que falar tudo. Quem faz juízo sobre a prática ou não de delito é o MP, não
o colaborador, ele tem que entregar tudo. A gente tem muito anexo que não tem
nada de palpável, mas a gente recebe e analisa. O juízo nós que fazemos. E o
que eles fizeram? Eles esconderam fatos. Trouxeram “A” mas não nos trouxeram “B”.
Porque não trouxeram “B”, está contaminado todo o acordo. Só que o fato de ele
não trazer o “B” não influencia nem tangencia o “A”. Não contamina. A rescisão
me permite continuar usando a prova. Mas dá um gosto amargo, o sujeito não
pulou o lado, continuou ao lado da bandidagem.
"O
cara, porque é colaborador da Justiça, não deixa de ser bandido. As coisas têm
que ser muito claras. A mesa de negociação é um lugar muito duro, um ringue
mesmo"
E as denúncias envolvendo o ex-procurador Marcelo Miller? O fato de ele
ter negociado com o grupo JBS quando ainda fazia parte da equipe da PGR
compromete a validade das provas?
Existe
uma investigação em curso, mas, se ele fez isso, foi sem o nosso conhecimento.
E se fez sem o nosso conhecimento, ele não pode contaminar um ato que é nosso.
Se ele fez, não está comprovado ainda, vai ter que responder por isso.
O fato de ele ter abdicado de uma carreira como ao MP não despertou
dúvidas na sua equipe?
No último
um ano e meio, cinco colegas saíram.
"Não levei dinheiro do
Miller nem autorizei ninguém a receber mala de dinheiro em meu nome.
Nem tenho
amigo com R$ 51 milhões em apartamento%u201D
É o salário?
É
dinheiro. Também é muita responsabilidade, muita restrição. O fato de ele ter
saído não suscita nenhuma suspeita. O Marcelo trabalhou forte na colaboração da
Odebrecht. Ele já tinha voltado para o Rio de Janeiro havia um ano e continuou
na força-tarefa como colaborador, eventualmente era chamado a fazer alguma
colaboração aqui. Mas não estava no núcleo.
O senhor se sente traído?
Eu quero
ver a conclusão da investigação para fazer algum juízo. O caso do Ângelo
(Goulart) está investigado, ali eu me senti traído, com certeza.
O procurador Ângelo Goulart criticou sua forma de atuação, disse que o
senhor agia rapidamente para chegar ao presidente Temer…
É
engraçado isso, ele não trabalhou comigo. O Ângelo trabalhava no eleitoral, nem
no mesmo prédio ficávamos. Quando foi chegando ao fim do mandato, como tinha
interesse de permanecer em Brasília, ele perguntou se poderia ser designado
para a força-tarefa da Greenfield, da PRDF.
É verdade que o senhor vomitou quatro vezes ao tomar conhecimento desses
fatos relacionados ao procurador Ângelo Goulart?
Sim. É muito triste isso de prender um colega. Tem um crime militar que
a gente chama de perfídia. Perfídia é o sujeito que é do teu grupo e que vende
esse grupo para o inimigo. Ele passa a ajudar o inimigo a te dar tiro. Esse é o
sentimento que deu na gente. A situação é muito ruim, sentir que contaminou.
O procurador Ângelo alega que atuou para tentar encabeçar as tratativas
da eventual delação. Ele agiu motivado por dinheiro?
Essa
linha de defesa ele já adotou no processo administrativo disciplinar aqui
dentro. Ele tentou se passar por herói. Como se ele tivesse se oferecido a eles
para poder derrubá-los. Como se fosse o mocinho, o super-homem. Mas como faz um
trabalho desses de atuação infiltrada sem falar com os russos? Ele faz isso sem
falar com os colegas, com ninguém? Não falou com o Anselmo (Lopes, coordenador
da Operação Greenfield). Agora vamos ver os fatos. Houve uma reunião em que o
Anselmo fez um desenho à mão da estratégia da investigação. Esse papel foi
aparecer com um advogado da JBS. A troco do quê? Ele foi pilhado numa ação
controlada em que conversa com desenvoltura. Depois, ele tem gravada a conversa
com o advogado. Tudo isso ele bolou sem avisar ninguém? É fantasioso. E acertou
dinheiro, sim, R$ 50 mil por mês.
Há provas de que ele recebeu dinheiro?
Tem
relato do Francisco (de Assis, advogado), tem advogado acertando, dizendo que
tinha dinheiro, tem o croquis do planejamento, tem gravação, visitas. A
expressão que a gente usa é “batom em certo lugar”.
Ainda citando o que ele diz, o senhor se referia a sua sucessora como a
bruxa?
Não. É
aquela coisa, como se faz para desconstruir o acusador.
Essa campanha que o senhor menciona para tentar atacar o acusador como
foi?
O nível é
muito baixo, chegaram à minha família, à minha filha.
Saindo do cargo, acredita que vai diminuir?
Pelo
contrário. A notícia que tive é: vai aumentar. A pressão para cima de mim só
vai aumentar.
Teme que a CPI da JBS vire instrumento de vingança?
A CPI não
é da JBS. O relator já afirmou que o escopo da CPI é investigar os
investigadores. O escopo da CPI não são os empréstimos da JBS no BNDES. Ninguém
falou sobre isso. Estão falando em convidar também o Ângelo, o Eugênio Aragão.
Em um texto divulgado na internet, o procurador Aragão defendeu Ângelo,
e disse que ele apenas atuava com métodos heterodoxos para conseguir acordos de
colaboração...
Sabe por
quê? Quem trouxe o Ângelo para atuar no eleitoral foi o Dr. Eugênio
Aragão.
Como vai se proteger desses ataques que o senhor já prevê?
Primeiro,
quero descansar, vou tirar 20 dias, viajar. Depois, vou ver as estratégias. A
imprensa tem que ser muito atuante agora. Essa CPI não pode ser a CPI dos
investigadores. Essa CPI tem que seguir o escopo dela. Não é a CPI dos
empréstimos do BNDES? E querem investigar quem? Eu? Eu não participei de
empréstimo nenhum da JBS. O acordo da JBS foi judicial. Foi homologado pelo
Supremo e foi reafirmado pelo Supremo. Como o Congresso pode querer
desconstituir isso?
Vão tentar usar o Miller contra o senhor na CPI?
Vão
tentar usar todo mundo e tudo contra mim… Tudo é possível, vão tentar
desconstituir a figura do investigador. Não levei dinheiro do Miller nem
autorizei ninguém a receber mala de dinheiro em meu nome. Nem tenho amigo com
R$ 51 milhões em apartamento.
Acredita que a população vai aceitar uma atuação como essa da CPI?
O brasileiro é honesto. Espero que a cidadania seja ativa para enxergar
esse tipo de manobra. Outra estratégia também é usar a imprensa estrangeira, já
começaram a falar lá fora, e a falar forte. Quando começaram as alterações no
grupo de trabalho da Lava-Jato, saiu uma notinha com a chamada "It
begins" (“Foi dada a largada”, em tradução livre). O título diz tudo.
"O
brasileiro é honesto. Espero que a cidadania seja
ativa para enxergar esse tipo
de manobra"
O que achou do fato de Dodge não ter citado nenhuma vez a Lava-Jato no
discurso de posse? Foi pelo fato de a operação ter se tornado a marca do
senhor?
A
Lava-Jato não pertence ao MP, pertence à sociedade, ao mundo. Não é uma marca
minha. Eu dei as condições necessárias para que outros colegas pudessem trabalhar,
em Curitiba, no Rio, em São Paulo. A Lava-Jato não pertence mais ao Ministério
Público. É um patrimônio da sociedade brasileira. Ela corre o mundo.
A Lava-Jato corre risco real?
Está cedo
para avaliar. É preciso aguardar para ver como a coisa evolui. Se houver risco,
não acredito que isso contamine nem Curitiba, nem Rio, nem São Paulo, que já
têm investigações com pernas próprias.
O senhor foi flagrado conversando com o advogado Pierpaolo Bottini, que
representa Joesley, em um bar. Não foi um encontro impróprio, dadas as
circunstâncias?
Não era
um bar, era uma distribuidora de bebidas. Vou àquele lugar todo sábado. Chego
ali, tomo uma cerveja e vou embora para casa. Conheço todo mundo, conheço o
dono, o César, desde a época em que ele vendia minhocas, conheço todos os
frequentadores. A gente conversa, passa ali meia hora, uma hora. Abriu uma
feijoada ali do lado aos sábados que é ótima.
Disseram até que essa reunião era comparável ao encontro de Joesley com
Temer no Palácio…
Meio dia,
em um lugar público, frequentado por um zilhão de pessoas? A conversa não durou
10 minutos, não falamos de trabalho, de nada disso. Falamos de cerveja.
Aconselho passearem por lá, tem tudo quanto é cerveja artesanal.
O advogado Willer Tomaz, também denunciado, recebia em sua casa
figuras importantes, inclusive o procurador-geral de Justiça do DF,
Leonardo Bessa. Causa suspeição?
Relacionamento
da gente com advogado é uma coisa normal. Dos meus amigos que fiz em Brasília
quando cheguei há 33 anos, a maioria é advogado. Todo mundo se conhece. E
advogado de bandido não é bandido, a gente tem que ter esse relacionamento.
O senhor teve embates duros também com o ministro Gilmar Mendes. O STF
vai enfrentar o tema da suspeição do ministro?
Vão ter
que enfrentar, claro. Quando alguém argui suspeição, esse é um termo técnico
normal. A arguição de suspeição é para garantia da atividade da magistratura e
dos jurisdicionados. O magistrado tem que ser isento. Eles vão enfrentar, sim.
O resultado, não sei.
Fazendo uma comparação com a Operação Mãos Limpas, na Itália, o senhor
teme pela sua vida?
Temer,
não! (risos).
Acredita que o MP estará com o senhor?
Acho que
sim, não só o federal, o Ministério Público do Brasil inteiro. O Ministério
Público brasileiro hoje está em outro patamar.
Durante sua gestão, onde errou?
Com
certeza, erros aconteceram, mas não consigo fazer esse juízo agora. Preciso de
um afastamento para poder enxergar.
A Lava-Jato é uma sucessão de delações. Como isso começou?
Tem um
momento para mim que foi um divisor de águas. O que deu impulso danado nas
colaborações foi a decisão do STF, que disse: condenou em segundo grau, vai
para a cadeia. Os caras começaram a fazer conta. A estratégia era empurrar,
agora não tem mais jeito. Esse foi, na minha leitura, um dos pontos que gerou
essa mudança. Grandes delações também chamaram todas as outras.
O Supremo vai rever alguma delas?
Não
acredito que o STF vai recuar. Seria um prejuízo enorme.
A delação do Delcídio, com a prisão de um senador no exercício do
mandato, foi decisiva?
Sim.
Divisor de águas foi a colaboração do senador. Ele gravou, os fatos eram
gravíssimos, e era um senador, líder do governo. Quando fiz o pedido de prisão,
sabia que tinha cruzado o rubicão e que tinha queimado a única ponte atrás da
tropa, que não tinha mais recuo. Era só para a frente. Foi um momento de muita
tensão, era uma novidade e eu não sabia o que aconteceria.
Com a morte de Teori, temeu pelo fim das investigações?
Temi,
sim. Eu sou agnóstico, eu creio muito pouco. Com a morte dele, eu passei a crer
ainda menos. Eu dizia: não é possível.
Suspeitou de assassinato?
No
começo, claro. Mas a investigação foi feita por nós, pelo MPF, em Angra dos
Reis, e estamos seguros de que foi acidente mesmo.
Foi o momento mais difícil?
Esse foi
um dos mais difíceis, com certeza, foi devastador para todo mundo. Ele era
muito firme. Ainda bem que o ministro Fachin também é.
Como avalia a atuação de Moro?
A gente
está no meio de um lamaçal, no meio de bandidos, cheiro de podre para todo
lado, só tem uma maneira de não se contaminar, a gente tem que ser reto. O Moro
é duro, eu fui duro, e tem que ser mesmo.
O que foi essencial na Lava-Jato?
O grupo
de Curitiba foi muito importante. O juiz foi muito importante. Uma parte que
pouca gente fala, mas que permitiu chegar até agora, o Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, que manteve com firmeza todas as decisões.
O Brasil mudou com a Lava-Jato?
Está
mudando. Na minha terra, quando a gente fazia muita traquinagem, apanhava com
vara de marmelo, aquela bem flexível. Aquilo na perna dói para caramba. Nós
envergamos essa vara e temos que ter cuidado para ela não soltar, senão volta
batendo em todo mundo e vai ficar em pé. Estamos nesse ponto de inflexão, a
vara foi dobrada, mas não foi quebrada. E essa vara tem que ser quebrada.
Ainda tinha muita flecha?
Sim,
tenho ainda algumas ali (aponta para arco e flecha que recebeu de índios).
Mesmo depois do início da Lava-Jato, muitos atos de corrupção
prosseguiram. Gim Argello, por exemplo, negociava convocações para a CPI da
Petrobras…
Com três
anos e meio de Lava-Jato, vimos várias conversas não republicanas, malas para
cá, malas para lá. Mas seria mais grave sem a Lava-Jato. A vara está envergada,
mas não foi quebrada. Tem que ser quebrada.
O senhor falou de egoístas e escroques ousados. Eles estão em todas as
instituições?
Sim, até
na minha tem.
Como será julgado pela história?
Quero ser
julgado de maneira isenta. Se eu errei, que apontem os erros. Se eu acertei,
que mostrem os acertos. Só isso.
Uma das críticas é a forma como o MP consegue as delações, que os
acusados falam só para fugir da cadeia. Um dos casos levantados é o do
ex-ministro Palocci...
Essa
história de que a gente prende para ter colaboração, muita gente falava isso, e
a gente só mostrava a estatística: 85% são com pessoas soltas. A pessoa só tem
medo de ser presa quando comete crime. É crime e castigo, tem até um livrinho
com esse nome. A lei diz que a colaboração tem que ser espontânea, voluntária,
se não for assim, não pode ser homologada. A iniciativa tem que ser do
colaborador, com advogado. Não posso ter conversa escondida com colaborador. A
negociação é dura. Concluído isso, a gente faz o contrato do acordo, o
magistrado chama o colaborador, sem a nossa presença, e pergunta se foi
instigado, incentivado, obrigado, ameaçado. Existe toda essa preocupação para
que o colaborador possa falar. Quando ele fala, não basta imputar algo a
alguém, tem que dar o caminho da prova. Diziam que era coisa de X9, de dedo
duro. Ele tem que dizer o crime que cometeu, o comparsa dele, como participou
desse crime e revelar o caminho da prova. Se imputa falsamente, ele comete
crime. E não acabou a colaboração. Ela é homologada e, no fim do processo, o
juiz analisa a eficácia dessa colaboração. O colaborador tem que ajudar a
acusação na obtenção das provas. Se não fizer isso, ele perde a premiação. Se o
colaborador der causa à rescisão, como acontece agora com Batista e Ricardo
Saud, ele perde toda a premiação, responde pelos crimes que cometeu e toda a
prova que ele deu para a acusação é válida. É uma situação muito delicada a do
réu colaborador.
Como veio à tona esse novo áudio de Joesley?
Quando
foi feito esse acordo, contrataram um grupo para fazer levantamentos dentro do
grupo empresarial para identificar as provas para a orientação da colaboração.
E, aos poucos, iriam fazendo os novos anexos e indicação dos fatos criminosos.
Pediram 120 dias para fazer isso. No acordo, constaram aqueles anexos que
trouxeram no primeiro momento e, no período de 120 dias, trariam complementos.
Um pouco antes, pediram a prorrogação por mais 60 dias. A gente concordou com a
prorrogação. Com medo de perderem o prazo e ter rescindida a colaboração, eles
empurraram tudo para cá. Vieram muitos anexos e muitos áudios. Para agilizar, a
gente dividiu tudo entre os colegas. No grupo da Lava-Jato, ficou todo mundo
ouvindo os áudios. A Carol (procuradora Ana Carolina Rezende) ficou com um
grupo de áudios. Tinha um anexo que envolvia uma pessoa cujo processo está em
sigilo, o codinome era Piauí, com quatro áudios. O maldito áudio Piauí 3 não
tinha nada a ver com esse anexo. O Piauí 1, 2 e 4 tinham a ver, eram conversas
com determinado senador. A Carol, domingo de manhã, manda mensagem no nosso grupo
dizendo que tinha um áudio jabuti, contrabando, de quatro horas, falando de
Miller, de várias coisas. Viemos para cá, passamos a tarde aqui. Era um jabuti,
um anexo de contrabando colocado sem nenhuma remissão de que não tinha nada a
ver com Piauí. A PF disse que tinha recuperado 7 áudios, que estão sob sigilo,
porque o advogado dos colaboradores disse que boa parte é conversa entre
advogado e cliente. E que a perícia da PF teria recuperado mais 11 áudios.
Joesley tinha apagado e a PF conseguiu resgatar?
Isso. Na
leitura que fizemos, isso não poderia ter sido um equívoco, foi uma casca de
banana mesmo. O ministro Fachin lacrou os 11 áudios, nem nós conhecemos. Eles,
com medo de um dos 11 áudios ser um dos que estão recuperados pela polícia,
colocaram um jabuti. Lá na frente, quando estourasse o negócio, diriam que
entregaram e nós ficamos calados. É óbvio que foi uma armadilha. E como desarma
uma armadilha? Coloca luz sobre ela. Santa Carol! Se ela não fosse tão CDF,
poderia ter passado.
Há alguma possibilidade de o desfecho da segunda denúncia contra Temer
ser diferente no Congresso?
Acho que
não. Mas a solução política não me interessa. Tenho que fazer o meu trabalho. A
Câmara não rejeita a denúncia, ela autoriza ou não o processamento.
O senhor virou carrasco dos políticos corruptos?
Cada um
tem que fazer o seu trabalho. O corrupto tem que entender que acabou a era de
que nada acontece com ele. Grandes empresários, o poder econômico e o poder
político, está todo mundo respondendo igualmente, não é mais a justiça dos três
pês.
Como vê as acusações de que age com interesses partidários?
Primeiro eu era petista, indicado pela Dilma. Quando viram o meu radar,
virei perseguidor de político. Não estou criminalizando a política, estou criminalizando
bandido.
"Eu
não criminalizei a política.Criminalizei
os bandidos"
Como responde a críticos que dizem que o MP sai menor?
O MP sai
gigante, pois é reconhecido fora do Brasil. Aonde você vai, os colegas de fora
reconhecem nossa atividade, na França, na Suíça, nos EUA, todos os ministérios
públicos do Mercosul reconhecem nossa atividade.
Depois dos 20 dias de descanso, como vai refazer a vida?
Tenho
projetos que quero tocar, não quero sair dessa área de combate à corrupção. As
pessoas de fora me pedem para não sair dessa área. Nossa atividade virou
paradigma. O Brasil deu um passo gigantesco no combate à corrupção. Mas isso,
para o bloco, não é suficiente. Se o Brasil continua esse caminho, e acho que
vai continuar, pode começar a exportar corrupção. O bloco tem que caminhar de
forma harmônica e as pessoas pedem que eu seja uma voz no combate à corrupção.
Na PGR, vou atuar na área criminal do STJ.
Traição: "Eu quero ver
a conclusão da investigação para fazer algum juízo"
Na eleição de 2018, como garantir renovação?
A
cidadania vem com força para 2018. Ninguém aguenta mais ser enganado dessa
forma. Agora, é importante também que a política faça a sua parte. Temos que
ter reforma política profunda.
Como fazer isso com um Congresso contaminado?
Vamos
imaginar que os novos políticos de 2018 recebam da cidadania uma cobrança muito
forte para que haja essa mudança. Não podemos ter senador que teve zero votos,
um deputado federal que teve 15 votos, que ninguém sabe quem é.
Com a saída de Dilma, a corrupção ficou mais explícita?
A cada
dia que passa, a gente está jogando mais luz sobre a corrupção. É isso.
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REPORTAGEM POR Ana Dubeux , Ana
Maria Campos , Helena Mader
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