segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Homicídio sem corpo

Aldêmio Ogliari*


O assunto recorrente e mais discutido, ultimamente, na imprensa, concernente à área policial, tem sido, sem margem de dúvida, o caso envolvendo a ex-modelo Elisa Samudio e o goleiro do Flamengo Bruno Fernandes Souza. O desaparecimento da jovem ocorreu no início do mês de junho último e não houve até agora a localização de seu corpo.

De imediato, emergem as indagações: a) pode um delegado de polícia indiciar um suspeito quando o corpo não é encontrado? Resposta: Sim, teoricamente pode; b) pode o promotor denunciar o réu, sem o corpo da vítima? Resposta: Sim, teoricamente pode; c) pode o juiz pronunciar o réu sem o corpo da vítima? Resposta: Sim, teoricamente pode; d) pode o júri condenar o réu sem o corpo da vítima? Resposta: Sim, teoricamente pode.

A título de colaboração, para enriquecer este trabalho, reporto-me à jurisprudência brasileira (casos julgados nos tribunais), em que constam precedentes sobre o assunto.

1º caso — Irmãos Naves, Araguari, MG. Dois irmãos foram julgados em 1937 pela morte do sócio da empresa, um grego. Foram, inicialmente, absolvidos e, depois, sob o clamor público e da imprensa, condenados a 25 anos de prisão pelo Tribunal de Justiça de MG. Após o cumprimento de 15 anos na prisão — um deles morreu lá dentro e o outro estava doente, velho e cego —, a vítima apareceu. Tinha fugido dos credores e estava na Grécia.

2º caso — Dama de Tefé, Rio de Janeiro 1960. Um famoso advogado da Cidade saiu com sua cliente, uma mulher muito bonita, nova, rica e famosa, uma socialite. Ela desapareceu no dia seguinte e o advogado foi condenado a 20 anos de prisão em primeira instância e absolvido pelo Tribunal de Justiça do RJ. Continua o mistério, pois o corpo nunca apareceu.

3º caso — Um juiz de direito da Cidade de São de Paulo foi condenado a 20 anos de prisão pela morte de sua mulher. Os jurados foram os próprios desembargadores do Tribunal de Justiça de SP. Continua o mistério, pois o corpo nunca apareceu.

4º caso — Policial civil de Brasília que era casado foi condenado a 19 anos de prisão em 2009 pela morte de sua amante, de 15 anos, que estava grávida. Continua o mistério, pois o corpo nunca apareceu.

Como é notório, o inquérito policial não é peça imprescindível para o oferecimento da denúncia ou queixa e, segundo o artigo 158 do Código de Processo Penal (CPP), o exame de corpo de delito é obrigatório nos crimes que deixam vestígios.

Esse exame somente pode ser suprido pela prova testemunhal, nos termos do artigo 167 do CPP. No entanto, vale considerar que nessa hipótese é preciso que os vestígios da infração tenham desaparecido.

Assim, o exame de corpo de delito consiste na análise dos vestígios deixados pelo crime e pode ser: a) direto — o objeto é determinado e examinado diretamente; b) indireto — não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecidos os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (art. 167 do CPP).

Quando do julgamento, no caso em análise, os jurados, visando ao encontro da certeza e da convicção íntima (não precisam fundamentar o voto), levarão em conta: a) a prova testemunhal; e b) a prova indiciária (os indícios do crime); Quanto mais provas existirem, maior será a probabilidade de condenação do réu.

Conforme ensinamento inglês lançado no beyond all, só é possível a condenação quando as provas vão além da dúvida razoável. Caso isso não ocorra, ao réu será atribuída a presunção de inocência, considerando que a prova não é firme, convincente, válida e razoável, permanecendo na base do “mais ou menos”. Nesse caso, in dúbio pro réu.
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* Advogado

aldemioogliari@gmail.com
Fonte: Correio Braziliense online, 09/08/2010

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