quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Sua mãe é mais santa do que Madre Teresa?


"Desde o Concílio Vaticano II, que se reuniu na década de 60 e destacou o 'chamado universal à santidade', os católicos foram lembrados de que todas as pessoas têm uma vocação. Todo mundo é chamado a ser santo – independentemente de quem você seja."
A opinião é do padre jesuíta norte-americano James Martin, S.J., autor de "My life with the saints" [Minha vida com os santos] e "The Jesuit Guide to (Almost) Everything" [Guia jesuíta para (quase) tudo]. Também contribuiu com o artigo "Teresa of Jesus", do livro "Mother Teresa at 100: The Life and Works of a Modern Saint" [Madre Teresa aos 100: A vida e as obras de uma santa moderna].
O artigo foi publicado no sítio The Huffington Post, 03-08-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Neste mês, nas bancas e nas livrarias, você encontrará um novo livro excelente, que eu recomendo muito. Para coincidir com o centenário de nascimento de Madre Teresa, a Time publicou "Mother Teresa at 100: The Life and Works of a Modern Saint" [Madre Teresa aos 100: A vida e as obras de uma santa moderna].

É uma fantástica introdução à sua vida, escrita pelo veterano repórter de religião David Van Biema, e inclui uma improvável mas comovedora introdução do megapastor e autor de best-sellers Rick Warren. Repleto de belíssimas fotografias coloridas de toda a sua vida, o livro é uma rara combinação de uma ótima leitura com um belo visual. É talvez a melhor introdução curta para a vida da "Santa das Sarjetas".

Há apenas um pequeno problema. No meio de um artigo chamado "Teresa of Jesus", sobre sua entrada em uma ordem religiosa, sobre sua vida como irmã católica e suas incríveis experiências espirituais, você vai se deparar com uma frase surpreendente:

Para a grande maioria das irmãs, irmãos e sacerdotes, um "chamado" se manifesta como um simples desejo sincero, muito parecido com a possível atração de alguém à vida de médico ou de advogado. No entanto, um chamado para se tornar irmã católica implica um nível um pouco maior de comprometimento.

Isso significa que ser uma irmã católica é um "chamado maior" do que ser médico ou advogado. E isso é algo que eu rejeito categoricamente.

Ironicamente, essa frase está em um ensaio de autoria do "Padre James Martin, S.J.". Eu poderia dizer, "Leitor, eu escrevi isso", mas isso seria falso.

Aparentemente, uma alma muito zelosa, depois de ler meu comentário sobre o fato de o "chamado" ser semelhante em muitas vidas, acrescentou a noção de um "nível um pouco maior de comprometimento". No momento em que eu vi o que provavelmente foi pensado como uma adição benigna, já era tarde demais. A edição de capa dura já estava a caminho da impressão.

A ironia é que isso não é apenas algo em que eu não acredito (e tenho escrito longamente a respeito disso em vários livros), é também algo em que a Igreja Católica não acredita. Desde o Concílio Vaticano II, que se reuniu na década de 60 e destacou o "chamado universal à santidade", os católicos foram lembrados de que todas as pessoas têm uma vocação. Todo mundo é chamado a ser santo – independentemente de quem você seja.

Para ser franco, isso significa que o trabalho de uma irmã católica não é mais santo do que o trabalho de sua irmã – que poderia ser uma mãe, uma advogada ou uma médica. (Ou todas os três). Isso não significa que sua irmã seja necessariamente santa, mas que certamente ela poderia se tornar uma!

Isso não é para diminuir a santidade manifesta da Madre Teresa, que eu considero como uma das maiores santas de todos os tempos. (Ela entra nessa categoria por causa de sua fidelidade inabalável ao seu chamado, mesmo no meio de sua "noite escura" de oração, quando ela sentiu falta de Deus por anos e anos). Pelo contrário, é para lembrar as pessoas que a jovem mãe que acorda nas primeiras horas da noite para cuidar de seu filho é tão santa quanto a freira católica que passa horas e horas ensinando as crianças em uma escola da periferia.

Sua própria mãe pode ser tão santa quanto a Madre Teresa.

Essa verdade foi ressaltada há alguns anos, quando meu primeiro sobrinho nasceu. A primeira noite que eu passei na casa da minha irmã e do meu cunhado depois do seu nascimento foi literalmente uma revelação. Às 2h da madrugada, meu sobrinho bebê acordou berrando e gritando. Surpreendeu-me como o choro era alto e como ele podia chorar por tanto tempo. Como um som tão alto podia vir de uma pessoa tão pequena? Mais especificamente, ver como minha irmã e meu cunhado cuidaram com atenção do seu filho apagou todo e qualquer pensamento de qual vida era "mais dura" ou "melhor" aos olhos de Deus.

Tradicionalmente, essa nem sempre foi uma crença generalizada. Nos círculos católicos, pelo menos, a ideia de uma "vocação" foi vista, nas últimas décadas, como algo reservado quase exclusivamente aos sacerdotes, irmãos e irmãs. E foi vista por alguns como "mais elevada" do que a vida do leigo médio. Quando eu participava da escola dominical quando menino, recebemos um desenho para colorir. Um lado mostrava um desenho de um casal, e embaixo a palavra "Bom". Do outro lado da página, havia uma imagem de um padre e de uma freira. Embaixo dos dois, lia-se: "Melhor". Assim como aquela frase equivocada no livro novo, essa vocação era vista como um "nível um pouco maior de comprometimento".

Todos são chamados a levar um estilo de vida diferente, em fidelidade a tudo o que a sua vocação é, e se esforçar pela santidade. Como surgem essas vocações? Muito frequentemente, a partir de nossos próprios interesses fortes, desejos naturais e atrações sinceras. Um médico é "interessado" por medicina. O advogado "deseja" a vida do mundo jurídico. E uma freira católica é "atraída" pela vida em uma ordem religiosa. Por meio desses desejos, Deus é capaz de agir e satisfazer os desejos de Deus para o mundo. Um "chamado" pode ser de origem sobrenatural, mas geralmente se manifesta em algumas formas naturais.

A jovem mãe, então, poderia ser totalmente inadequada para o tipo de trabalho que a Madre Teresa fazia. Mas a Madre Teresa poderia ser inadequada para a vida de uma mulher casada. (Sua constante intransigência diante de qualquer e todo desacordo com a sua forma de fazer as coisas poderia comprovar algo como um desafio para um marido!). Todos e todas são chamados a ser santos e santas do seu próprio jeito.

Outro dia, li aquela frase errada do novo livro para uma amiga, e ela exclamou: "Isso é o oposto do que você escreve!". Felizmente, a frase ofensiva foi corrigida na edição de bolso. Agora diz: "No entanto, um chamado a ser irmã católica exige sim um nível diferente de comprometimento".

Aposto que a Madre Teresa concordaria com isso. Melhor do que todos, ela entendeu o chamado universal à santidade. Quando os visitantes costumavam visitá-la em Calcutá e se oferecer para trabalhar com ela e seguir seu exemplo, ela aceitava alguns alegremente. Mas para a maioria ela dizia simplesmente: "Encontre a sua própria Calcutá".
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Fonte: IHU online, 05/08/2010

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