segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Big Money mistura-se com Big Brother

O histórico das empresas de internet em países autoritários é uniforme e sombrio.


Guy Sorman*

Por todo o mundo, usuários da internet têm ilusões românticas sobre o ciberespaço. Para a maioria de nós, navegantes da rede, a internet nos dá uma falsa sensação de completa liberdade, poder e anonimato.
De vez em quando, é claro, sofremos com a intromissão de mensagens não solicitadas e anúncios misteriosamente relacionados a nossos hábitos mais íntimos. Servem para lembrar-nos de que nós, usuários de internet, estamos, na verdade, sob constante vigilância virtual. Quando os vigilantes têm apenas motivos comerciais, como "spams", a sensação é de uma transgressão menor. Na China ou na Rússia, contudo, a internet é patrulhada não por vendedores intrometidos, mas pela polícia.
Diante dos fatos concluímos que o capitalismo não é ético: é apenas eficiente. Empreendedores são ambiciosos por definição: se não fossem, quebrariam. A liberdade, como sempre, continua uma tarefa para os homens e mulheres livres e alertas.
Logo, ativistas dos direitos humanos na Rússia e a organização ambiental Baikal Enviromental Wave não deveriam ter ficado surpresos quando, neste mês, policiais de carne e osso - e não programas-robô - confiscaram seus computadores e os arquivos neles armazenados. Na época da União Soviética, a KGB teria acusado esses dissidentes anti-Putin de problemas mentais. Como esta é supostamente a "nova Rússia", os "ciberdissidentes" são acusados de violação de direitos de propriedade intelectual.
Eles estavam usando computares equipados com programas da Microsoft e não conseguiram provar que não os haviam pirateado. Ao confiscar os computadores, a polícia russa supostamente poderia verificar se os programas da Microsoft usados pelos ativistas haviam sido instalados legalmente.
Na aparência, a Microsoft e a polícia do primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, são uma combinação estranha. Mas será realmente tão estranha assim? Representantes autorizados da Microsoft declararam que não podem opor-se às ações da polícia Rússia, porque a empresa de Seattle tem de agir de acordo com a lei russa. Tal declaração ambígua pode ser interpretada como apoio ativo à polícia russa ou como colaboração passiva. Na verdade, o histórico das empresas de internet em países autoritários é uniforme e sombrio.
O Yahoo deu o ritmo ao ser pioneiro na colaboração ativa da internet e das empresas de alta tecnologia com a repressão política. Em 2005, o Yahoo deu à polícia chinesa o código de identificação do computador de um jornalista dissidente, Shi Tao. Ele havia enviado uma mensagem defendendo a democracia, que foi detectada pelos censores. Após a pista entregue pelo Yahoo, a polícia o prendeu. Shi continua preso até hoje.

"Diante dos fatos concluímos que
 o capitalismo não é ético:
é apenas eficiente.
Empreendedores são ambiciosos por definição:
se não fossem, quebrariam.
A liberdade, como sempre,
continua uma tarefa para
 os homens e mulheres livres e alertas."


Logo, ativistas dos direitos humanos na Rússia e a organização ambiental Baikal Enviromental Wave não deveriam ter ficado surpresos quando, neste mês, policiais de carne e osso - e não programas-robô - confiscaram seus computadores e os arquivos neles armazenados. Na época da União Soviética, a KGB teria acusado esses dissidentes anti-Putin de problemas mentais. Como esta é supostamente a "nova Rússia", os "ciberdissidentes" são acusados de violação de direitos de propriedade intelectual.
Eles estavam usando computares equipados com programas da Microsoft e não conseguiram provar que não os haviam pirateado. Ao confiscar os computadores, a polícia russa supostamente poderia verificar se os programas da Microsoft usados pelos ativistas haviam sido instalados legalmente.
Na aparência, a Microsoft e a polícia do primeiro-ministro
Na época, gerentes do Yahoo nos Estados Unidos, assim como no caso recente da Microsoft na Rússia, declararam que tinham de seguir a lei chinesa. Shi Tao, em sua cela de prisão, deve ter ficado satisfeito ao ver que a China guia-se pela lei, não pelo Partido Comunista. Afinal, é pela lei, pelo Estado de Direito, que Shi Tao está lutando.
O Google, pelo menos por um curto período, deu a impressão de seguir diretrizes diferentes em suas operações na China e parecia ter mantido seu princípio ético, proclamado por todas as partes: "Não seja mau". Para protestar contra a censura, a empresa do Vale do Silício mudou-se da China continental em 2009 para a ainda relativamente livre Hong Kong. Na ferramenta de busca oferecida a partir de Hong Kong, os internautas chineses podiam ler sobre Taiwan, o massacre da Praça da Paz Celestial em 1989 ou sobre o Dalai Lama. No Google.cn, essas fontes, juntamente com os resultados de buscas usando muitos outros termos vetados, não aparecem.
A mudança do Google parecia reconciliar sua proclamada filosofia libertária com sua ética de negócios. Essa reconciliação, no entanto, não durou muito: o Google, afinal, havia aceitado a censura desde o início de seus esforços na China, em 2006, para ganhar entrada no mercado chinês. Após seis meses de vida em Hong Kong, o dinheiro falou mais alto: o Google reinstalou seu serviço na China continental, com o mesmo grau de censura de antes. No fim das contas, o Google, não o Partido Comunista Chinês, perdeu prestígio.
Yahoo, Google e Microsoft, portanto, seguiram uma estrada surpreendentemente similar: o acesso a mercados lucrativos venceu as inquietações éticas. As ferramentas que essas empresas fornecem são politicamente neutras. Dissidentes tentam usá-las para buscar uma agenda democrática. A polícia as usa para detectar e reprimir dissidentes. De qualquer forma, Microsoft, Yahoo e Google ganham dinheiro - da mesma forma como, por exemplo, a IBM, que nos anos 30 vendeu suas máquinas de computação ao regime nazista: os nazistas usaram essas máquinas para tornar a destruição de suas vítimas algo rotineiro e burocrático.
Deveríamos ficar chocados pelo fato de as empresas de internet colocarem os lucros acima de questões morais? Afinal, são simples empresas em busca de lucro, assim como a IBM da era Hitler. As empresas de internet podem, mais do que a maioria, esconder seus verdadeiros motivos por trás de slogans artificiais que soam democráticos, mas no fim das contas o que fazem é anunciar produtos como qualquer outro. Na publicidade ou na autopromoção, a escolha de palavras é determinada pelas expectativas dos clientes, não pela filosofia dos executivos, já que a maioria não tem nenhuma.
O capitalismo é sempre uma troca: devemos conviver com o comportamento antiético de empresas que fazem dinheiro e nos proporcionam novas e úteis ferramentas. Essas ferramentas podem ser usadas por iranianos lutando contra uma ditadura ou por dissidentes tibetanos tentando salvar sua cultura. Também podem ser usadas para computar o número de judeus exterminados, para prender um dissidente chinês ou para acabar com um grupo de direitos humanos na Rússia.
Essas empresas nos ensinam que o capitalismo não é ético: é apenas eficiente. Empreendedores são ambiciosos por definição: se não o fossem, quebrariam. Uma sociedade aberta nunca será criada ou sustentada por empreendedores íntegros ou por meros subprodutos da engenharia política. A liberdade, como sempre, continua uma tarefa para os homens e mulheres livres e alertas.
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* Guy Sorman, filósofo e economista francês, é autor de "A economia não mente". Copyright: Project Syndicate, 2010. www.project-syndicate.org
Fonte: Valor Econômico online, 27/09/2010

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