Emir Sader*
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Daqui a uma semana o Brasil decide se o governo Lula é um parêntesis e voltam as elites tradicionais ao governo ou se é uma ponte para dar continuidade de aprofundar a construção de uma sociedade justa, solidária, soberana.
Tendo praticamente toda a imprensa contra a candidata que encarna a continuidade do governo Lula, o fenômeno mais visível desta campanha é como a Dilma conseguiu obter apoio tão generalizado da massa da população — em todos os estados, em todos os estratos sociais, em todos os níveis de instrução, nos dois gêneros. Expressa a falta de sintonia da imprensa tradicional brasileira com os desejos e os valores da massa da população.
O governo Lula e a campanha da Dilma expressam, no apoio que recebem, um novo consenso, majoritário no país: que prioriza os direitos sociais, o papel ativo do Estado como indutor do desenvolvimento econômico e das políticas sociais, da soberania na política externa brasileira.
Concluir seus dois mandatos com mais de 80% de apoio e 4% de rejeição (Fernando Henrique Cardoso, exatamente há oito anos, em setembro de 2002, tinha 50,9% de rejeição), rejeitar a tentação de um novo mandato (FHC mudou a Constituição durante seu primeiro mandato, para ter um segundo), lançar uma candidata que representa, da maneira mais direta, seu governo, submeter-se ao voto popular e, provavelmente, obter uma vitória no primeiro turno, representam não apenas um sucesso pessoal do Lula.
Representam o triunfo de valores que se contrapõem aos que reinaram na década de 90, reino neoliberal: os valores do mercado, de que tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra, tudo é mercadoria. Afirma-se hoje uma negação dessa visão de estilo shopping center do mundo, calcada no “modo de vida norte- americano”, que privilegia o consumidor em detrimento do cidadão. Afirma-se hoje a esfera pública, a cidadania, o direito de acesso aos bens materiais e espirituais para todos e não apenas para a minoria para a qual se governava antes no Brasil.
O provável resultado eleitoral da vitória da Dilma no primeiro turno representará também o fim de carreira de toda uma geração de políticos que passou a representar a direita no Brasil, assumindo o neoliberalismo como modelo: menos Estado, mais mercado, privatizações, abertura sem limites da economia, precarização das relações de trabalho, subserviência às políticas dos EUA no plano internacional, Tratado de Livre Comércio com Washington.
A provável convocatória a uma Assembleia Constituinte autônoma permitirá a reforma não apenas do sistema político, mas do próprio Estado brasileiro, que se tornou um Estado mínimo — abdicando para o mercado todas as funções econômicas —, inadequado a um país que necessita crescer muito e reduzir as imensas desigualdades acumuladas ao longo dos séculos.
Daí a importância das eleições do próximo domingo, que podem ser um marco na superação da situação de ser o país mais desigual da América Latina, que por sua vez é o continente mais desigual do mundo. Esse processo apenas começou, requer agora o aprofundamento e a extensão das políticas de redistribuição de renda para políticas habitacionais, de saneamento básico, de transporte, de educação, de saúde pública. Para que sejamos não apenas uma democracia política, mas também econômica, social e cultural.
Porque se a distribuição de renda coloca a maioria da população no centro da pirâmide, isso não significa que passamos, em tão pouco tempo, a ser um país de classe média. Porque as condições mencionadas acima — habitação, saneamento básico, educação, saúde, transporte — continuam a ser muito ruins. É uma acumulação de miséria e de carências muito longa no tempo que, para ser superada, requer a continuidade, a extensão e o aprofundamento de políticas sociais amplas e articuladas por muito tempo.
Para o que necessitamos de um Estado muito distinto deste — ineficiente, financeirizado. Necessitamos um Estado centrado na esfera pública, na afirmação dos direitos, na cidadania extensa a todos. Um Estado capaz de promover o desenvolvimento estreitamente articulado com políticas sociais redistributivas. Que possa incluir mecanismos como os do orçamento participativo, que integra a cidadania nas decisões políticas fundamentais.
____________________*Sociólogo
Fonte: Correio Braziliense online, 26/09/2010
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