Jean-Pierre Lehmann*
Os últimos trinta anos também registraram crescente desigualdade.
Dizem que a grande causa social do século XIX foi a luta contra a escravidão; a do século XX foi a luta contra o imperialismo e ideologias extremistas, como o fascismo; enquanto a grande luta do século XXI deveria ser contra a desigualdade.
De acordo com um relatório recente da Comissão de Crescimento e Desenvolvimento, editado por Michael Spence e Kanbur Ravi, "Equity and Growth in a Globalizing World" (Igualdade e Crescimento no Mundo que está se Globalizando), há dois tipos de desigualdades: entre nações e dentre as nações.
Entre as nações, as desigualdades têm diminuído embora ainda sejam vastas. As grandes reformas de mercado dos países em desenvolvimento, principalmente a chinesa, têm gerado um crescimento elevado, resultando na queda das diferenças do PIB per capita entre o primeiro mundo e o terceiro mundo.
O fato mais apontado como "culpado" é a globalização: seja na Índia ou nos EUA, o bordão comum dos carentes é detonar os supostos efeitos nefastos da liberalização do mercado, originando movimentos populistas ou políticos radicais.
Os últimos trinta anos, no entanto, também registraram crescente desigualdade. As mais acentuadas ocorreram nos EUA e Reino Unido, dois países onde havia um grande "fundamentalismo de mercado" decorrentes da cultura Reagan/Thatcher. No livro entitulado "Ill Fares the Land", (O Mundo Indisposto) de Tony Judt, há relatos de que a desigualdade na Grã-Bretanha atinge seu pior nível desde a década de 1920: há mais crianças pobres na Grã-Bretanha do que em qualquer outro lugar da Europa e a disparidade da remuneração aumentou mais do que em qualquer outro país, exceto nos EUA.
Lá os números são alarmantes. Em artigo publicado no "Financial Times" (The crisis of middle-class América, 30 de Julho - A crise da classe média), Edward Luce aponta que os rendimentos anuais dos 90% mais pobres do país, desde 1973, têm sido estáveis, enquanto os do 1% superior triplicaram! Em outro artigo do "Financial Times" (Three years on, fault lines threaten the world economy, 14 de Julho - Depois de 3 anos, linhas de falha ameaçam a economia mundial), Martin Wolf afirma que "de cada dólar de crescimento real gerado entre 1976 e 2007, 58 centavos foram para o top 1%".
Perspectivas para o futuro não são animadoras. Em muitos países há enormes cortes sendo realizados nos serviços públicos, principalmente na saúde, educação e infraestrutura, os que mais afetam os pobres.
O aumento da desigualdade também avançou drasticamente em muitos países em desenvolvimento. Como a América Latina tem a distinção de ser a região com maior desigualdade, economistas chineses e ocidentais já manifestam temores de uma possível "latino-americanização" da China. O coeficiente Gini da China (as métricas para o cálculo da disparidade de renda) é tão elevado quanto o dos EUA e se aproxima ao do Brasil. A maior parte de sua desigualdade é devida às diferenças das áreas rural e urbana.
O fenômeno é mundial. Na Índia, existe uma enorme preocupação de que o crescimento das últimas duas décadas não tem sido inclusivo. Por exemplo: hoje, um apartamento em Mumbai dificilmente sai por menos de US $1 milhão, ainda que 70% da população viva em favelas. Na África do Sul, embora o apartheid tenha sido abolido em 1994 e, consequentemente, em teoria, a sociedade tenha se tornado mais "igual", as desigualdades de renda são graves.
É indiscutível que houve aumento da desigualdade. Agora, o que podemos debater é a questão de sua causa. O "culpado" popular é a globalização: seja na Índia ou nos EUA, o bordão comum dos carentes é detonar os supostos efeitos nefastos da liberalização do mercado, originando movimentos populistas ou políticos radicais.
Na verdade, contrário à convencional sabedoria popular, a globalização, no geral, beneficia os pobres, devido à redução do preço de produtos básicos. Quando o Brasil abriu seu mercado no começo da década de 90, vindo de uma economia altamente protecionista, o preço do lápis caiu em 60% - ajudando a propagar a alfabetização.
A desigualdade é, em parte, devido às políticas que tendem a favorecer os ricos, especialmente na tributação, mas é também devido à evolução técnica: máquinas tomaram os lugares de homens e mulheres em muitas ocupações de renda média. Assim, na Grã-Bretanha, o crescimento de emprego tem sido limitado aos postos de trabalho de alta remuneração (financeiro, software, etc.) e de baixíssima remuneração (serviços baratos, tais como de garçon/garconete). O meio termo tem despencado.
Sem dúvida, o mais importante para combater a desigualdade é investir na educação. O Brasil, que há muito tempo tem sido o país mais desigual do mundo, nos últimos anos tem tido uma história de sucesso. Desde 1990, seu coeficiente Gini caiu de 0,62 a 0,52. Mesmo elevado, a tendência é animadora.
Como Adam Smith salientou em "A Teoria dos Sentimentos Morais", "se os frutos do desenvolvimento econômico de uma sociedade não podem ser compartilhados por todos, torna-se moralmente insalubre e perigoso, pois tenderá a prejudicar a estabilidade social." Há uma clara advertência: a desigualdade deve ser combatida efusivamente em todas as frentes.
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*Jean-Pierre Lehmann é professor de Política Econômica Internacional no IMD e diretor do Evian Group no IMD.
Fonte: Valor Econômico online, 20/09/2010
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