quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O fim das cenas musicais

Hazel Sheffield*

A vitalidade do rock sempre foi
estimulada pelo surgimento
de novos estilos em regiões específicas.
Com a internet, isso acabou.
As novas revoluções
vão acontecer em vários lugares
ao mesmo tempo

O rock-n’-roll nasceu em um lugar específico: Memphis, nos Estados Unidos. Foi transformado em fenômeno pop mundial depois que rapazes de franjas e ternos desenvolveram o estilo iê-iê-iê em Liverpool, na Inglaterra. Antes de alcançar o resto do mercado musical, o punk rock cresceu no caldeirão formado por uns poucos — e influentes — bares de Nova York. O grunge é um gênero típico da Seattle do fim dos anos 80. Na década seguinte, o britpop de expoentes como o Oasis deixavam a Inglaterra para dominar a cena. Tudo isso acabou junto com o século 20. A internet pôs fim às cenas musicais localizadas. Agora, as mudanças de estilo acontecem simultaneamente, em diversas partes do mundo, com os músicos interagindo online e postando seus trabalhos não concluídos na rede.
Não veremos mais um gênero surgir e se desenvolver em um único local. Ao longo de 50 anos, sons específicos estiveram vinculados a lugares específicos. A noção de cena local era importantíssima. Jovens músicos de uma mesma região se reuniam para trocar informações e formar bandas que tocavam nos mesmos lugares e, muitas vezes, atuavam em mais de um grupo da mesma região. Só depois vinham as gravadoras, os videoclipes, as viagens e o apelido para o novo gênero que surgia. Logo a cidade estava no centro do cenário mundial por alguns anos. Depois, entrava para a história e sua produção deixava marcas para a geração seguinte.
Agora, compare este cenário de surgimento, auge e queda de tribos vinculadas no tempo e no espaço com novos artistas como Washed Out, Toro Y Moi e Memory Tapes. Estes jovens músicos não precisam esperar algum amigo comprar um determinado álbum. Eles consomem e produzem música online e encontram pessoas de pensamento parecido em qualquer canto do planeta. O caso de Washed Out é exemplar. Este é o nome artístico do músico Ernest Greene, que desde o ano passado vive em sua vila natal, a pequena Perry, na Georgia, Estados Unidos. Construiu um estúdio no quarto e dali cria e divulga seu trabalho. Não faz mais sentido, portanto, pensar em cenas musicais locais quando nem mesmo a distinção entre esboço e produto final, ou entre artista e público, existe claramente. As pessoas que nasceram nos últimos 20 anos já não precisam, nem mesmo esperam, um produto acabado. Está tudo disponível online à medida que o artista vai produzindo, work in progress.
Parece uma péssima notícia. Afinal, não vamos mais experimentar o impacto de ouvir um novo estilo que parece surgir do nada, pronto e bem polido — quem vivenciou a experiência de ouvir pela primeira vez um som totalmente inédito talvez não tenha a disposição necessária para acompanhar trabalhos que parecem nunca alcançar uma conclusão. Mas a parte boa é que não dependeremos mais de grandes bandas, apoiadas em grandes gravadoras, enquanto músicos talentosos desaparecem por não cobrirem os pré-requisitos de executivos. No lugar de grandes acontecimentos ao longo do tempo, veremos surgir microrrevoluções musicais, que vão inspirar uma parcela de ouvintes a criar sua própria linguagem. Depois do fim do suporte físico para a música, veremos o fim do mainstream dos gêneros. Com isso, entramos em uma era inédita de democracia e independência para artistas e para o público.
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* Hazel Sheffield é jornalista britânica, crítica de música e colaboradora de veículos como a rede BBC, o jornal The Guardian e a revista NME
Fonte: Revista Galileu, setembro/2010 - Nº 2301

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