Zygmunt Bauman*
A mais recente crise financeira mundial
foi só mais um episódio do ciclo de expansão
e colapso do sistema. E a solução apresentada
pelos governos
apenas cria mais uma bolha
Assim como todos os organismos chamados de parasitas, o capitalismo tem a tendência de se alimentar de seu hospedeiro até a exaustão. Depois, passa para a próxima terra virgem, onde recomeça o processo: no primeiro momento, o novo espaço recebe enormes investimentos, que geram rentabilidade. Depois, seguindo a chamada lei dos rendimentos decrescentes, o retorno vai diminuindo e exige um novo aporte de capital. Como este novo gasto não traz lucro, entram em ação outras forças para dar suporte financeiro, em geral poderes políticos que recorrem à coerção dos impostos. Esta medida apenas adia o colapso, até que uma nova terra virgem seja encontrada. E assim o capitalismo caminha, em uma sucessão de crises e breves períodos de prosperidade.
A mais recente crise financeira é um exemplo clássico desse processo. Há cerca de 50 anos, um vasto território foi descoberto e explorado por uma combinação de duas estratégias: a criação do impulso de comprar objetos que não são necessários e o deslocamento do lucro, que sai da produção e passa para o consumo dos bens. Assim, o consumidor passou a ser a fonte principal da lucratividade. Ele agora é mais importante como comprador do que como trabalhador.
Não por acaso, este período mais recente de prosperidade foi marcado pela aparição de produtos mais desenvolvidos que os anteriores. Com um adendo: para evitar que os consumidores se endividassem rápido demais e o sistema ruísse, os empréstimos concedidos em larga escala engordaram as instituições de crédito e adiaram a crise. As dívidas incobráveis logo superaram aquelas que seriam rentáveis e mantiveram a indústria de devedores aumentando até um novo colapso.
A solução apresentada pelos governos foi a propagada recapitalização dos bancos e tudo ficou na mesma. Historicamente, os governos lutam para preservar o capitalismo das consequências de sua própria lógica. Na antiga sociedade dos produtores, onde os lucros eram gerados nos assoalhos da fábrica, os capitalistas tinham recursos para comprar a mão de obra. Hoje, em nossa sociedade de consumidores, a exigência é que sejam os consumidores os responsáveis por pagar o preço dos produtos, e com isso prever o fluxo de lucros. Consequentemente, os governos devem assegurar que o sistema de crédito permita que eles continuem comprando. Foi por isso que, nos últimos dois anos, bilhões de dólares foram para os cofres das companhias de crédito. De onde vem esse dinheiro? Do Estado. Esse valor foi transferido de todos nós. O que nós não pagamos nos rendendo ao consumo, pagamos por meio de impostos.
Sou um sociólogo, não um profeta. O que eu posso dizer é o seguinte: primeiro, a economia baseada no crescimento do consumo tem limites demarcados pela resistência do planeta e de seus recursos (se o consumo da humanidade alcançar os níveis dos Estados Unidos, precisaríamos de cinco planetas). Segundo, o capitalismo permanece como um sistema mestre não só da arte de espremer as terras virgens até a última gota, mas também na arte de substituir o que já foi usado por novidades. Assim, a única previsão que ouso sugerir é que encontraremos pela frente uma crise levando a outra, podendo gerar a catástrofe do planeta ou até de nós mesmos. Ou então isso pode ser mudado pela nossa recusa de participar do jogo pelas regras atuais.
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* Zygmunt Bauman é sociólogo polonês e acaba de lançar "Capitalismo Parasitário e Outros Temas Contemporâneos" (Zahar)
Fonte: Revista Galileu, stembro/2010 - Nº 2301
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