terça-feira, 28 de setembro de 2010

Vai começar o vale-tudo

ROSELY SAYÃO*

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Parece que o jovem ser aprovado no vestibular é a coisa mais importante
na vida de toda a família

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JÁ ESTAMOS naquele período do ano em que uma multidão de pais vive em pânico e seus filhos idem. Época em que as provas escolares finais deixam de ser mera referência futura para se transformar em experiências palpáveis, quase reais, principalmente para um grupo: o de jovens que prestarão vestibulares para ter acesso aos cursos universitários.
Tenho conversado com professores e pais e fico penalizada com o clima reinante nas casas em que há jovens estudantes se preparando para essa prova. Parece mesmo que obter a aprovação torna-se a coisa mais importante na vida de todos na família: é quase uma sentença de vida ou morte do futuro.
Mães colocam o despertador para tocar de madrugada, para checar se o filho está estudando mesmo conforme anunciara; jovens ficam tão ansiosos que mal conseguem prestar atenção no que estudam; outros se deixam paralisar pelo pânico antecipado do que ocorrerá; e pais que levam o filho ao médico em busca "daquele remédio" que melhora o rendimento e a concentração nos estudos.
Sim: há um pouco de tudo isso e muito mais, incluindo beberagens estranhas, para ajudar o jovem a ficar acordado para estudar.
Uma professora me disse algo que me fez pensar muito e que motivou esta reflexão.
"Acho que ainda estarei ativa na docência quando chegar o tempo de pedir exame antidoping para os alunos quando eles fazem provas."
Pois é: muitos jovens estudantes, alguns com apoio e até incentivo dos pais e outros às escondidas, estão apelando para as drogas, medicamentosas ou não, na busca de aprovação escolar.
Que relação é essa que eles fizeram e qual a nossa contribuição para que eles chegassem a esse ponto? Um ingrediente fundamental nessa história é, sem dúvida, o clima competitivo que introduzimos pouco a pouco na vida escolar.
A nota, a aprovação, a colocação do aluno em relação aos colegas passaram a ser mais importantes do que o conhecimento adquirido.
Os alunos não competem consigo mesmos, não se desafiam a superar seus limites em relação ao próprio aprendizado. O que eles não querem é ficar abaixo dos outros, e nisso são muito bem acompanhados pelos pais e pelos professores.
No mundo do discurso do respeito às diferenças e da diversidade, ainda usamos e abusamos de índices de padronização em relação ao aprendizado.
"Seu filho está com notas abaixo da média da classe"; "A escola de meu filho tem colocação melhor do que outras" etc. Esses são estímulos à tal competição e, ao mesmo tempo, estímulos a um sentimento antecipado de êxito ou fracasso.
E o que dizer, então, da realização de provas? Caro leitor, você sabia que muitas crianças com seis anos, que agora frequentam o primeiro ano do ensino fundamental, são submetidas a provas?
Claro que muitas escolas -as mais sensatas e voltadas ao aprendizado dos seus alunos- não cometem essa loucura. Mas outras o fazem.
Mães de crianças de seis, sete e oito anos já me relataram como seus filhos ficam estressados nos dias anteriores à prova marcada, o que leva algumas crianças, inclusive, a adoecerem.
Depois de 10, 11 anos submetidos à pressão familiar, escolar e social por boas notas e colocação, os jovens chegam ao vestibular exaustos, preocupados só com sua aprovação e, portanto, prontos a usarem qualquer recurso que eles imaginam que possa ajudar a obter o resultado pretendido.
Mas será que esse processo tem colaborado para que nossos jovens e nossas crianças aprendam mais, pensem melhor e se tornem cidadãos mais aptos a contribuir com o desenvolvimento da comunidade em que vivem?
Os estudos e as pesquisas têm apontado que não. Por que insistimos com essa prática, então?
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*ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)
Fonte: Folha online, 28/09/2010

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