domingo, 26 de setembro de 2010

Faremos teste de DNA para ir à feira


O cientista diz que a análise do genoma ajudará
as pessoas a levar para casa a comida que interessa

CRISTIANE SEGATTO

Para viver com mais saúde para viver com mais saúde é preciso ter uma dieta equilibrada. Não há nada de errado com essa recomendação, mas é preciso admitir que ela é vaga. Diferentes populações (e indivíduos) absorvem nutrientes de forma diversa. Entender essas peculiaridades é o objetivo da nutrigenômica, uma área em ascensão que procura entender como os nutrientes afetam os genes e alteram o metabolismo de alimentos e remédios. A partir do dia 26, uma conferência internacional sobre o tema será realizada no Guarujá, em São Paulo. O cientista mais respeitado nessa área é Jose Ordovas, um espanhol radicado nos Estados Unidos que dá aulas na Universidade Tufts, em Boston. Ele não virá ao Brasil para a conferência, mas em entrevista a ÉPOCA disse que a nutrigenômica tem tudo a ver com o país.

ÉPOCA - Muita gente acha que a comida é capaz de curar ou de evitar doenças. Até que ponto isso é verdade?
Jose Ordovas – Ter uma alimentação desbalanceada faz mal. Um dos primeiros sucessos da pesquisa na área de nutrição foi identificar que a deficiência de determinado nutriente produz doença. Um exemplo clássico foi a descoberta de que o escorbuto pode ser curado com a ingestão de alimentos ricos em vitamina C (como as frutas cítricas). Mas uma pessoa que já consome a quantidade adequada de vitaminas e minerais não vai ficar mais protegida de doenças se consumir o dobro desses nutrientes. O desafio é saber qual é a quantidade de nutrientes ideal para cada indivíduo.

ÉPOCA - Nos últimos anos, várias pesquisas sugeriram que o licopeno (substância encontrada no tomate) pode ser útil na prevenção do câncer de próstata. A nutrigenômica será capaz de trazer informações mais específicas do que essa?
Ordovas – A pergunta foi formulada corretamente: “O licopeno pode ser útil na prevenção”. Ele não é a cura do câncer e muito provavelmente só é capaz de prevenir o câncer de próstata num determinado grupo de indivíduos. Há outra questão importante: é possível que o licopeno só tenha esse potencial protetor se estiver no tomate (e não em cápsulas) e se fizer parte de um padrão de alimentação que inclui outros nutrientes importantes (como na dieta dos países mediterrâneos, como a Itália). A nutrigenômica vai nos ajudar a definir quais indivíduos vão se beneficiar de determinados nutrientes ou de determinadas dietas.

ÉPOCA - A nutrigenômica é um campo recente, mas no mercado há muita gente oferecendo nutrição personalizada. Qual é a diferença entre as duas coisas?
Ordovas – Aquilo que as pessoas chamam de nutrição personalizada é um exercício (muitas vezes perigoso) baseado em tentativa e erro. O objetivo da nutrigenômica é oferecer aconselhamento nutricional baseado em ciência genética, de fato. Ela será muito mais precisa e baseada em décadas de ciência sólida.

ÉPOCA - Como esse campo evoluiu nos últimos cinco anos?
Ordovas – Houve mudanças significativas. Os estudos tornaram-se mais abrangentes e confiáveis porque foram replicados em diferentes populações e subgrupos específicos. Ainda não somos capazes de fazer recomendações nutricionais com 100% de certeza, mas estamos começando a oferecer aconselhamento nutricional mais preciso e específico do que todas as recomendações gerais que ouvimos até hoje. Sabemos que alguns genes determinam o peso corporal e a resposta às dietas de emagrecimento. Um dos mais estudados é o APOA2, um gene que codifica uma proteína presente no colesterol bom (HDL).

ÉPOCA - Na última década, ouvimos muitas promessas sobre a “revolução” que o Projeto Genoma Humano provocaria, mas até hoje ela não se concretizou. Pode acontecer o mesmo com a nutrigenômica?
Ordovas – Tem sido lenta a aplicação do conhecimento gerado pelos estudos genéticos sobre doenças complexas (aquelas que são provocadas por vários fatores genéticos e de estilo de vida, e não apenas por um gene). Isso tem acontecido porque a complexidade dessas doenças foi subestimada. A nutrição personalizada é parte da solução do quebra-cabeça genético que os cientistas tentam montar. Muito da pesquisa genética feita até hoje não leva em consideração o ambiente. A dieta é parte desse ambiente. Quando conseguirmos integrar análises sobre dieta, atividade física e genética, conseguiremos avançar mais rápido. O público precisa saber que a ciência está na direção correta, mas os benefícios decorrentes dela ocorrem em pequenos passos. Em vez de um momento “Eureca”, veremos na nutrigenômica algo semelhante ao que aconteceu no campo dos computadores pessoais. A cada ano surgirão ferramentas mais poderosas para prever doenças e oferecer um aconselhamento personalizado por meio da nutrição e de mudanças de comportamento.


"A nutrigenômica vai nos ajudar a definir
quais indivíduos vão se beneficiar de determinados nutrientes
ou de determinadas dietas."


 
ÉPOCA - Os cientistas dizem que o primeiro passo é descobrir o papel dos nutrientes sobre a saúde de diferentes populações. O segundo é entender como os alimentos atuam sobre os genes de cada indivíduo. Quando isso estará disponível?
Ordovas – É difícil saber quando as aplicações práticas estarão disponíveis. Quando parece que estamos perto de terminar o quebra-cabeça, surgem novas peças. Além da genética, precisamos considerar também o papel da epigenética. Ou seja: de que forma o ambiente pode alterar nossos genes. Em breve teremos produtos que vão ajudar as pessoas a perder peso de acordo com seus genes. Também será possível normalizar o colesterol apenas com a dieta. Haverá avanços também no combate a outras doenças. Provavelmente, daqui a dez anos a maioria das pessoas terá feito exames de DNA para conhecer o comportamento de seus genes. Esses testes vão nos ajudar de várias formas. Uma delas é saber o que comprar no supermercado ou na feira. Quem souber como seus genes funcionam levará para casa os alimentos ideais.

ÉPOCA - Que implicações a nutrigenômica terá na indústria farmacêutica e na agricultura?
Ordovas – Acredito que os alimentos serão usados para prevenir doenças. Mas os remédios continuarão sendo necessários para tratar as doenças crônicas da sociedade moderna (diabetes, obesidade, câncer, doenças cardiovasculares etc.). A nutrigenômica poderá ter impacto sobre a agricultura porque poderá orientar a criação de alimentos mais nutritivos ou com determinadas características desejadas. Mas isso só vai acontecer se o público reagir bem a essas mudanças.

ÉPOCA - Por que a nutrigenômica depende de um esforço internacional?
Ordovas – O genoma humano contém variantes que definem como metabolizamos nutrientes e remédios. Algumas dessas variantes são comuns em determinadas populações devido à adaptação ao ambiente. Precisamos criar grandes consórcios para formar uma massa crítica capaz de conduzir estudos sólidos.Temos de construir alianças internacionais para estudar todo o espectro das interações entre os diferentes ambientes e as variações genéticas. Tenho colaboradores brasileiros porque o país tem se destacado nessa área. Um exemplo é a conferência internacional que acontecerá agora no Guarujá.
 
QUEM É
Tem 54 anos, é espanhol e mora em Boston. Dirige o Laboratório de Nutrição e Genômica da Universidade Tufts. Formou-se em química na Universidade de Zaragoza e fez pós-doutorado no MIT, na Universidade Harvard

O QUE PUBLICOU
Mais de 480 artigos científicos. O último foi publicado em agosto na Nature

O QUE FEZ
É considerado um dos fundadores do campo da nutrigenômica. Treinou mais de 60 cientistas de todo o mundo
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Fonte: Revista ÉPOCA online, 23/09/2010

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