quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Jerzy Skolimowski - Entrevista

Cineasta Skolimowski fala sobre admiração
por Babenco e prisão de Polanski

Imagem da Internet

De onde veio a inspiração para Essential killing?
Eu vendi minha casa em Malibu, na Califórnia, e me mudei para a Polônia. Fui morar em uma casa rodeada por uma floresta selvagem em um local chamado Masúria. Lá tem paz e sossego. Consegui filmar nas imediações e foi ótimo, pois não tive que viajar e ir para um hotel. Mas não queria repetir a mesma fórmula. Depois descobri que na vizinhança tinha um aeroporto que era usado secretamente pelos aviões da CIA para transportar prisioneiros do Oriente Médio. Um lugar para tortura. Nada disso é confirmado oficialmente. Somente o governo da Lituânia confirma isso. Tem rumores que esses locais existem na Romênia, na Polônia e na Noruega. Achei esse tema muito político para mim, mas uma noite andando de carro por uma estrada quase tive um acidente. Meu carro derrapou e parei a alguns metros de rolar um barranco. Percebi que era em frente a esse aeroporto. Foi disso que tive a ideia, pois se esse aeroporto estivesse sendo utilizado pela CIA, essa estrada seria usada por caminhões para transportar os prisioneiros. E se um deles derrapasse e caísse do barranco durante o inverno? Talvez um prisioneiro fugisse. Envolveria sua tentativa de sobrevivência em um lugar estranho cercado de inimigos. A história vem disso.

Qual a sua mensagem por trás da história?
Me impressiona que estamos no século 21 e em certas situações um ser humano pode se tornar em um animal. Um animal selvagem lutando pela sua vida. Quando um animal é atacado, matar é a única maneira de ele sobreviver. Esse filme conta a história de um homem reduzido a um animal selvagem.

Vincent Gallo foi sua primeira escolha para interpretar Mohammed?
Sim. Eu estava em Cannes ano passado quando exibiram Tetro, de Francis Ford Coppola, que Gallo faz o protagonista. Após a sessão, ele passou por mim. Eu comentei que tinha um roteiro e se ele estava interessado em ler. Ele perguntou se estava comigo. Eu entreguei e em duas horas ele me ligou dizendo que queria muito fazer o filme. Comentou que seria um desafio e que morava em Buffalo, onde é muito frio. Ficou bastante empolgado. Esse entusiasmo até me preocupou, pois tinha receio que ele exagerasse no papel.

A interpretação de Gallo e a maneira que sua câmera dialoga com ele sugerem que vocês já eram amigos.
Nós já nos conhecíamos da vida social na Califórnia. E ele se encaixava perfeitamente nesse papel, pois tem uma postura bastante visceral. Seu jeito lembra até um animal se movendo. Acho que a relação entre ator e câmera tem que ser como um balé. É a minha maneira de trabalhar.

Teve muita improvisação?
Não teve muita improvisação. Eu escrevi com muita precisão, pois foi filmado em condições extremas. A temperatura era 35 graus abaixo de zero e Vincent Gallo tinha que caminhar descalço na neve. Nessas condições você não improvisa. Você simplesmente faz o que tem que fazer e vai embora.

Cenas do filme Essential killing

 
Como foi trabalhar mais uma vez com o fotografo Adam Sikora, Com que trabalhara em Quatro noites com Anna?
Foi muito bom. Já nos conhecíamos e por isso nossa comunicação era por gestos e olhares e não por palavras.

Emanuelle Seigner, atriz que está em Essential, é mulher de Roman Polanski com quem o senhor colaborou artisticamente no começo da carreira na estreia dele em Faca na água. O senhor mantém contato e colaboração artística com Polanski e com um decano e maestro do cinema polonês como Andrzej Wajda, para quem escreveu o roteiro e atuou em The inocent sorcerers? Gostaria de trabalhar de novo com ambos?
Sou grande amigo de Emanuelle. Conheço-a há mais de 20 anos. Sempre nos falamos sobre trabalhar juntos quando tivesse o papel certo. Quando estava pronto para filmar Essential, infelizmente Roman foi preso. Imaginei que ela gostaria de ficar de fora do filme. Cheguei a ligar para ela dizendo que entendia se ela decidisse não participar do projeto. E ela me disse o contrário. Era uma maneira de ficar de fora de toda a confusão envolvendo a absurda prisão de Roman. Sobre trabalhar com ele ou com Andrzej, cada um tem seus projetos pessoais. Nunca se sabe. Somos muito amigos e tudo é possível. Quem sabe eles podem me usar como ator.

Interessa-se por algum cineasta brasileiro?
Hector Babenco. É meu amigo e adoro seus filmes. Ele ficou muito feliz com os prêmios em Veneza: “Jerzy parabéns pelo prêmio. Isso prova que ainda existe espaço para o nosso trabalho” (risos).

O senhor disse que, se pudesse, só filmaria na Polônia, perto de casa. E se aparecesse um convite para fazer um filme no Brasil?
Se o tema envolvesse o Brasil e aqui fosse o lugar certo para filmar, lógico que viria. Essa é a minha primeira vez no Brasil e estou adorando. Tem um ótimo clima. As pessoas são muito amigáveis e o país é bastante casual.

E a perda do amigo o ator Dennis Hopper, que faleceu esse ano?
Dennis foi uma perda irreparável. Era um ótimo amigo e um grande ator. E cada vez mais essa geração vai desaparecer. Mas ainda temos representantes. Pessoas fortes como o Roman, que passou por uma enorme dificuldade. Uma injustiça.

Sobre a retrospectiva no Brasil, vão ter raridades entre os filmes do senhor que passarão nesta homenagem: Rysopis, Walkower e Bariera. Há quanto tempo o senhor não vê estes filmes?
Assisti a esses filmes há muito tempo atrás. Tem uns vinte anos que não os vejo. Uma mostra é sempre uma oportunidade para quem não assistiu.

Bariera é um filme de uma liberdade extraordinária que ecoa o melhor do cinema dos anos 1960 da Europa, como Godard, Resnais, Fellini e Antonioni. Há uma atmosfera de fábula, de dança, de sonho.
É uma parte da nouvelle vague. Nos anos 60, em toda a Europa estávamos fazendo filmes assim. Em todo festival que eu ia, encontrava os mesmos realizadores e conversávamos.

Deep end está fazendo 40 anos de lançamento e está fora de circulação há muitos anos. Apareceram boatos sobre um lançamento especial em DVD por esses 40 anos. O que o senhor sabe disto?
A Bavarian Studios estará lançando em uma edição recheada de entrevistas comigo, o elenco e diversos membros da equipe técnica. Talvez até o músico Cat Stevens participe, pois ele fez a trilha sonora.

Como foi trabalhar como ator em Senhores do cirme, de David Cronenberg?
Foi maravilhoso. David tinha um ótimo roteiro e um elenco fabuloso. Eu trabalhei com Viggo Mortensen e Naomi Watts. Foi um prazer trabalhar com essas pessoas.

Depois de ter morado tantos anos nos EUA qual sua opinião sobre o cinema de Hollywood?
Eu não sou um homem de Hollywood. Meus dois últimos filmes foram feitos na Europa. E talvez nunca mais volte lá para morar. Para ser honesto, eu assisto a poucos filmes. Quando a Academia me envia todos aqueles filmes para assistir, já que sou membro, vejo alguns. Atualmente, o cinema não me dá tanto prazer. E foi por isso que meus dois últimos filmes são bem diferentes do normalmente se vê nas telas.
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REPORTAGEM POR : Mario Abdabe Especial para o Correio
FONTE: Correio Braziliense online, 30/09/2010

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