sábado, 18 de setembro de 2010

Sensibilidade artificial

Imagem da Internet

Americanos criam pele eletrônica capaz de perceber pequenas mudanças de pressão.
 Invento pode revolucionar a área da robótica e,
num futuro mais distante, ajudar na fabricação de próteses
que deem a sensação de tato a pacientes amputados

Lavar pratos, arrumar e limpar a casa, cozinhar e deixar as crianças prontas para a escola eram as funções da incansável empregada doméstica Rose — do desenho animado futurista Os Jetsons. Não é à toa que ela passou a ser o sonho de consumo das donas de casa a partir da década de 1960, quando o desenho começou a ser exibido. Agora, em pleno século 21, a tecnologia para tornar real um robô faz-tudo existe, mas a indústria precisa resolver um detalhe crucial: prover a máquina de tato, sentido crucial para realizar algumas tarefas manuais.
Agora, um estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Berkeley pode resolver esse problema. A equipe de cientistas conseguiu criar uma malha de nanofios flexível, com alto nível de sensibilidade, capaz de detectar o peso de uma mosca e de medir pequenas mudanças de pressão. A conquista abre caminho para o desenvolvimento de um novo tipo de pele artificial para uso em robôs e, no futuro, também em humanos.
O material, batizado de e-skin (abreviação da expressão electronic skin, ou pele eletrônica), é o primeiro feito de semicondutores inorgânicos cristalinos, que ajudaria a superar um dos principais desafios na área da robótica: adaptar a quantidade de força necessária para manter e manipular uma grande variedade de objetos.
A malha é constituída de nanofios de germânio e silicone enrolados em um filme pegajoso de poliamida. Sobre essa estrutura, os cientistas instalaram nanotransistores, recobertos por uma borracha flexível e sensível ao toque. O protótipo, com 49cm², consegue detectar pressões que variam entre 0 e 15 quilopascals, o equivalente à força usada em atividades cotidianas, como digitar no computador ou segurar um objeto. “O objetivo era criar um sistema de material que poderia obter função semelhante à pele humana, sendo capaz de detectar o toque”, disse ao Correio, por e-mail, Ali Javey, professor de ciências da computação e chefe da equipe de pesquisa.
Segundo o cientista, embora importantes obstáculos ainda precisem ser superados, a pesquisa avança para a substituição dos desajeitados braços robóticos e artificiais da atualidade para versões mais inteligentes e sensíveis ao toque. “Se imaginarmos um robô capaz de tirar a mesa, por exemplo, precisaríamos ter certeza de que ele não quebrará os copos durante a tarefa. Da mesma forma, também gostaríamos que o robô fosse capaz de lavar a louça, sem quebrá-la, e manipular alimentos”, acrescentou.

Em humanos

Os objetivos a longo prazo envolvem a aplicação da e-skin para próteses, permitindo que pacientes que tiveram algum membro amputado possam voltar a ter a sensação do tato na área do corpo afetada. “É uma meta que está longe, pois requer avanços significativos na integração de sensores eletrônicos com o sistema nervoso humano. Por agora, criando a pele flexível e maleável para a robótica, será o suficiente”, afirmou ao Correio Kuniharu Takei, coautor do estudo, publicado esta semana na revista especializada Nature.
Já houve tentativas anteriores de desenvolver uma pele artificial, porém utilizando materiais orgânicos — flexíveis e mais fáceis de serem processados. “O problema é que os materiais semicondutores orgânicos são pobres, o que significa que dispositivos eletrônicos feitos a partir deles muitas vezes exigem altas voltagens, maiores de 10 volts, para que seus circuitos funcionem”, disse Javey.
Os materiais inorgânicos como silício cristalino, por sua vez, têm excelentes propriedades elétricas e podem operar em baixa potência, de cerca de 2 a 3 volts. Além disso, afirma o chefe do estudo, também são quimicamente mais estáveis, mas, historicamente, têm se mostrado inflexíveis e fáceis de quebrar. “Nesse contexto, trabalhos de vários grupos, incluindo o nosso, têm mostrado que fitas ou fios miniaturizados de materiais inorgânicos podem ser feitos para que sejam altamente flexíveis, ideais para sensores eletrônicos de alta performance”, explicou.
Para fabricar a pele eletrônica, inicialmente, a equipe da Califórnia cultivou nanofios de germânio e silício com espessura nanométrica (bilionésimos de metro) em um tambor cilíndrico. Em seguida, o tambor foi rolado em um substrato pegajoso, constituído de um filme de poliamida. “Mas pode ser formado a partir de diversos materiais, incluindo outros plásticos, papel e vidro”, observou Javey.
À medida que o tambor rolava, os nanofios eram depositados no substrato de maneira ordenada, formando a base a partir de folhas finas e flexíveis de materiais eletrônicos. Os pesquisadores, então, imprimiram os nanofios em matrizes quadradas com 18 por 19 pixels, medindo 7cm cada lado. Cada píxel contém um transistor feito de centenas de nanofios semicondutores. “Os transistores foram integrados sob uma borracha sensível à pressão, conferindo a funcionalidade sensorial”, disse Takei.
A matriz precisou de menos de 5 volts de eletricidade para funcionar e manteve seu rendimento após ser submetida em testes a mais de 2 mil ciclos de dobras. “Essa é a primeira integração de nanofios em macroescala de materiais ordenados para um sistema funcional — nesse caso, uma pele eletrônica”, informou Takei. Por enquanto, a pele eletrônica mais parece um quadrado, uma grade amarela.

"Se imaginássemos um robô capaz de tirar a mesa, por exemplo,
precisaríamos ter certeza de que ele não quebraria os copos durante a tarefa.
Da mesma forma, também gostaríamos que o robô fosse capaz de
lavar a louça sem quebrá-la e de manipular alimentos”
Ali Javey,
professor de ciências da computação e
chefe da equipe de pesquisa
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Reportagem por Silvia Pacheco
Fonte: Correio Braziliense online, 18/09/2010

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