Célia Siqueira Farjallat*
Acredito que a interpretação das fábulas deveria ser matéria obrigatória nas escolas, nos parlamentos, nos palanques, nos simpósios e congressos. “Sirvo-me das fábulas para ensinar os homens”, dizia La Fontaine, quando dedicou o primeiro livro de suas Fábulas ao Delfim da França. Não garanto que tenha ajudado a corrigir o filho de Luís XIV, nem outros homens em todos os tempos. Mas, vale a pensar tentar...
Penso que o homem precise de lições para se corrigir. Precisa levar grandes sustos e se apavorar. Mas, alguma coisa sempre fica na mente humana, após a compreensão de algumas historinhas de bichos. Vejam, como exemplo, a fábula da raposa e do corvo. Por sinal, o corvo é lembrado muitas vezes, em debates políticos. Mas, este pássaro tão feio, até que é útil e simpático. E, há um poema de Edgar Allan Poe, The Raven, que é belíssimo.
Na fábula, a ave negra e feia, empoleirada em alta árvore, abriu o bico, para exibir a voz, e deixou cair o pedaço de que a raposa logo abocanhou. Não seria este um meio simples e prático de destronar aves agourentas, e ainda por cima, vaidosíssimas? Bastaria elogiar-lhes o porte principesco, as performances atléticas, a voz sedutora, prometendo mundos e fundos, e de quebra, o céu também. E o corvo, isto é, o herói, abriria o bico para exibir o crocitar medonho, e a situação estaria resolvida.
Quem sabe, lendo e interpretando La Fontaine, Esopo e outros fabulistas, os poderosos senhores agiriam como aquele cão magérrimo, que, conversando com o colega gordo e roliço, mas com marcas de escravidão, deixadas pela coleira no pescoço pelado, haveriam de preferir continuar livres e sem dono? A opção é difícil. Exige deixar mordomias e favores, mas também permite valores mais positivos.
Há nas fábulas exemplos curiosos, como nas histórias de lobo e do cordeiro, da gralha vaidosa, enfeitada de penas de pavão; da cigarra e da formiga, todas ajudando a humanidade e a viver melhor, ou, ao menos, a rir-se da tolice humana.
Sempre achei a fábula uma lição de vida, às vezes, até uma lição maquiavélica, como na história do jumento, da cabra e da ovelha, em sociedade com o leão (alto dirigente, não paga imposto); na fábula do lobo e do cordeiro, que ensina como os poderosos lançam a culpa nos fracos. Imperdível a fábula do lenhador e da cobra. O homem, ingenuamente, salva uma cobra de morrer congelada. A ingrata, sentindo-se forte, paga o bem com o mal. Quer ferir mortalmente o lenhador, que com o seu machado, consegue matá-la.
Maravilhosa é a historinha da galinha dos ovos de ouro. Uma camponesa avarenta não se contenta com um ovo por dia, botado por sua galinha de estimação. Queria enriquecer-se logo. E, degola a bichinha. Vê-se arrependida, pois por dentro ela era uma galinha igualzinha às outras.
Não posso garantir que os nossos políticos tenham lido, um dia as Fábulas de La Fontaine, e tenham conseguido assimilar um pouco daquela sabedoria disfarçada em façanhas de animais. O que sei é que não se aprende mais grego, nem latim e nem francês, nas salas de aula. Sei também que nossos políticos não gostam de ler, e um deles, empoleirado nas alturas, se elogia por nunca ter um lido um livro!
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* Célia Siqueira Farjalatt, cronista do Correio.
Fonte: Correio Popular online, 17/09/2010
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