Um especialista americano diz que a solução
para o aquecimento global é modificar o clima
Marina Franco
O debate sobre realizar grandes projetos para consertar artificialmente o clima da Terra ganhou força nos últimos meses. Um dos responsáveis por isso é o jornalista americano Jeff Goodell. Ele fez um dos levantamentos mais completos dos riscos e das vantagens de ideias ousadas, como envolver o planeta em uma película refletora de luz ou jogar minério de ferro nos oceanos. Em seu livro, How to cool the planet (Como esfriar o planeta), ele conta algumas dessas estratégias mirabolantes, apelidadas de geoengenharia. E diz que talvez tenhamos de recorrer a algumas delas para evitar as piores consequências das mudanças climáticas, já que reduzir as emissões poluentes parece política e economicamente tão complicado.
ÉPOCA – A geoengenharia é tratada com desdém por muitos cientistas por causa de ideias consideradas mirabolantes. É possível levá-la a sério?
Jeff Goodell – O objetivo da geoengenharia faz sentido: reduzir a quantidade de radiação solar que chega à Terra para impedir que o planeta continue esquentando. Vale explorar a aplicação dessas tecnologias porque elas são o único caminho para baixar a temperatura do planeta rapidamente – ainda neste século. Mas é claro que algumas ideias que surgem dentro dessa lógica são bastante malucas mesmo.
ÉPOCA – Quais são os piores planos que o senhor já ouviu?
Goodell – Uma pessoa sugeriu despejar no Oceano Ártico milhões de toneladas daqueles cereais que comemos no café da manhã. Eles ajudariam a refletir os raios solares e impediriam o aquecimento das águas. Outra opção seria cobrir a superfície dos oceanos com isopor ou plástico para refletir a luz do sol. Ideias como essas prejudicariam a vida marinha e, por isso, não poderiam ser colocadas em prática. Já pensaram até em lançar uma bomba nuclear na Lua.
ÉPOCA – Por que atacar a Lua frearia as mudanças climáticas?
Goodell – A explosão espalharia poeira lunar no espaço, criando uma barreira para refletir os raios solares que chegam à Terra. Alguns cientistas muito respeitáveis defendem outra ideia desse filão espacial: construir um espelho muito fino na órbita da Terra e instalar nele uma janela. Ela seria ajustável, de acordo com a quantidade de luz e calor que quiséssemos que chegasse ao planeta.
ÉPOCA – Há alguma ideia de geoengenharia com chances de ser colocada em prática?
Goodell – Uma das ideias que mais me agradam é lançar na estratosfera, a 50 quilômetros de altura, partículas cuja superfície consiga refletir os raios solares. Barrar até 2% da radiação que chega à Terra já seria suficiente para conter o aquecimento do planeta. Canhões e até foguetes poderiam espalhar essas partículas pelo espaço. Fala-se até em construir grandes tubulações no Ártico, que enviariam essas partículas ao espaço. O problema é que colocar ideias como essa em prática custaria bilhões de dólares. E ninguém sabe como torná-las viáveis.
ÉPOCA – Não é um sinal de que as propostas da geoengenharia são inexequíveis?
Goodell – Essas ideias podem se provar todas ruins no futuro. Mas ainda não fizemos pesquisas e testes suficientes para saber. Até hoje, uma única proposta chegou a ser testada: jogar minério de ferro nos oceanos. O ferro é um micronutriente importante para o desenvolvimento do fitoplâncton, as algas microscópicas que são a base da cadeia alimentar marinha. Elas fazem fotossíntese como todas as plantas e, portanto, absorvem gás carbônico, impedindo que ele fique na atmosfera. É um método para capturar gás carbônico da atmosfera, que retém a radiação solar e contribui para o aquecimento do planeta.
ÉPOCA – Se esse método já foi testado, por que não está sendo usado?
Goodell – Quando se trata de resfriar o planeta em larga escala, não conseguimos dimensionar as consequências. Ainda há um longo caminho pela frente até descobrirmos exatamente o impacto de cada uma dessas ações. É muito perigoso mexer com o equilíbrio natural.
"A geoengenharia é comparável às armas nucleares.
Por causa dos riscos, precisamos de um órgão
que decida quem poderá usá-la"
ÉPOCA – Quais são os riscos?
Goodell – Quem sabe onde iria parar o carbono absorvido pelo fitoplâncton? Há a possibilidade de esse carbono entrar na cadeia alimentar e ficar retido lá, não voltar para a atmosfera. A alga serve de alimento para um peixe, que serve de alimento para outro peixe maior, e assim por diante. Mas também há o risco de essas algas apodrecerem e liberarem o carbono de volta para a atmosfera. E, se nós estimularmos um crescimento em massa dessas plantas, essa liberação será em uma escala ainda maior. No projeto que defende jogarmos partículas refletoras na atmosfera, essas partículas podem mudar o padrão de formação das chuvas. Isso teria um impacto profundo na produção de alimentos.
ÉPOCA – Se a geoengenharia pode ter impactos tão difusos no meio ambiente, quem vai regular quais técnicas um país pode ou não usar para não afetar todo o planeta?
Goodell – Esse é um dos grandes desafios: quem vai decidir como, quando e onde aplicar geoengenharia? Ela é comparável às armas nucleares, que são objeto de acordos internacionais que regulam quais países podem ter ou não essa tecnologia. Por causa dos riscos da geoengenharia, precisamos criar um órgão que decida quem poderá usá-la.Não adiantará simplesmente proibir sua aplicação. Seu uso é inevitável. Teremos de reprojetar o planeta.
ÉPOCA – Por quê?
Goodell – Depois de 20 ou 30 anos de estudos científicos sobre o aquecimento global, não fizemos nada para reduzir nossas emissões. O mundo não vai parar tão cedo de queimar carvão, um dos combustíveis que mais emitem gás carbônico, o principal causador do efeito estufa. Também não vamos conseguir desenvolver a tempo tecnologias que tornem o carvão menos poluente ou que capturem e enterrem o gás carbônico produzido para gerar energia. Isso significa que não vamos cortar emissões rápido o suficiente para evitar os piores impactos das mudanças climáticas.
ÉPOCA – Usar a geoengenharia para combater o aquecimento global não será apenas somar mais um complicador ao problema?
Goodell – Se os países resolverem usar apenas geoengenharia para frear o aquecimento do planeta, será uma tragédia. A geoengenharia não substitui o corte de emissões e tem impactos perigosos. Deve ser usada somente como último recurso. Não apoio que essas ideias sejam colocadas em prática imediatamente. Acredito que precisamos estudar muito esses projetos porque podemos acabar tendo de usá-los. O que estamos fazendo agora, ao despejar bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera todo ano, também é muito perigoso. Já estamos interferindo profundamente na atmosfera e no clima da Terra.
QUEM É
Jornalista, nasceu em 1960, na região do Vale do Silício, na Califórnia, berço de indústrias de tecnologia
O QUE FAZ
É editor contribuinte da publicação americana Rolling Stone e colaborador do jornal The New York Times
O QUE PUBLICOU
É autor do recente How to cool the planet e de outros quatro livros sobre tecnologia e meio ambiente, sem tradução no Brasil: Big coal (2006), Our story (2002), Sunnyvale (2000) e The cyberthief and the samurai (1996)
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FONTE: Revista ÉPOCA online, 23/09/2010
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