quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Quanto ter para ser feliz?

Economistas de universidade norte-americana concluem que o aumento da renda traz mais satisfação pessoal, mas só até certo ponto. Especialistas alertam para perigo de associar felicidade apenas aos bens materiais


Oswaldo Reis/Esp. CB/D.A Press
Márcia e Wellington, com os filhos, Bruno e Breno:
“Somos felizes”


Wellington e Márcia Dias se conheceram em 1996. Mesmo tendo apenas 19 anos e ainda estarem no ensino médio, os dois se casaram naquele ano. Foram tempos de muito trabalho. Ele era office boy e ela, recepcionista. Hoje, 14 anos depois, ele é gerente de contas de uma empresa de telefonia e ela, analista de finanças. Com os novos empregos, vieram o aumento da renda da família e uma nova forma de ver a vida. “Atingimos nosso objetivo e somos felizes”, diz Márcia.
Não é exagero da analista falar que maiores salários vieram acompanhados de felicidade. Um estudo de dois pesquisadores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, publicado recentemente na revista Proceedings of the National Academy of Science, mostra que há sim uma relação entre renda e nível de satisfação pessoal. Daniel Kahneman e Angus Deaton analisaram as respostas de mais de 450 mil americanos com a ajuda da organização Gallup. As perguntas procuravam descobrir a satisfação apresentada por cada participante. O resultado: a felicidade aumentava proporcionalmente à renda, mas até certo ponto. Parava de crescer quando as pessoas tinham um ganho igual ou maior que US$ 75 mil anuais.
No caso de Wellington e Márcia, cuja renda no começo do casamento era pequena, os ganhos viraram conquistas importantíssimas, como a possibilidade de ter filhos e criá-los bem e uma casa própria. Depois de morar anos na casa da mãe do gerente de contas e economizar cada centavo, o casal vive com os filhos Bruno, 9 anos, e Breno, 5, em um apartamento do Sudoeste. “O que a gente planejou, a gente construiu. Conseguimos estudar, ter filhos, trabalhar e juntar dinheiro para uma vida melhor. Enfim, somos felizes”, contam.
No entanto, como o estudo dos americanos apontou, se a renda dos dois continuar aumentando, isso não vai garantir que eles se sintam cada vez mais felizes, infinitamente. “Altos salários não trazem a felicidade, mas dão uma vida que você pensa que é melhor”, afirma, por meio de sua assessoria, Kahneman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2002. Ou seja, ganhar muito dinheiro proporciona uma vida mais confortável, mas não garante que ela seja completamente feliz. A economista da Universidade de São Paulo Vera Rita de Mello não se surpreende com o resultado da pesquisa: “Você pode ser infeliz se faltar muito dinheiro, mas o oposto não é garantido”, diz.

Realização

O estudo de Kahneman e Deaton traz novos dados ao antigo debate sobre a relação entre bens materiais e satisfação pessoal. Para o professor de filosofia da Universidade de Brasília (UnB) Ubirajara Calmon, a felicidade é o equilíbrio entre o sentir e o ter. “Ser feliz seria a realização plena das necessidades da natureza humana”, define. E essas necessidades vão muito além do dinheiro.
Por isso, dizem os especialistas, existe um risco sério em associar a felicidade ao que se possui e embarcar em uma onda de consumo exagerado. “A nossa satisfação pessoal e social está muito vinculada ao consumo. Claro que é bom ter, mas dizer que estamos todos ótimos nessa fúria consumista soa estranho”, ressalta Vera Lúcia. O economista Otto Nogami acredita que o consumo gera uma eterna busca por satisfação. “Nesses casos, somos eternos insatisfeitos, com felicidades pontuais”, sentencia.
Não é de se estranhar, portanto, que mesmo pessoas que têm suas necessidades financeiras realizadas sintam vontade de se envolver em projetos que tragam novo sentido à vida. O estudante de desenho industrial Henrique Eira tinha tudo o que um jovem de 22 anos, em teoria, poderia querer: aluno de uma universidade pública, morava em um bairro de classe alta, tinha carro, emprego e já havia realizado várias viagens ao exterior. Mesmo assim, ele queria se dedicar a projetos que lhe parecessem mais recompensadores, algo que ele foi buscar no Peru.
Desde o ano passado, depois de trancar a universidade, o jovem partiu para a região de Trujillo, onde ensina fotografia a um grupo de adolescentes de baixa renda da região. Com as fotografias, os alunos criam produtos para vender, como cartões portais e calendários. Dinheiro é mais importante que felicidade? Henrique discorda. “Acredito que sou e serei mais feliz se perseguir as coisas de que mais gosto de fazer e que podem fazer alguma diferença para os outros”, diz.
Calmon, da UnB, faz coro com o jovem ao discordar que a posse é sinônimo de felicidade. Então, qual seria o caminho para ser feliz? O filósofo diz que não há um só, mas deixa a dica: “A felicidade é um conceito evolutivo, está sempre mudando com o passar das civilizações. A felicidade está em construção”.

A verdadeira felicidade está na própria casa, entre as alegrias da família”
León Tolstoi

“Na plenitude da felicidade, cada dia é uma vida inteira”
Johann Goethe

“Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho”
Mahatma Gandhi

“A felicidade nada mais é que o sentimento de potência, o poder em potência, a própria potência”
Friedrich Nietzsche

“Felicidade é ter o que fazer, ter algo o que amar, e algo o que esperar”
Aristóteles

Cuidados com as dívidas

Pelas conclusões de Kahneman e Deaton, o Brasil está vivendo um considerável salto em seu nível de felicidade. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 30 milhões de brasileiros saíram das classes D e E e chegaram à C entre 2003 e 2008. Ou seja, passaram a ter renda familiar mensal entre R$ 1.115 e R$ 4.807. “O brasileiro se privou de muitas vontades, por isso, agora, ele ainda está preenchendo sua caixa de desejos”, avalia o economista Otto Nogami.
A melhora no padrão de vida dos brasileiros, mesmo sendo uma notícia muito boa, traz algumas preocupações para os especialistas. Nogami ressalta que o risco de as pessoas se entusiasmarem com o aumento de renda é fazerem dívidas que não podem pagar. “A pessoa não quer mais um carro que sirva para a locomoção. Primeiro o carro zero, depois o carro maior. Insatisfeita, vai querer o carro de luxo. E não para aí: ainda vai querer o importado”, exemplifica.
“Quanto maior a renda, maior o acesso ao crédito. As pessoas ficam expostas a grupos de consumo maior, onde podem querer entrar. É aí que mora o perigo”, alerta Vera Rita de Mello, da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, quando o aumento de renda é gradual, há mais chance de as finanças darem certo. “Com um aumento gradativo, é mais fácil a pessoa se organizar para saber o que fazer com essa renda nova”, explica.
_________________________
Fonte: Correio Brasiliense online, 29/09/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário