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O economista americano Robert Costanza defende
que as pessoas consumam só o necessário.
O motivo?
Poupar os recursos naturais da Terra
O americano Robert Costanza é um dos pais da economia ecológica. Foi ele o primeiro cientista do mundo a atribuir valores à natureza. Em 1997, junto de colegas da academia, publicou na revista Nature um estudo que estimava o preço dos bens ecológicos: em torno de US$ 33 trilhões (cerca de US$ 45 trilhões nos dias atuais). Criar um valor financeiro para a biodiversidade é o melhor caminho para que empresas, comunidades, governos e organismos internacionais entendam, com clareza, a urgência de proteger o meio ambiente e usar seus recursos com cautela. É uma maneira eficaz de responsabilizar quem desperdiça e premiar quem conserva.
Costanza é hoje professor de sustentabilidade da Universidade de Portland. Defende que o sucesso das economias não deve ser medido pelo valor do Produto Interno Bruto (PIB), que contabiliza apenas as riquezas materiais geradas. Acha que é necessário descontar desses ganhos os gastos com a poluição do ar, os resíduos, a destruição da floresta. A métrica ideal seria o chamado GPI (Indicador Genuíno de Progresso, na sigla em inglês). Em entrevista à Época, Costanza explica por que a biodiversidade e os serviços dos ecossistemas são cruciais para nossa sobrevivência. E afirma que a sociedade precisa consumir menos se quiser salvar o planeta.
ÉPOCA - Por que a biodiversidade é importante?
Robert Costanza - A biodiversidade é a estrutura dos ecossistemas. É o nosso capital natural. É importante por muitas razões. O capital natural fornece uma ampla gama de valiosos serviços dos ecossistemas, sem a qual a humanidade não poderia sobreviver.
ÉPOCA - As pessoas tendem a acreditar que ajudar a biodiversidade é salvar o tigre de bengala. Como mostrar a elas que os animais, as plantas e os serviços prestados pela natureza afetam diretamente suas vidas?
Costanza - Nós estamos começando a compreender melhor as conexões entre a complexidade dos ecossistemas e o bem-estar humano. Caracterizar e quantificar essas conexões pode ajudar as pessoas a entender a biodiversidade. Os moradores da Louisiana agora compreendem o papel dos pântanos costeiros na prevenção de tempestades. Nós estimamos que o valor total dos serviços ecossistêmicos de todo mundo é maior que o PIB global.
ÉPOCA - O senhor foi um dos primeiros a calcular os prejuízos da destruição da natureza. Como se faz esta conta?
Costanza - Existem vários métodos diferentes. Um das mais simples de entender é o do custo evitado. Por exemplo, se nós perdemos as zonas úmidas costeiras, os danos com as tempestades vão ser maiores.
ÉPOCA - Medir essas externalidades é mais complexo, por exemplo, que avaliar os impactos das mudanças climáticas, cujos reflexos são claros. Isso não desacredita o cálculo?
Costanza - Não, esses cálculos sempre são aproximações.
ÉPOCA - Há alguém pagando por esses prejuízos?
Costanza - Todos nós já estamos pagando por esses prejuízos. Mas de uma outra maneira, não apenas em dinheiro.
ÉPOCA - Um relatório recente da consultoria McKinsey coloca a biodiversidade como a próxima questão das empresas. Na vida real, as companhias já colocam a biodiversidade na planilha de custos e oportunidades?
Costanza - Ainda não, mas espero que este dia ainda chegue.
ÉPOCA - Quem mais perde com a destruição da natureza?
Costanza - Todos nós vamos perder, especialmente as gerações futuras.
ÉPOCA - O senhor acredita que o modelo econômico atual está chegando ao fim?
Costanza - O atual modelo econômico não pode sobreviver. Um modelo baseado em um desenvolvimento sustentável é o que precisamos agora.
ÉPOCA - Para diminuir o impacto ambiental, o senhor acredita que as pessoas terão para consumir menos?
Costanza - Sim, mas eles podem ser mais felizes e melhores em um sentido verdadeiro.
ÉPOCA - Como nós podemos ser mais felizes, comprando menos?
Costanza - Temos que rever nossos objetivos para focar em uma noção de bem estar mais sustentável. Não é para ninguém deixar de comprar itens importantes para seu conforto. Mas para abrirmos mão do que não tem significado. Muito do nosso impulso de consumo é motivado por necessidade material, mas pela competição e pela rivalidade. As pessoas não precisam de casas imensas por razões físicas.
ÉPOCA - Por que elas compram, então?
Costanza - É porque seus pares, como os parentes, vizinhos e colegas, têm casas grandes e ninguém quer se sentir inferior. Assim, as pessoas entram em uma espécie de corrida armamentista. Precisam de carros maiores e mais velozes. Simplesmente porque os outros têm. Não porque isso contribua para o bem estar. Se todos tivessem casas e carros menores, poderíamos ser tão felizes quanto já somos. Mas teria que ser um movimento social, não poderia ser algo que você faça individualmente. Isso requer algum incentivo do governo. As pesquisas indicam que as sociedades que ganham mais dinheiro não são necessariamente mais felizes.
ÉPOCA - Como assim?
Costanza - Se você comparar os níveis de renda per capita com satisfação de vida de vários países, você vê uma curva. Até certo ponto, quanto mais alta a renda, maior a satisfação. Mas, a partir de certo ponto, os dois não crescem juntos. A renda continua aumentando. Mas a satisfação não pára de aumentar. Consumo adicional não resulta em mais felicidade nem melhora da sensação de bem estar. Esse argumento significa que nós poderíamos mudar alguns dos padrões de consumo de sociedades ou mesmo indivíduos que estão acima da curva sem afetar o nível de felicidade deles. Na verdade, a felicidade poderia até aumentar porque, sem a preocupação de trabalhar para ter mais e mais dinheiro, sobra tempo para o lazer, para ficar com a família, e se dedicar a pequenos atos prazerosos. Alguns trabalhos de psicologia mostram que indivíduos mais materialistas tendem a ter níveis mais altos de doenças físicas e mentais. Eles são mais estressados. Não são felizes da mesma forma que pessoas mais desapegadas.
ÉPOCA - Todos nós queremos ser cada vez mais felizes. Por que consumimos se isso não nos dá felicidade?
Costanza - Eu acho que isso é encorajado pelo sistema. As corporações precisam aumentar seus lucros produzindo cada vez mais. Seria difícil uma pessoa superar esse vício. É como qualquer outra dependência. Enquanto você puder consumir aquela droga ou continuar comprando produtos que não precisa, tudo parece bem.
ÉPOCA - Essa proposta tem algo de socialista?
Costanza - Não necessariamente. Depende do jeito que você interpreta. O socialismo, o comunismo ou o capitalismo, todos focam em extração excessiva dos recursos naturais e medem o bem estar a partir de renda ou bens, e não da felicidade. O que nós estamos falando diz respeito mais à base do ser humano. As pessoas não estão congeladas dentro desses modelos econômicos convencionais. A Margaret Thatcher (ex-primeira-ministra britânica) disse uma vez que “não existe essa coisa de sociedade”. Ela estava errada. A vida comunitária é a principal fonte de bem estar humano. Precisamos resgatar algo do comportamento de nossos antepassados, que valorizavam mais a convivência com a família e os vizinhos que a aquisição de bens.
ÉPOCA - Como o senhor defende essas idéias nos EUA, uma sociedade que valoriza a privacidade, os direitos individuais, a liberdade de escolha e outros conceitos individualistas?
Costanza - Acredito que gente é gente, em qualquer lugar. Eles reconhecem que esse hiperindividualismo não leva ao bem estar em longo prazo. É um perfil que foi muito vendido para os americanos, mas não acho que as pessoas se encaixem nele, no fundo. Nas pesquisas científicas sobre a felicidade, as pessoas afirmam que ficam mais felizes ao dar coisas do que ao pegá-las para si.
ÉPOCA - A indústrias, com o desenvolvimento tecnológico, conseguem oferecer produtos de que nos atraem e fornecem mais conforto. Por que mudar isso?
Costanza - Acho que a publicidade faz muito bem o papel despertar o desejo pelo consumo excessivo de produtos materiais e produtos que (supostamente) te farão mais satisfeito e feliz. Todos sabem que não é bem assim. Existem algumas coisas das quais que você precisa, e está tudo bem quanto a isso, até um certo nível. Mas além desse limite, o consumo se torna mais instrumento de marcação de território social e não para satisfazer suas necessidades pessoais. Existem outras formas de ser feliz.
ÉPOCA - Por que a tecnologia não poderia nos salvar da restrição dos recursos naturais?
Costanza - A tecnologia é como o mercado: é um bom serviçal, mas um mau mestre. Devemos decidir o que queremos e desenvolver a tecnologia que nos ajudará a alcançar esses objetivos. Ao invés de deixar a tecnologia seguir o mercado para onde ele a levar. Porque isso pode ser muito perigoso.
ÉPOCA - Mas você se sente feliz quando compra um carro novo, um celular, apartamento maior...
Costanza - Sim, mas essa felicidade é momentânea. A tendência é que se acostume com aquilo. Por quanto tempo você pode ficar feliz por causa de um carro novo? Pode ser por uma semana, talvez duas e depois disso é só um carro. É como comer junk food. Você não pode viver de uma dieta de batatas fritas e hambúrguer. Precisa de algo mais substancioso e saudável. E é aí que entra o consumo de coisas que realmente importam, sustentáveis e que não ultrapassam o tamanho da nossa necessidade.
ÉPOCA - O senhor é religioso?
Costanza - Não se você estiver falando de religião no sentido de uma organização. Mas eu acredito que as coisas estejam interconectadas, que existam fortes relações entre pessoas e a natureza. Não sei se isso é religião ou não.
ÉPOCA - Pessoas com valores espirituais fortes, práticas espirituais e crenças fortes seriam menos consumistas?
Costanza - Provavelmente. Acredito que por causa do senso de interconexão entre as coisas. Eles se veem como indivíduos isolados. Isso não maximiza o desejo de consumo. Eles veem a relação entre as pessoas e o resto da natureza. Eles não podem ser felizes tirando as coisas das pessoas e do resto da natureza. Você pode ser mais feliz sendo parte de uma comunidade.
ÉPOCA - Consumir menos não levaria a uma recessão?
Costanza - Ela já está acontecendo. Poderíamos usar essa recessão em curso como uma oportunidade para fazer a transição desse modo insustentável e indesejável de crescimento a qualquer custo por uma direção focada em qualidade de vida e sustentabilidade. Reduzindo nossa emissão de carbono, explorando fontes de energia renováveis, repensando na distribuição de renda e de tempo também.
ÉPOCA - Se nós comprarmos menos e produzirmos menos, não teremos menos emprego também?
Costanza - Não necessariamente. Eu acho que nós poderíamos até ter mais trabalho. Só que trabalhos diferentes. Não seria como hoje, que existem pessoas trabalhando 80 horas por semana e outras não trabalhando nada. O tempo de trabalho seria melhor distribuído. Algumas das sociedades mais felizes são aquelas que têm as menores jornadas de trabalho.
ÉPOCA - Por exemplo?
Costanza - A França, a Escandinávia. As pessoas têm mais férias durante o ano, trabalham 32 horas por semana ao invés de 40, 60 ou 80 horas por semana. O PIB per capta deles pode ser menor do que o dos EUA, mas essa diferença não é significativa. Eles têm sistemas de saúde melhores, boa educação gratuita e outros fatores que contribuem para uma maior qualidade de vida.
ÉPOCA - Deveríamos chamar os hippies de volta?
Costanza - Bem, acho que existia algo ali sobre a rejeição do materialismo, e a intenção de focar mais na felicidade e no bem estar. Poderíamos pegar esses ideais e reformulá-las de um jeito diferente de acordo com um contexto diferente.
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Reportagem por Alexandre Mansur e Aline Ribeiro
Fonte: Revista ÉPOCA online, 18/09/2010
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