Thomaz Wood Jr.
O movimento da qualidade já conta mais
do que duas décadas.
Entretanto, para muitas empresas,
o cliente parece ainda ser pouco mais que
um mal necessário
Imagem do filme Um dia de Fúria, da Internet
No filme Um Dia de Fúria, o ator Michael Douglas interpreta o engenheiro William Foster. Desempregado, Foster vaga por Los Angeles, envolvendo-se em uma série de eventos violentos. Em uma cena marcante, o engenheiro entra em uma lanchonete fast-food e pede o café da manhã. A atendente, com um sorriso robótico, o informa que não pode servi-lo: Foster fizera o pedido dois minutos após a troca do cardápio de café da manhã para o de almoço. Em uma discussão tensa com a atendente e o gerente da loja, Foster pergunta se eles já ouviram a frase “o cliente tem sempre razão”.
O gerente responde que sente muito, mas são as regras da casa. Inconformado, Foster saca uma arma semiautomática, dispara-a acidentalmente para o alto e causa enorme tumulto na loja. Finalmente, consegue receber seu pedido. Porém, sente-se enganado, por causa da diferença entre o suculento sanduíche mostrado nas fotos das paredes do estabelecimento e o miserável pedaço de pão amolecido e disforme que lhe é servido.
A identificação da plateia com o personagem é imediata: quem nunca passou por experiência similar, frustrando-se diante de serviços decepcionantes e rostos sorridentes de atendentes de companhias aéreas, bancos ou empresas de telefonia? E quantos não sonharam com a possibilidade de uma “solução armada” para a situação?
Um Dia de Fúria foi lançado em 1993. Os anos 1990 foram marcados pela “descoberta do cliente”. Cronicamente voltadas para dentro e notando o aumento da competição, as empresas começaram a perceber que precisavam olhar para fora, entender melhor seus clientes e atender às suas necessidades. Então, vieram os gurus da qualidade, os livros com receitas obrigatórias e as consultorias com fórmulas infalíveis. “Melhorar a qualidade” e “atender o cliente” tornaram-se temas obrigatórios na agenda dos executivos.
As empresas industriais saíram na frente. O movimento tardou, mas chegou ao setor de serviços: empresas de telefonia, bancos e distribuidoras de eletricidade continuam sendo campeãs de reclamações não solucionadas no Procom, o serviço local de proteção ao consumidor, mas buscam agora opções para recuperar o cliente perdido. Naturalmente, as obras de fachada antecederam as mudanças estruturais e a pirotecnia dos prêmios, certificações e selos continuam tendo primazia.
No caminho para “encantar o cliente” – e manter a mão em sua carteira – muitas empresas chegam a extremos, criando serviços supérfluos que pouco contribuem para satisfazer o cliente e mantê-lo. Os pesquisadores Matthew Dixon, Karen Freeman e Nicholas Toman, em um artigo recentemente publicado pela Harvard Business Review, observam que a lealdade do cliente relaciona-se de forma mais forte com a capacidade de a empresa entregar o que prometeu do que com um atendimento excepcional. O que é pior, segundo os autores, é que “mandar o pessoal da linha de frente superar expectativas do cliente tende a gerar confusão, perda de tempo e esforço, além de mimos onerosos”. Dixon, Freeman e Toman aconselham as empresas a serem mais preventivas do que corretivas, a usar os problemas identificados para facilitar a vida do cliente e a preparar seus funcionários para lidar com o lado emocional da interação.
Mais difícil do que aperfeiçoar o trabalho de atendimento é alinhar os processos internos, vencendo o verdadeiro fosso que separa as empresas e seus clientes. De fato, nos castelos e em suas cercanias reina a desconfiança. Do lado de fora do fosso, fregueses de serviços de banda larga e de telefonia móvel desesperam-se com interrupções; clientes de bancos revoltam-se com cobranças inexplicáveis; e usuários de serviços de seguro-saúde inquietam-se com recusas para reembolsos. Do lado de dentro do fosso, muitas empresas de utilidades domésticas sonham com clientes sensatos, que não cometam insanidades com seus produtos; bancos e empresas de telefonia sonham com clientes ponderados e educados; donos de hotéis sonham com clientes civilizados, que não destruam suas instalações.
As empresas continuam olhando mais para dentro do que para fora, e nem sempre estão propensas a mudar o que fazem para atender o cliente. Clientes, por sua vez, são caprichosos, instáveis e, frequentemente, não têm ideia precisa do que estão comprando. Empresas e clientes vivem em suas zonas de conforto, atribuindo seus erros ao outro. Para muitos clientes, as empresas são gigantes insensíveis. Para muitas empresas, os clientes ainda são um mal necessário. No mundo do consumo, as forças da oferta e da demanda mantêm-se em desarvorado conflito.
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*Thomaz Wood Jr. escreve sobre gestão e o mundo da administração.
Fonte: Revista Carta Capítal online, 15/09/2010
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