domingo, 1 de maio de 2011

O fim do livro

Juremir Machado da Silva*




Volto a tranquilizá-los: o livro não vai desaparecer. É a escrita que vai acabar. Ela servia para armazenar (memória) e transmitir informações. Já se pode fazer isso só com imagens e áudio. A escrita está tecnologicamente superada. No futuro, o problema do analfabetismo estará ultrapassado. Seremos todos analfabetos. Tiririca é a nossa vanguarda. No mundo acadêmico, o livro em papel não faz mais sentido. É mais caro do que um livro eletrônico e não circula. Editoras e distribuidoras também perderam o sentido nesse campo. Basta colocar na rede o que foi produzido. Antes, julgava-se um livro pela dificuldade de publicá-lo ou pela reputação da editora. Agora, terá de ser só pela sua qualidade interna. Com que critérios de verdade? Pois é.
O grande problema hoje é o direito autoral. Uma editora compra os direitos de publicação de um autor europeu. Digamos, Bauman. Está na moda. Sai na Folha de S.Paulo. É o critério superior dos nossos intelectuais. A editora paga a tradução, a editoração, a impressão e tudo mais. Uma pessoa compra um exemplar, faz um scanner e põe na rede em nome do "direito de cópia" e da primazia da difusão do conhecimento. Alega que isso não afeta as vendas. Não mesmo? Por que comprar um livro que se pode ter gratuitamente e que pode ser lido em aparelhos cada vez mais agradáveis e práticos? Outro exemplo. Um autor assina um contrato com uma editora e depois disponibiliza seu livro na rede. Explica que vende pouco mesmo e que só queria a publicação para o seu currículo acadêmico. Condena o sistema de exploração capitalista do saber.
O que fazer? Como impedir a cópia? É justo tornar raro o que pode ser multiplicado ao infinito sem novos custos? O conhecimento acadêmico continuará sendo bancado por salários e bolsas de pesquisa. O que acontecerá com o escritor profissional? Se a sua obra pode ser copiada ao infinito, as editoras tirarão o time de campo. As livrarias fecharão. Os direitos autorais desaparecerão. O escritor voltará a ser um amador. Escreverá por prazer ou terapia ocupacional. Ganhará algum dinheiro com palestras. A maioria já tem outro emprego. Todos passarão à dupla jornada. Adeus à ilusão de viver de literatura, salvo como roteirista. Primeiro vai desaparecer o livro em papel. Junto, as editoras de impressos e livrarias. As distribuidoras já podem ir. É tempo de venda direta.
Depois, será vez da morte do escritor profissional. Por fim, acabará a escrita. É uma questão de custos e de tecnologia. Ela ainda permanecerá, a exemplo do papel, por algum tempo como vestígio arqueológico ou gosto de geração. Se não existe almoço grátis, também não existe livro grátis. Só que não queremos mais pagar por ele. Essa é a prova de que a tecnologia não é neutra. Ela muda o mundo independentemente do uso que fazemos dela. Talvez alguns autores recebam R$ 1,00 por cópia na Internet como incentivo para que continuem a produzir. É improvável. Afinal, por que pagar pelo que se pode ter de graça? É a vitória do ressentimento. A maioria jamais ganhou mesmo.
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*Sociólogo. Prof. Universitário. Colunista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo online, 30/04/2011
juremir@correiodopovo.com.br

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