“Lástima que cuando uno empieza a aprender el oficio de vivir ya hay que morir“ (pena que, quando a gente começa a aprender o ofício de viver já é preciso morrer). Sabato, que era marcado pelo intenso pessimismo, planejou o suicídio duas vezes. Mas, no fim das contas, prevaleceu sua vontade de viver. Morrer, dizia, é algo triste.
“Que horror é o mundo!”. O autor destas palavras, o escritor argentino Ernesto Sábato, morreu neste sábado de madrugada aos 99 anos de idade. No dia 24 de junho teria completado um século de existência. O criador de obras como “O túnel”, “Sobre heróis e tumbas” e “Um e o universo”, embora fosse um seguidor de um humanismo social como o de Bertrand Russel e Bernard Shaw, tendia à depressão ao estilo de Vincent Van Gogh e Antonin Artaud, também enfaticamente admirados pelo argentino.
O escritor – cuja profissão original foi a de físico nuclear – teve a marca do pessimismo nas últimas décadas de sua vida. No entanto, indicava que o planeta ainda tinha “chances”: “este século é atroz e terminará de forma atroz. A única forma de salvá-lo é pensar poeticamente”.
Com sua morte encerra-se a plêiade de escritores argentinos de fama internacional do século vinte como Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares e Julio Cortázar.
Sábato, vencedor do Prêmio Cervantes em 1984, estava há cinco anos praticamente recluso em sua casa no distrito de Santos Lugares, na zona noroeste da Grande Buenos Aires, onde residia há décadas.
Segundo sua secretária e amiga pessoal Elvira González de Fraga, há 15 dias uma bronquite complicou seu estado de saúde. “E essas coisas, nessa idade, são algo terrível”, lamentou ontem de manhã.
Coincidentemente neste domingo à noite, o autor de “Abadón, o exterminador”, que havia nascido na cidade de Rojas, na província de Buenos Aires em 1911, seria homenageado em uma conferência na Feira do Livro de Buenos Aires com a exibição de um documentário feito por seu filho, o cineasta Mario Sábato.
Uma de suas últimas aparições em público foi em 2004 no Congresso da Língua na cidade de Rosário. Ali, o português José Saramago, o definiu de “autor trágico e eminentemente lúcido ao mesmo tempo”. Sábato ficou mudo, chorou e depois abraçou Saramago.
Ontem de manhã, ao saber da morte de seu amigo, a escritora Maria Rosa Lojo destacou que Sábato “foi uma grande influência, que ia mais além da literatura”. A ensaísta María Ester Vázquez, biógrafa de Jorge Luis Borges e amiga de Sábato, afirmou que sua obra mais transcendente foi “Sobre heróis e tumbas”.
O escritor também era um especialista na História do tango. Segundo ele,“somente um gringo pode fazer a palhaçada de aproveitar um tango para conversar e se divertir”. Segundo o autor, “um napolitano dança a tarantela para se divertir. O portenho dança um tango para meditar sobre seu destino”.
Ilustração de Alberto Breccia para o comic baseado em “Informe sobre ciegos”
RABUGENTO – Sabato, além da fama de pessimista, era conhecido por sua imagem de homem que reclamava sempre de tudo. Sobre o fato de ser rabugento, ele próprio deixou uma mensagem a respeito que seu filho Mario Sabato, cineasta, leu neste sábado.
“Quero ser lembrado pelos vizinhos de seu bairro em Santos Lugares como um ocasional cascarrabias (rabugento) mas, um bom sujeito. É tudo que eu aspiro”.
MILITÂNCIA, FÍSICA, SURREALISMO E LITERATURA - Homem preocupado por seus semelhantes, Sábato foi anarquista e comunista na juventude e início da vida adulta. Sua militância política o levou à clandestinidade e posteriormente à Europa, onde rompeu com o comunismo, dominado pelos stalinistas. Ali deu uma guinada radical, dedicando-se nos anos 30 ao estudo da física no Instituto Curie em Paris. Na seqüência, com a guerra ameaçando a capital francesa, partiu para os EUA, onde estudou raios cósmicos em Massachussets.
Embora fosse considerado um dos mais prometedores físicos da nova geração, Sábato abandonou a ciência e iniciou sua atividade literária em 1945 com “Um e o universo”, um compêndio de mini-ensaios filosóficos. Na sequência, apadrinhado pela mecenas literária argentina mais emblemática da primeira metade do século vinte, Victoria Ocampo, Sábato entrou no mundo das novelas, com “O túnel” (1948), “Sobre heróis e tumbas” (1961) e “Abadón e o exterminador” (1974).
Grande parte de seus primeiros escritos foram salvos das fogueiras que o escritor fazia no quintal da casa por sua mulher, Matilde Kunmisky.
A política, no entanto, nunca deixou a vida do escritor, junto com suas contradições.
Sábato lamentou durante décadas que a política foi a causa do fim da amizade entre ele e o escritor Jorge Luis Borges (este último, um ferrenho anti-peronista). Sábato não era peronista, mas sustentava que com o peronismo, pela primeira vez na Argentina surgiram condições humanas para os trabalhadores. Ele condenava o autoritarismo do peronismo e criticava a expulsão dos professores que divergiam do governo (entre esses, o próprio Sábato).
Sábato confessava que do convívio com Borges ficaram as saudades das intermináveis conversas sobre Platão e Heráclito de Éfeso.
Em 1955 Sabato apoiou o golpe militar contra Juan Domingo Perón. O novo regime o designou interventor da revista “Mundo Argentino”. Mas, um ano depois renunciou em protesto pela repressão e a censura aos peronistas após o golpe.
Anos depois, em 1976, ocorreu um novo golpe militar. Sabato e Borges foram convidados para participar de um almoço com o general Jorge Rafael Videla. Ao sair da Casa Rosada, Sabato comentou sobre o ditador: “um homem culto, modesto e inteligente”. Mas, posteriormente, tal como Borges, arrependeu-se do apoio inicial à ditadura.
Desta forma, em 1984 o então presidente Raúl Alfonsín (1983-1989) encomendou-lhe a tarefa de presidir a Comissão Nacional sobre Desaparecimento de Pessoas (Conadep) que redigiu o “Relatório Sábato”, que depois, a pedido do próprio escritor, teve o título modificado para “Nunca mais”. O relatório detalhou os sequestros, torturas e assassinatos de civis por parte da ditadura militar argentina (1976-83).
Sabato, depois de entregar o relatório
sobre os horrores da ditadura de 1976-83.
ÚLTIMA FASE - Sábato passou quase duas décadas sem publicar nada, desde “Apologias e Rechaços”, de 1979. Em 1992 confessou que havia estado à beira do suicídio duas vezes. “A arte me salvou. E por isso minha arte é trágica”, explicou Sábato, cujo exacerbado pessimismo tornou-se até folclórico para os argentinos.
Mas, em 1999 – depois da morte de sua esposa Matilde, com quem estava casado durante mais de 60 anos – lançou “Antes do fim”, livro que entrelaça lembranças dos principais momentos de sua vida com reflexões.
Na obra, após um encadeamento de sombrias previsões para o mundo, conclui com uma mensagem de esperança para os jovens, a quem chama de “herdeiros do abismo”.
No ano 2000 Sábato escreveu “A resistência”. A obra, que seguiu a temática de “Antes do fim”, exaltava os “valores do passado” e criticava a informática, “que afasta o homem do mundo que o rodeia”. Paradoxalmente, foi o primeiro livro argentino que foi primeiro lançado na internet antes da edição impressa.
A crítica celebrou suas principais obras, escritas antes de 1979, além de destacar sua participação na defesa dos Direitos Humanos nos anos 80. Mas, lamentava que seus derradeiros livros estavam distantes do ensaísta ou narrador que cuidava de forma elaborada sua estilística. A crítica indicava que seus últimos livros não passavam de um obsessivo retrato das implicâncias do escritor.
Sabato admirava os surrealistas. Mas, considerava que Salvador Dali era um “farsante”. No livro “Um e o universo” desfere diversas críticas contra o pintor catalão. Acima, um dos vários quadros de Dali sobre o tempo.
ANTES DO FIM, UM SABATO POR SABATO - “Antes do fim” começa quase pedindo desculpas por ter sido escrito. Sábato mantém o tom de que escreveu o livro contra sua vontade, mas ressalta que finalmente o fez porque muitos lhe pediam para dar uma mensagem de esperança. Escrito sem cuidado estilístico, a obra parece uma conversa onde a informalidade é tão grande que às vezes não lhe faltam toques piegas. Além disso, sua amargura se evidencia mesmo quando responde à uma imaginária pergunta sobre sugestões de leitura: “leiam aquilo que os apaixona, porque será a única coisa que os ajudará a suportar a existência”.
A infância é o refúgio dourado de suas lembranças. Dessa época, o escritor relembra os irmãos, a mãe e o pai, de quem lamenta só ter valorizado diversos atos só anos depois: “freqüentemente a vida é um permanente desencontro”, diz. Segundo Sábato, “coisas fundamentais ficaram sem dizer entre nós. Então, descobrimos a última solidão: a da amante sem o amado, os filhos sem os pais, os pais sem os filhos”.
Sobre sua própria obra, o escritor conta que o único livro que quis publicar foi “O Túnel”.
Em “Antes do fim”, Sábato relata as dificuldades que teve para publicar “O Túnel” e como foi necessário o empréstimo de um amigo para consegui-lo. Ele também relembra a ajuda de Albert Camus, que estimulou sua tradução ao francês no ano seguinte.
Sábato sustenta que nunca considerou-se um escritor profissional, “desses que publicam um livro anualmente”. Ao contrário, explica como queimava às tardes aquilo que havia escrito pelas manhã.
Na virada do século, afirmava que se arrepende de ter levado à fogueira algumas obras que nunca veremos, como “O homem dos pássaros” e uma novela que escreveu em seu período surrealista, “A fonte muda”.
Passando de um análise da própria vida, Sábato analisava o mundo de 1999: “vejo as notícias e corroboro que é inadmissível acreditar na idéia de que o mundo superará a crise que atravessa”.
Sábato acusava o desenvolvimento facilitado pela tecnologia de “conseqüências funestas para a humanidade”. O escritor argentino considerava que “essa criatura (o homem) começou a devorar a si mesma”, e cita Hannah Arendt que nos anos 50 afirmava que “a crueldade deste século seria insuperável”.
Sábato dedica um capítulo a outro cético como ele: Cioran. Sábato, no entanto, surpreendeu-se com o filósofo romeno: “não era um ermitão e sempre estava sorrindo”. Em outro capítulo Sábato fala de seu filho Jorge Federico, falecido em um acidente de automóvel e que junto com a morte de Matilde foram os grandes golpes que sofreu nesta década.
No livro Sabato relatou que em uma reunião da casa de Hilda Schiller (filha do arqueólogo que descrobriu Tróia, o alemão Walter Schiller), conheceu Matilde, na época uma adolescente que por ele se apaixonou.
Ernesto e Matilde, em 1937,
pouco antes de partir para Paris.
pouco antes de partir para Paris.
MATILDE - Sobre sua falecida esposa, em “Antes do fim”, faz um profundo mea-culpa, e acusa-se a si próprio das diversas penúrias que lhe fez passar. Entre elas, a surpreendente revelação de ter fugido com uma condessa russa em Paris, deixando Matilde e seu filho, ainda bebê, sozinhos no porto. No capítulo sobre Matilde, confessa outros dois vínculos profundos com mulheres, e explica o porquê: “sempre precisei que me apoiassem, como uma casa velha ou mal-construída que precisa umas estacas”.
Matilde Kuminsky-Richter havia conhecido Sabato em 1933 na casa de Hilda Schiller, em La Plata, onde Sabato dava um curso sobre marxismo.
Nos anos 50, Matilde, cansada das aventuras amorosas de Sabato, decidiu – segundo duas fontes íntimas me contaram – aceitar os avanços sedutores de Adolfo Bioy Casares, emérito casanova do âmbito literário portenho. A relação entre os dois ficou séria e Bioy esteva a ponto de uma ruptura com sua esposa, Silvina Ocampo. Neste contexto, Matilde um dia decidiu fazer as malas e deixar Sabato. Este, arrependido, teria prometido endireitar-se e nunca mais ter relações extraconjugais. Matilde, no meio da escada da casa, aceitou as promessas de Sabato, que chorava descontrolado. Dali para a frente Sabato nunca mais dirigiu a palavra a Bioy Casares.
Coincidências da vida: o primeiro trabalho literário de Sabato (escrito na revista “Teseo” de La Plata) em 1941, foi um ensaio sobre o livro “A invenção de Morel”, de Bioy Casares.
Matilde e Ernesto em 1979, atrás das grades da janela de
sua casa em Santos Lugares, onde o casal residia desde 1945.
ESPERANÇA – O epílogo de “Antes do fim”, titulado “Pacto entre derrotados”, é uma carta direta aos jovens, alertando que mesmo os filhos dos poderosos não têm o futuro garantido. Mas em vez de mergulhar totalmente na depressão, Sábato convoca à ação e à defesa da solidariedade e da vida. “A esperança sempre foi maior que o desespero. Os jovens devem se arriscar pelos outros”.
Sabato lê o começo de “Sobre heróis e tumbas”. Aqui.
Sabato fala sobre a Buenos Aires “que não existe mais”. Aqui.
Sábato com o mestre do violão, Eduardo Falú. O músico e cantor entoa versos sobre o texto de Sabato “Romance de Juan Lavalle”. Aqui.
Mais Breccia e Sabato
Algumas frases de Sabato:
“Un buen escritor expresa grandes cosas con pequeñas palabras; a la inversa del mal escritor, que dice cosas insignificantes con palabras grandiosas”. (Heterodoxia, 1953)
“Hay una sola forma de alcanzar la universalidad y la eternidad: escribiendo sobre el hombre de hoy y aquí. Pero eso no significa que se haga literatura social: Dostoievsky no ha pasado a la historia porque haya escrito las costumbres de la clase media rusa ni los problemas de los mujiks, sino porque, a través de esos problema, fue capaz de descender hasta el infierno ultimo del alma humana”. (“Una sola universidad, la de la vida” Reportagem sobre a Universidade, 1960)
Sabato como pintor: Na ilustração acima, um quadro do escritor-pintor que mostra
Fiódor Dostoyevski (Ѳеодоръ Достоевскій) em um terraço com varal.
E o link para um trecho do livro “Diálogos: Borges/Sabato”, do jornalista Orlando Barone, que entrevistou os dois escritores ao longo de diversas jornadas entre o 14 de dezembro de 1974 e o 15 de dezembro de 1975. Para ver essa saborosa conversa, clique aqui.
PERFIL: Ariel Palacios fez o Master de Jornalismo do jornal El País (Madri) em 1993. Desde 1995 é o correspondente de O Estado de S.Paulo em Buenos Aires. Além da Argentina, também cobre o Uruguai, Paraguai e Chile. Ele foi correspondente da rádio CBN (1996-1997) e da rádio Eldorado (1997-2005). Ariel também é correspondente do canal de notícias Globo News desde 1996.
Em 2009 “Os Hermanos“ recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).
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Fonte: Estadão online, 01/05/2011
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