Pesquisa revela que ícones de internautas destinados
a identificar a pessoa no mundo virtual
refletem traços da personalidade do usuário,
mesmo que fisicamente diferentes.
Empresas podem usar esses egos cibernéticos
para aumentar seus lucros
Second Life/Reprodução
É extensa e rica a simbologia dos avatares.
Os que voam, relacionam-se à liberdade
os de cabelos louros são extrovertidos
e outros são sisudos
No mundo da internet, louras viram morenas, baixinhas ficam mais altas, os mirrados ganham músculos e quem está acima do peso pode se tornar uma Gisele Bündchen. Graças ao avatar(1), personagem que o usuário constrói para representá-lo no mundo virtual, é possível exibir uma roupagem completamente diferente da real. Ainda assim, esses egos cibernéticos conservam, em grande parte, a personalidade de seu dono. Mesmo que fisicamente diferente do indivíduo de carne e osso, o avatar reflete características psicológicas, identificadas até por quem analisa apenas o desenho que aparece na tela, sem conhecer quem o criou.
A constatação é de uma pesquisa da Universidade de Concordia, no Canadá, publicada na revista especializada Psicologia e marketing. Baseado em estudos anteriores que constataram que 80% dos usuários de internet terão um avatar até o fim de 2012, ao mesmo tempo em que as grandes empresas entrarão para as redes sociais, o psicólogo H. Onur Bodur decidiu investigar qual interpretação que os internautas fazem dos personagens que povoam o mundo virtual.
Lojas e empresas que comercializam seus produtos pela internet costumam criar avatares encarregados de tarefas simples, como tirar dúvidas dos clientes on-line, até recrutar empregados — caso, por exemplo, da alemã T-Systems, que faz uma triagem dos candidatos às vagas no ambiente virtual do Second Life. A intenção de Bodur foi decifrar a personalidade dos indivíduos por trás dos avatares, o que, de acordo com ele, pode ser uma importante ferramenta para as empresas conhecerem os hábitos e perfis dos potenciais consumidores. “O cabelo louro é uma característica de avatares associada com pessoas mais agradáveis e extrovertidas. Essa informação pode ser benéfica para as empresas, quando elas criarem seus avatares”, explicou o pesquisador ao Correio.
Embora os avatares estejam presentes em diversas redes sociais, o estudo de Bodur concentrou-se no Second Life, que multiplicou 20 vezes o número de usuários entre 2006 e 2009, chegando à marca de 15 milhões de pessoas cadastradas em todo o mundo. Nessa plataforma, existe uma moeda própria, o linden, que sofre flutuações no mercado, assim como o dinheiro real, e pode ser convertido em dólares. “A habilidade de conduzir transações na economia do Second Life aumenta o apelo desse mundo virtual”, constatou o pesquisador.
Na plataforma, os consumidores, também chamados de “residentes”, podem comprar propriedades, telefones e roupas para seus avatares. Os bens são virtuais, mas precisam ser pagos com dinheiro real, já que, para adquirir lindens, é preciso comprá-los com dólares.
De olho nas transações feitas no Second Life, grandes empresas se instalaram nesse mundo virtual, como Adidas, Dell, Disney e IBM. “Da perspectiva de uma empresa, o aumento no número de consumidores com avatares enfatiza a necessidade de saber quais dessas pessoas por trás do avatar realmente podem ser úteis do ponto de vista mercadológico”, diz Onur. Ele lembra que, nos ambientes virtuais, uma das poucas peças de informação disponíveis que um consumidor tem do outro é a aparência dos avatares. Então, é nos sinais não verbais emitidos pelos avatares que se pode tentar descobrir alguma coisa sobre o indivíduo de carne e osso, representado virtualmente pelo personagem.
1 - Ser supremo
A palavra avatar vem do sânscrito aval, que significa “descida” ou “aquele que descende de Deus”. Assim, entre os hindus, os avatares são encarnações de divindades na Terra. De acordo com o antigo texto indiano Vedas, “tais Personalidades estão situadas no mundo espiritual, o reinado de Deus. Quando Eles transcendem para a criação material, Eles assumem então o nome Avatar”. Os mais conhecidos são Krishna e Rama, avatares do deus Vixnu. O termo está associado a metamorfose, mutação, transformação.
Julgamento visual
Bodur conta que as pesquisas na área da psicologia social mostram que os indivíduos tendem a formar impressões sobre os outros baseadas nas características visuais. No mundo real, porém, é muito difícil, caro ou mesmo impossível modificar os atributos físicos. “Porém, os avatares podem ser redesenhados instantaneamente on-line por meio da tecnologia gráfica. Os consumidores têm um grande nível de controle sobre a criação de seus avatares. Deliberadamente ou inconscientemente, os avatares podem refletir sinais de seu criador”, diz.
A cor do cabelo, o estilo de roupa e o sexo escolhido podem dar pistas sobre a personalidade. “Os consumidores podem decidir criar um avatar que seja a imagem deles representada, ou criar um que reflete suas fantasias, ou o que a pessoa gostaria de ser. Ainda assim, essas características são reveladoras, porque mostram a preferência do consumidor”, explica Bodur.
Na pesquisa que ele conduziu, 103 participantes do Second Life tiveram de preencher um formulário, no qual descreveram traços de sua personalidade, assim como forneceram informações sociodemográficas. Em média, os voluntários tinham 33 anos, 56% eram mulheres, 77,7% se autodeclararam caucasianos, 40,8% viviam nos Estados Unidos e passavam cerca de 42,4 horas na internet (sendo 25,9 horas no Second Life) por semana. Entre os participantes, 45% deles pagavam US$ 9,95 por mês para ter uma conta premium na plataforma, 93,7% eram proprietários de objetos virtuais que não fossem roupas e 27,3% possuíam uma propriedade no mundo virtual.
Voluntários
A segunda fase da pesquisa envolveu também participantes do Second Life. O papel deles era observar os avatares dos voluntários que preencheram o questionário. Sem ter outra informação sobre os indivíduos por trás dos personagens, eles precisaram definir a personalidade dos criadores com base em adjetivos como: extrovertido, agradável, aberto a novas experiências, desagradável, antipático e agressivo. De acordo com o julgamento feito pelos observadores, avatares com cabelos longos e atraentes eram os das pessoas mais extrovertidas. Avatares masculinos que usavam roupas escuras foram considerados introvertidos.
Ao cruzar as respostas com a autoavaliação dos criadores dos avatares analisados, Bodur percebeu que elas se encaixavam. “Os homens que criaram seus avatares com roupas do exército ou camisas pretas eram os que tinham a personalidade mais desagradável. É interessante que as pessoas que analisaram os avatares inferiram que esses personagens eram, de fato, os menos agradáveis”, explica.
Bodur afirma que são necessárias mais pesquisas para aprofundar o tema — até porque, como todos os questionários eram em inglês, ficaram de fora possíveis participantes de vários países. Mas, segundo ele, o estudo pode significar o primeiro passo para analisar a interação entre um observador e seu alvo no mundo virtual. Para as empresas, isso pode significar mais lucro. “Por exemplo, uma agência de viagens focada em aventura pode criar em seu site um avatar que seja julgado pelos visitantes como extrovertido e aberto a experiências”, diz o pesquisador.
Três perguntas para
H.Onur Bodur Psicólogo Da Universidade Concórdia, Do Canadá
Ainda que o avatar seja, fisicamente, completamente diferente de seu criador, há semelhanças em relação à personalidade?
Nesse estudo, pedimos às pessoas que criaram seus avatares que descrevessem completamente sua personalidade. Depois, pedimos a outras pessoas que não as conheciam, mas apenas viram os avatares, para nos dizer o que pensavam sobre a personalidade do indivíduo por trás do avatar. Apesar de apenas olharem para os ícones e não terem nenhum outro tipo de informação, algumas das dimensões da personalidade bateram exatamente com a descrição feita pelos próprios criadores dos avatares. Para dar um exemplo, os homens que criaram seus avatares com roupas do exército ou camisas pretas eram os que tinham a personalidade mais desagradável. É interessante que as pessoas que analisaram os avatares inferiram que esses personagens eram, de fato, os menos agradáveis, baseado apenas nas calças camufladas ou nas camisas pretas.
Quando a pessoa cria um avatar, ela tem noção de que o personagem vai refletir sua personalidade ou isso é um processo inconsciente?
Nossas descobertas sugerem que, estatisticamente, há relações significativas entre as características dos avatares e as dimensões reais da personalidade. Os criadores podem, consciente ou inconscientemente, escolher usar essas características nos avatares de forma a refletir certo tipo da personalidade. Mas, no nosso estudo, quando havia uma diferença entre a personalidade real do indivíduo e a personalidade que se inferia pelo observador, nós tentamos identificar se isso era o resultado de uma autorrepresentação consciente. Por exemplo, descobrimos que indivíduos que participam de múltiplos mundos visuais tendem a representar eles mesmos de forma diferente em cada avatar.
Como as empresas pode usar, na prática, os dados descobertos pelo estudo?
Sugerimos que as empresas podem desenhar avatares que representem sua companhia ou marca. Por exemplo, o cabelo louro é uma característica de avatares associada com pessoas mais agradáveis e extrovertidas. Isso pode ser benéfico para as empresas, no sentido de construírem seus avatares seguindo características agradáveis, para se comunicar com os clientes no mundo virtual.
_______________________Por Paloma Oliveto
Fonte: Correio Braziliense online, 02/08/2010
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