segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Laços de amizade no mundo digital



Você fala mais fisicamente com seu amigo ou por meio de
SMS, Orkut, Twitter, Myspace ou Facebook?
Saiba aqui se a tecnologia está afetando as relações das pessoas

Kléber Lima/CB/D.A Press
“Chego a falar com 10 pessoas ao mesmo tempo”,
confessa Marcus (D), ao lado do amigo Guilherme (E)

Quando toca o sinal marcando o fim de uma manhã de aulas, o estudante Marcus Gabriel de Castro, 15 anos, se encontra com o amigo e vizinho Guilherme Souza, 15, e os dois correm, cada um para sua casa, e já ligam o computador. Depois do almoço, vão para a frente da telinha e passam a tarde inteira no MSN, Orkut, Twitter, Formspring e Myspace conversando entre si e com amigos da escola, vizinhos e gente que conheceram nos encontros de fim de semana no Pier 21. “Chego a falar com 10 pessoas ao mesmo tempo”, conta Marcus. “Falo muito mais pela internet do que pelo telefone com o pessoal”, acrescenta Guilherme. Na opinião dos dois, o computador é um importante aliado para manter amizades.

E a ideia é quase consenso. Para mais de 70% dos 122 jovens entrevistados pela psicóloga e doutora em educação Suzana Feldens Schwertner, a internet é considerada uma rede legítima de encontro com os amigos, ainda antes que o espaço de casa (54%) ou da rua (52%). “A internet é importante para reforçar o contato com amigos antigos, encontrar amigos atuais e conhecer novas pessoas”, destaca a pesquisadora. O meio on-line só não barra os encontros na escola, que, para os estudantes, é onde mais se encontra os amigos (90%). O levantamento foi fruto do projeto de doutorado de Suzana pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), intitulado Laços de amizade: modos de relacionamento jovem em tempos de conectividade. Os questionários foram respondidos por alunos de 7ª e 8ª série de uma escola da rede pública de Porto Alegre (RS).

Ao todo, 54,1% afirmaram que têm muitos amigos. E a origem dessas amizades, além da escola, é família, bairro/vizinhança, internet, outros lugares que frequenta e filhos de amigos dos familiares, nessa ordem. Diariamente, o bate-papo on-line costuma durar de duas a quatro horas para 24,59%; de quatro a seis horas para 22,13%; de seis a oito horas para 18,85% e mais de oito horas para 12,3%. Os que disseram ficar até duas horas conectados correspondem a 19,67%.

Suzana lembra que, apesar das novas configurações, os laços de amizade seguem sendo considerados como fundamentais para os jovens. E não acredita que pelo meio virtual as relações se tornem mais frias e distantes. “Para eles, a intensidade é a mesma. Consigo ver que um contato complementa o outro. Muitos contam que, depois de se verem, querem entrar na internet para continuar a conversa. Além disso, outros declaram manter amizades com pessoas de outros estados”, diz.

Benefício ou prejuízo?

Mas será que a ausência de contato físico e o excesso de conversas on-line podem atrapalhar essa galera? Segundo a escritora e jornalista americana Elizabeth Hartley-Brewer, especialista em desenvolvimento infantil, ninguém sabe ainda se, a longo prazo, haverá prejuízo social e emocional para jovens por conta da forte interação e preocupação com dispositivos eletrônicos. No entanto, ela destaca que o uso obssessivo e o constante estímulo desses equipamentos pode levar a menos concentração, uma imaginação menos ativa, reduzida habilidade social e de comunicação, além de menos chances de descobrir a personalidade.

Autora do livro Making friends: a guide to understanding and nurturing your child’s friendships (Fazendo amigos: um guia para entender e alimentar as amizades de seu filho), Elizabeth acrescenta que há diferentes visões sobre o impacto da internet na amizade. Uma delas é a de que nada substitui a conversa real, que permite compreender a linguagem corporal do outro. “Alguns dizem que somente uma amizade cara a cara pode levar à empatia genuína e tolerância, que são marcas de uma amizade próxima. O tempo real das amizades ensina os jovens a moldar a si mesmos e a administrar os diferentes estágios da amizade – dar o primeiro passo, segurar a amizade, trabalhar para mantê-la e lidar com discussões que possam aparecer”, comenta.

As amizades durante a infância e adolescência, defende a escritora, são importantes para se aprender a desenvolver relações de sucesso como adultos. “Se as crianças e adolescentes confiam na internet e em smartphones, como isso pode ensiná-las a se tornar pais e companheiros compreensivos? Os filhos deles certamente não serão virtuais para serem ligados e desligados quando choram ou ficam cansativos, nem os companheiros (marido ou mulher).”

A psicóloga gaúcha Suzana Schwertner defende que não se pode encarar a internet como um mal, mas não se pode deixar de questioná-la. Para o sociólogo e professor da Universidade de Brasília Marcello Barra, especialista em internet, é importante que o jovem tenha acesso à rede mundial de computadores, desde que não use apenas esse meio para estabelecer e manter suas amizades. “Se você fica só na internet, perde um pouco das habilidades de relação social.”

Por outro lado, diz Elizabeth, alguns acreditam que a amizade virtual pode ser o início de uma amizade real. “A virtual cria mais possibilidades e pode tornar as pessoas mais próximas em diversas cisrcunstâncias e em diferentes partes do mundo.”

Bate-papo on-line fortalece as relações?

Amigas não descartam o contato físico

Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press
Lorena (E), com a amiga Giovanna,
 passa até seis horas conectada

As estudantes Lorena Sabarense, 18 anos, e Giovanna Lopes, 17, concordam que o bate-papo on-line pode fortalecer uma amizade. Elas são o melhor exemplo de que a relação virtual dá certo. Em um passeio por um shopping da cidade, Lorena viu Giovanna perto de alguns amigos em comum e pensou que ela fosse uma antiga vizinha. Descobriu que não era e ficou com vergonha de puxar papo. Até que resolveu procurá-la no site Formspring e a encontrou.

“A gente começou a conversar, se adicionou no MSN e começamos a contar nossa vida toda. Hoje nos falamos todos os dias, sem exceção, e nos encontramos pelo menos duas vezes por semana, já que estudamos em escolas diferentes. Ela virou uma das minhas melhores amigas”, lembra Lorena. “A internet foi fundamental para a nossa amizade.”

Durante o período de aulas, Lorena costuma ficar até seis horas por dia com programas de bate-papo e sites de relacionamento conectados. Nas férias, o computador não tem trégua. Fica ligado o dia inteiro. “A internet é essencial para a minha vida. Tenho muitas amigas que não tenho como ligar. Quando viajam, é o meio que temos para contar o que está acontecendo. Pela rede também é possível demonstrar zelo e carinho pelas pessoas”, argumenta a estudante.

Mas Giovanna, Lorena, Marcus Gabriel e Guilherme têm a mesma opinião quanto à importância do contato físico com os amigos. “Dá para ter o papo virtual, mas se não tiver a presença física, não dá para manter uma relação”, pondera Giovanna. “Fico imaginando como era antes, quando as pessoas não tinham internet e ficavam sem saber o que acontecia com as outras. Hoje é instantâneo, mais prático e barato de saber, já que por telefone fica mais caro. Porém não se pode viver só numa segunda vida.” Marcus garante que costuma sair com os amigos pelo menos três vezes na semana ou aos fins de semana. “Tem que se encontrar”, defende. “Só a internet não é suficiente”, acrescenta Guilherme.
Prejuízo para o sono

Se ainda não está provado que a amizade on-line causa prejuízos sociais e emocionais, o mesmo não se pode dizer quanto à saúde, quando se leva em conta o tempo de conexão à noite. Com certeza, você já deve ter ficado horas e horas na frente do computador conversando com os amigos, nem viu o tempo rolar e, quando se deu conta, já tinha passado da hora de dormir. Resultado: ficou morrendo de sono no dia seguinte, mal-humorado e não conseguia se concentrar nas aulas.

A psicóloga e pesquisadora da Unicamp Gema Mesquita constatou em suas teses de mestrado e doutorado pelo Centro de Investigação da Pediatria da universidade que ficar no PC à noite tem prejudicado o sono de muitos jovens. Durante o mestrado, em 2007, ela acompanhou a evolução da qualidade de sono de 160 estudantes do ensino médio, entre 15 e 18 anos. E este ano, no doutorado, analisou os hábitos de vida e queixas de sono de 710 universitários. Entre os jovens do ensino médio, 74,04% afirmaram dormir mal após usar o computador até tarde. Durante a semana, o horário de maior frequência em frente à máquina ocorre no período entre 17h e 3h da manhã. Aos fins de semana, a situação fica ainda mais grave – a maioria fica on-line entre as 18h e as 6h.

Para os universitários, o período mais crítico é entre às 19h e a 0h, quando 73,33% dormem mal. Quando o horário de conexão é das 19h às 3h, a taxa de pessoas que não dormem bem é um pouco menor: 52,3%. Segundo Gema, isso se explica pelo adiantamento da fase do sono. Mais tarde, dorme-se com mais rapidez. Porém, com o passar dos anos, pode haver dificuldade de adormecer nos horários habituais, ter insônia no início ou no fim da noite e uma série de distúrbios do sono, como pesadelos.

A pesquisadora esclarece que temos horários determinantes para metabolizar o hormônio do sono. “Temos ciclos de sono que precisam ser respeitados. Se há atraso nessas fases, todo o organismo fica comprometido durante a noite e o dia.” Gema admite que o uso da internet é importante para os jovens manterem as amizades, mas pondera que é preciso saber usá-la sem causar prejuízo à saúde. A dica é evitar a utilização do computador até tarde e desligá-lo, no máximo, às 21h. De acordo com ela, o pico da metabolização do hormônio do sono ocorre às 22h.

“Quando você fica em frente à luz do computador, vai retardando esse processo e atrapalha todo um ritmo biológico. Uma noite de sono perdida nunca mais vai ser reposta”, ressalta. A psicóloga revela que a população em geral vem diminuindo o tempo de sono, mas é cada vez maior o número de pessoas com diabete e obesidade. “Porque dormem pouco, começa a surgir a intolerância à glicose. O hormônio que sacia a fome durante a noite também fica prejudicado.”



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Por Camila de Magalhães
Fonte: Correio Braziliense online, 02/08/2010

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