De olho no calcanhar
Assim como na mitologia,
Serra, Dilma e Marina enfrentam batalhas
para superar pontos vulneráveis da biografia e da atuação política
Desconhecimento pelo eleitorado, bandeiras que pouco ou nada significam ao grosso da população, oposição a um governo bem avaliado, falta de trajetória política. Assim como o personagem da mitologia grega Aquiles tinha em seu calcanhar um ponto vulnerável que o condenou à morte, os candidatos à presidência da República nestas eleições precisam lidar com peculiaridades que podem comprometer seu sucesso nas urnas.
Apesar de estar em sua segunda campanha presidencial e ser conhecido por cerca de 97% da população, de acordo com a última pesquisa Datafolha, o tucano José Serra é talvez o protagonista de uma das batalhas mais inglórias nestas eleições. Herdeiro do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e integrante do partido que faz oposição a um dos governos mais bem avaliados na história do país, Serra é identificado como adversário do presidente Lula por quase metade do eleitorado — 43%, também segundo o Datafolha. Lula, por sua vez, é dono de um índice de 77% de aprovação, segundo o Ibope.
“Serra fala que é o pós Lula. O eleitorado não quer o pós Lula. Quando você tem a sociedade satisfeita, a possibilidade de um terceiro nome empolgar é muito próxima do zero. Quando o (Fernando) Collor ganhou, o (ex-presidente José) Sarney tinha 8% de aprovação. Por isso, ele levou (as eleições)”, diz o cientista político da Universidade de São Paulo (USP), Rubens Figueiredo. Para tentar driblar essa dificuldade, Serra tenta desqualificar o PT e Dilma em seu discurso. “Alguém que vem por fora criticando tudo, neste cenário, não tem muita chance”, avalia Figueiredo.
Para o presidente do PSDB e coordenador da campanha de Serra, senador Sérgio Guerra (PE), a estratégia na corrida às urnas passa por marcar diferença com a candidata petista, a ex-ministra Dilma Rousseff, e reforçar a ideia de que as conquistas do governo do PT são apenas continuidade do governo tucano, anterior ao Lula. “Um candidato é diferente do outro. Além disso, o governo Lula tem dois pontos fortes: os programas sociais, que nós começamos, e a política macroeconômica, que nós definimos. Por isso, não tem quebra de continuidade no essencial.” Guerra aposta nos resultados de pesquisas que apontam a alta intenção de votos a Serra entre aqueles que aprovam o presidente.
Nesse cenário, é claro que Dilma, candidata que conta com o presidente Lula como seu maior cabo eleitoral, leva vantagem. Mas a ex-ministra também tem lá suas pedras no caminho. “O grande problema da Dilma é não ter experiência em campanha eleitoral. Ela é uma política que foi forjada na administração e não na eleição, enquanto seus dois principais adversários (Serra e Marina Silva, do PV) são políticos que já enfrentaram o processo eleitoral”, diz Figueiredo.
A dificuldade, segundo o cientista político da PUC-MG, Malco Camargos, é provar ao eleitorado que a falta de trajetória política no histórico de Dilma não faz diferença. “Precisa mostrar que basta ser boa administradora e que não é necessário ter tradição política.” O fato de ter sido parte do governo, o tempo de televisão na propaganda eleitoral gratuita e a estrutura partidária de que dispõe Dilma são seus aliados mais fortes. “Ela vai ancorar na estrutura do governo de que fez parte. E vai afirmar que as realizações do Lula só aconteceram porque na equipe tinha uma técnica capaz de gerenciar isso.”
O secretário nacional do PT, deputado federal André Vargas (PR), concorda com a avaliação dos especialistas. “De fato, a nossa dificuldade maior é termos que torná-la conhecida. Mas nosso maior potencial é o fato de governarmos o Brasil. Governamos o país e governamos bem. Nosso projeto não é dependente de uma só pessoa, mas reconhecidamente o presidente tem um carisma e isso ajuda.” Contra a pouca experiência política de Dilma, Vargas tem um antídoto: o período em que a candidata foi ministra. “Ela é boa articuladora. Não é só gerenciamento técnico, é gerenciamento político.”
Verde
A candidata Marina Silva (PV) é a postulante que tem mais percalços a superar em sua campanha. A principal bandeira de Marina é a sustentabilidade, tema que ainda não decolou como uma prioridade entre as preocupações dos eleitores. Não fosse apenas essa dificuldade, a senadora licenciada enfrenta ainda o desconhecimento nas ruas — segundo o Datafolha apenas 66% conhece a candidata — e guarda posições tidas como conservadoras pela fatia de seu potencial eleitorado.
“A pegada dela, que é o meio ambiente, está longe do dia a dia do eleitor. O sujeito está preocupado com o (programa social) Bolsa Família que o fará sobreviver mais um dia, como vai pensar em sustentabilidade?”, questiona Figueiredo. Na opinião de Camargos, apesar da plataforma política inovadora, as posições da candidata sobre temas como aborto, legalização das drogas e casamento gay são fortes complicadores. “Ela tem uma dificuldade de lidar com política mais moderna. Tem posturas conservadoras em relação a essas questões.” O baixo tempo de TV e a falta de estrutura partidária, segundo Camargos, praticamente inviabilizam o sucesso da campanha.
Ela vai afirmar que as realizações do Lula
só ocorreram porque na equipe
tinha uma técnica capaz”,
Malco Camargos, cientista político da PUC-MG
Para cada dificuldade, um discurso
Dilma Rousseff (PT)
A ex-ministra-chefe da Casa Civil ostenta perfil técnico — mesmo tendo participado de diferentes cargos em vários governos, nunca disputou uma eleição. Ela tenta se desvencilhar do problema focando seu discurso na plataforma política e tentando mostrar que uma boa administradora pode ser boa presidente.
“Você acha que como ministra-chefe da Casa Civil eu sou um poste? Duvido que os grandes experientes em gestão tenham o nível de experiência que eu tenho. Duvido”, afirmou Dilma, ao ser questionada sobre o fato de seus adversários terem comparado a candidatura dela a de um poste.
Marina Silva (PV)
Apesar de ter uma bandeira moderna, como a defesa do meio ambiente, a candidata guarda posições conservadoras sobre temas como casamento gay e aborto. Para contornar a questão, joga a decisão para sociedade.
“Não sou favorável e proponho um plebiscito. Precisamos fazer um debate sério, estaremos fazendo uma grande discussão que envolve saúde pública, ética, assuntos morais”, disse Marina, ao responder se era a favor do aborto, da legalização das drogas e do casamento gay.
José Serra (PSDB)
Identificado pelo eleitorado como principal opositor do presidente Lula, que conta com aprovação de 77% da população, Serra quer se diferenciar da candidata do governo fugindo da discussão sobre plataforma política e focando nos perfis para, assim, tentar enfraquecer Dilma.
“Outro dia, Dilma disse que isso (ter alta carga tributária) era bom. A assessoria dela se esqueceu de avisá-la que não podemos comparar o Brasil, ainda em desenvolvimento, com a Suíça”, afirmou Serra em crítica à adversária, durante almoço com empresários.
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Por Daniela Almeida
Fonte: Correio Braziliense online, 02/08/2010
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