segunda-feira, 9 de agosto de 2010

“Eu sou você amanhã”

Uma pesquisa de mestrado em gerontologia da Universidade Católica de Brasília
apura a visão que os jovens têm dos idosos e vice-versa.
Os resultados detectam a necessidade de estimular a convivência
entre esses dois grupos, principalmente no ambiente escolar,
para que as relações de troca entre quem já viveu muito e
os que estão começando a vida sejam produtivas

Mariana Moreira
Rafael Ohana/CB/D.A Press
Junara (D), 25 anos, com os avós, Antônio, 84, e Raimunda, 90:
 “Compreendo como eles se sentem e me coloco sempre no lugar deles.
Antigamente, as coisas eram diferentes”

Na linha que descreve a trajetória de uma vida, jovens e idosos estão em lados contrários. Para descobrir como esses grupos se relacionam e se enxergam mutuamente, um professor e uma aluna do mestrado em gerontologia da Universidade Católica de Brasília (UCB) decidiram mergulhar no chamado abismo de gerações. “A intenção era identificar se havia conflito entre jovens e idosos e se as escolas investem em uma educação gerontológica, que inclua os mais velhos nas questões da sociedade”, frisou o professor que coordenou a iniciativa, Vicente Paulo Alves. Ele atenta que, em 2025, haverá mais idosos do que jovens no país, e a sociedade não está se preparando para essa inversão.

Para Alves, o olhar atento às gerações mais antigas é essencial a fim de eliminar preconceitos — como a visão errônea de que idosos são solitários e esquecidos pela comunidade — e preparar os mais novos, que também precisarão encarar essa fase da vida. As conclusões apontam: existe uma abertura mútua para que os dois grupos se entendam, mas é preciso estimular a convivência e as trocas entre eles. O preconceito velado também surgiu em algumas declarações. As respostas mais frequentes apontam que idosos são vistos como coitados e abandonados. Os mais velhos, por outro lado, acreditam que a juventude não os respeita e que vive em outro mundo.

O estudo revelou ainda que os mais novos, de forma geral, desconhecem a realidade dos idosos. Cerca de 61% dos mais jovens que participaram da pesquisa responderam que a juventude é o período em que se obtém mais satisfação na vida. Apenas 43% dos idosos concordaram com a afirmativa. “A visão dos idosos em relação à velhice é mais positiva, enquanto os jovens enxergam o envelhecimento como algo extremamente negativo. Por isso, é preciso prepará-los”, reflete o professor.

Questionários

A pesquisa foi feita com 54 jovens de oito escolas públicas do Plano Piloto e de Taguatinga, e com mais 54 idosos moradores das áreas próximas a essas escolas. Todos eles responderam a dois questionários. No primeiro, era preciso escolher entre duas colunas de alternativas opostas. O questionário seguinte trazia 20 frases afirmativas e os participantes deviam descrever como se sentiam em relação a elas. Na etapa seguinte, cinco jovens e cinco idosos foram convocados para entrevistas com os pesquisadores. No grupo do alunos, havia representantes com idade entre 13 e 24 anos. Entre os idosos, a idade variou de 60 a 79 anos.

O professor coordenou o projeto, mas a autora da ideia é a pedagoga Carla Bianca Ramos, que decidiu unir dois temas sagrados para concluir o mestrado pela Universidade Católica de Brasília. “Trabalho com jovens e sempre gostei de idosos. Notei que existe esse preconceito e decidi unir as duas coisas. Acredito na educação como forma de prevenção dos problemas”, explicou. No caminho percorrido ao longo de dois anos, ela tem convicção de que confirmou sua hipótese inicial: a de que existe um preconceito velado entre as gerações e que não há ainda um trabalho pedagógico concreto que tenha como função dirimir tais diferenças. A pesquisadora afirma não ter encontrado nenhuma escola que ofereça um projeto contínuo e consistente para estimular essa interação.

A compilação de dados também revelou diferenças entre a linguagem escrita e o comportamento pessoal, percebido nas entrevistas presenciais. No questionário, apontou a pedagoga, os jovens expressavam uma visão mais positiva a respeito dos mais velhos. “Mas durante as entrevistas, os preconceitos foram desvelados. Surgiram respostas apontando, por exemplo, que idosos são lentos, rabugentos, desaprenderam a dirigir, não sabem se relacionar com a tecnologia”, esclareceu.

Convivência

Apesar de ter apenas 17 anos, o estudante Thiago Fiuza estabeleceu uma relação diferente com a avó, com quem mora há cerca de quatro anos. “Essa mudança me fez entender a velhice. Antes, eu achava que idosos eram pessoas que viviam trancadas em casa, mas minha avó é completamente diferente disso. Ela não para quieta e sobe até em árvore, para catar manga e fazer suco”, diverte-se. Entre as peripécias de Terezinha (a avó) que Thiago mais gosta de contar, está sua animação em devolver a bola de futebol, para que a pelada dos netos continue. Acabou machucando o dedão do pé.

Existe o lado aborrecido, admite o adolescente. A avó reclama da bagunça, do excesso de jogos eletrônicos em detrimento dos deveres de casa e até de algumas roupas usadas pelo neto, que ela classifica como peças de vestuário típicas de “trombadinha”. Nada, porém, que machuque a relação dos dois, explica Thiago: “Nossos problemas se resolvem rapidinho. A gente conversa, não esconde nada e não guarda rancor”.

Conviver com a diferença de idade não é novidade para a bombeira civil Junara Dantas de Sousa, 25 anos. Afinal, desde os três anos ela mora com os avós, Antônio Celeste e Raimunda Pereira, hoje com 84 e 90 anos, respectivamente. O maior conflito que enfrenta em casa é a luta para garantir a liberdade de ir e vir quando quiser. Os avós têm medo da violência e estão sempre tentando demovê-la das viagens e dos programas noturnos. “Eles também se preocupam com o tamanho das roupas e não lidam bem com tatuagens, piercings, homossexualidade, coisas que a minha geração já vê como naturais. Mas compreendo como eles se sentem e me coloco sempre no lugar deles. Antigamente, as coisas eram diferentes”, ressalta.

Além de tutores, os avós são um espelho para o futuro da neta. Com os dois, ela aprende a ter alguns cuidados que, no futuro, serão essenciais para uma vida melhor e mais saudável. A avó foi sedentária durante toda a vida e hoje enfrenta uma osteoporose severa. As lições de vida são retribuídas com doses diárias de cuidado e carinho. “Sempre faço massagem na minha avó, levo os dois ao médico, me lembro dos horários dos remédios.”

Dona Raimunda também sofre com a resistência dos netos à educação que recebeu na mocidade. O motivo principal de discussão é mesmo a inclinação à vida noturna das netas. “Gostaria que elas não saíssem de vez em quando. Eu fui criada meio presa, só ia a festas com meus pais. Mas às vezes dou até razão. Todo jovem de hoje gosta de se divertir”, cedeu. Ela acredita que existe uma dificuldade por parte dos mais novos em entender a forma como as gerações anteriores enxergam o mundo. Mas a saída, ensina, é se acalmar. “Acabo me conformando e, no fim, cada um cede um pouquinho”, admitiu.

A visão dos idosos em relação à velhice é mais positiva,
 enquanto os jovens a enxergam como algo negativo”
Vicente Paulo Alves, coordenador da pesquisa





O estudo sugere medidas para a aproximação entre jovens e idosos:

» Não basta alterar os conteúdos escolares, é preciso elaborar políticas públicas eficientes e práticas, estimulando atitudes que mudem comportamentos preconceituosos contra idosos

» O assunto pode ser incluído entre os temas chamados transversais, em que estudantes trabalham o preconceito contra negros ou homossexuais, por exemplo. A oportunidade de se aproximar desses assuntos transforma jovens em cidadãos mais críticos e conscientes

» Ações pontuais, como chamar idosos para atividades esporádicas no ambiente escolar, não adiantam, por serem superficiais e fragmentadas. Para criar o vínculo entre essas diferentes gerações, as ações desenvolvidas devem ser contínuas e permanentes

» Estimular o contato entre crianças e idosos. Segundo a pesquisa, quanto maior a convivência entre eles, mais palavras otimistas e positivas são usadas para descrever o outro grupo

» Desenvolver atividades em parceria. Aprender junto é um dos laços que podem reaproximar membros da família e estreitar relacionamentos

» Para estimular a convivência, uma saída é aproveitar os recursos já existentes na escola. Um laboratório de informática, por exemplo, pode ser usado por crianças pela manhã e adultos à noite; pessoas de diferentes idades que aprendam juntos no período da tarde. Assim, o conhecimento é construído no contexto social e nasce de uma experiência social

» O trabalho descreve um estudo que mostra a importância de um currículo flexível, em que idosos e professores trabalhem juntos para minimizar atitudes negativas em relação à velhice. Os alunos poderiam ser estimulados a discutir estereótipos, por meio de lições de história geral e do Brasil, as relações governamentais, a civilização ocidental e a economia, levantando questões relacionadas ao envelhecimento

» Outra sugestão é recorrer à linguagem audiovisual, que cada vez mais ganha a atenção de crianças e de jovens. Dois pesquisadores citados no estudo criaram uma espécie de kit para crianças com idade entre 10 e 11 anos, contendo filmes e material impresso positivo em relação à velhice. O aprendizado informal passa a fazer parte da formação de crenças dessas crianças

» O programa Sesc Gerações criou atividades que envolvem gerações diferentes em um sistema de troca de conhecimentos. O resultado foi a melhora na comunicação entre os envolvidos, uma reflexão profunda sobre o envelhecimento, um ambiente familiar mais harmônico, a criação de vínculos afetivos dentro e fora da família, o resgate e a preservação da memória, a cooperação mútua, a solidariedade, a troca de experiências e até a melhoria no desempenho escolar.
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Fonte: Correio Braziliense online, 09/08/2010

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