quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Nem gênios nem estúpidos

Ethevaldo Siqueira*



Há coisas que são óbvias: os jovens e garotos desta geração têm uma facilidade impressionante para lidar com as novas tecnologias. Isso não significa que eles sejam gênios. Nem que os adultos com mais de 40 anos sejam estúpidos, por sua imensa dificuldade em dominar as tecnologias digitais, e equipamentos como o computador, a internet, o celular, os iPods, os videogames e outros. São dois fatos óbvios e indiscutíveis.

Retorno ao tema de meu artigo da semana passada) porque parece não ter ficado muito clara a tese central da professora Charo Sádaba Chalezquer, diretora do Departamento de Empresa Informativa da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra, segundo a qual pais e professores precisam compreender essa nova geração interativa, como sintetizei no título do artigo: É essencial compreender a geração interativa. (http://blogs.estadao.com.br/ethevaldo-siqueira/2010/07/27/e-essencial-compreender-a-geracao-interativa/)

A mensagem central da entrevista que a professora espanhola me concedeu é de os jovens não devem ser julgados de forma apressada, com base nos padrões de comportamento de nossa geração. Em lugar de mover uma guerra contra os jovens, seria melhor que os pais e professores dialogassem, orientassem e protegessem esses garotos dos riscos da internet, do excesso de tecnologia da informação e do entretenimento eletrônico.

A maioria dos comentários que recebi dos leitores, entretanto, discordou não apenas das conclusões da especialista, mas até do diagnóstico do problema. A culpa talvez seja muito mais minha, como jornalista, do que da professora entrevistada.

Voltemos ao tema para lançar um pouco mais de luz sobre a questão. Sem nenhuma modéstia, eu me sinto em uma posição privilegiada para observar e julgar tanto as novas gerações diante das novidades tecnológicas, quanto das velhas gerações de analfabits. Sou o velho culturalmente digitalizado por força dos longos anos de trabalho profissional nessa área.

As críticas duras

Uma leitora (que assina Cyber) não vê grande vantagem em “descobrir como funcionam aparelhos eletrônicos” já que ela mesma, com 40 anos, sempre foi capaz de lidar com esses aparelhos sem ler manuais.

Sua preocupação, no entanto, coincide com a minha e a da professora espanhola quando afirma que “o problema de hoje é que os pais estão delegando para a escola e a rua parte da educação que só pode ser feita em casa”. Por isso – conclui – “estão todos extremamente egocêntricos e impacientes, incapazes de esperar em uma fila sem ficar fungando no cangote da pessoa à sua frente, ou de respeitar uma faixa de pedestres, incapazes de respeitar o próximo”.

Outro leitor, Joaquim Moura, tem opinião mais radical. Para ele, “desde que a televisão ocupou o centro das atenções nas residências, principalmente a colorida, no final da década de 1970, a decadência cultural se alastrou” – tanto assim que “os últimos poetas, músicos, escritores, pensadores etc. de interesse são os que formaram nas décadas anteriores àquela”.

Na visão desse leitor, nos últimos 40 anos, com a internet, a coisa só piorou. “Vejam o filho da Ciça Guimarães, com 18 anos andando de skate dentro de um túnel, como se fosse um pré-adolescente travesso, bem como seus amigos. O atropelador, outro imbecil, bem como seus amigos… A turma toda do Bruno, todos imbecis. E os PMs? E o PM pernambucano que matou um jovem simplesmente porque o menino não obedeceu ao seu comando de parar a moto?”

Joaquim Moura me chama a atenção: ”Ethevaldo, parece que ninguém concorda com essa farsa de que os jovens atuais são mais inteligentes dos que os das gerações passadas. A nós parece mais estarem eles com as mentes lesadas principalmente pela televisão e pela internet. Da TV, nem preciso falar mais nada. Da internet, basta entrar em uma lan-house e ver todos aqueles jovens (e aquelas jovens) entretidos em ver e enviar fotos e comentários fúteis e mal escritos uns para os outros.”

Moura mostra a diferença entre os grandes nomes e talentos do passado com os que temos hoje. “Longe vai o tempo em que cidades do interior do Brasil produziam Santos-Dumont, Guimarães Rosa, Portinari, Monteiro Lobato. Hoje só produzem ou bobos ou ogros. Como comparar essa geração com as gerações que produziam Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Mário de Andrade, Villa-Lobos? Por favor, me responda, pois noto que há grande mistificação em torno dessa tal geração Y, que parece uma desculpa para não se dar conta da tragédia cultural que vivemos.”

O leitor Paulo me deu um depoimento ainda mais duro e candente sobre o tema e até contra mim: “Há anos o leio em silêncio no bom o velho papel sobre a mesa de minha cozinha… me desculpe mas seu entusiasmo ufanista com a tecnologia em geral e com a Profa. Sádaba Chalezquer em especial parecem embotar seu bom senso… Ler mais em termos volumétricos não significa capacidade de produzir cognição (sentido) fosse assim todo escrevente cartorário ou de delegacia seria Prêmio Nobel. Todo revisor, um Shakespeare. Estar uptodate com modas que duram menos que o sabor de um chiclete não quer dizer nada, já pensou se você tivesse sido transferido para a edição do Estadão no Second Life…? Estarias sem emprego, meu amigo, alguém hoje ainda se lembra desse hype? Assim será com o Twitter, com o já decadente Orkut…”

Paulo considera pouco sustentável e efêmero esse mundo digital criado nos últimos 30 ou 40 anos: “Lembro a você que o criador da interface gráfica para computadores era um engenheiro ex-operador de radares. A internet é sobra da guerra fria. Steve Jobs era da área de humanas. Bill Gates, um vendedor sagaz jogador de baralho. O homem mais rico do mundo, Carlos Slim, não usa computadores, apesar de vendê-los aos borbotões aos geniais leitores de fragmentos…”

O desafio do mundo novo

Gostemos ou não, estamos diante de uma geração profundamente diferente da nossa, cuja infância tinha muito relacionamento humano, mais futebol na rua, mais contato com a natureza, mais bicicleta e mais simplicidade.

A nova geração, como acentuou a professora espanhola, passa boa parte de sua infância e adolescência diante de quatro telas: a do computador, da TV, do celular e do videogame. Boa parcela dela já está diante de telas de e-books, iPods, tablets, netbooks e outras.

Esse convívio com a tecnologia mais atual e mais avançada dá aos jovens a ilusão de que sabem mais do que seus pais – e, como usuários dessa nova parafernália, sabem mesmo. Diante de tudo isso, eles insistem em demonstrar mais auto-suficiência e até alguma arrogância, que irrita os mais velhos – como demonstram quase todos os comentários de nossos internautas e leitores.

As que se insurgem contra a geração interativa, seria bom e oportuno fazer algumas perguntas:

1) Que estímulo à leitura de livros, às artes, ao esporte, ao contato com a natureza têm dado você – como pai – ao seu filho, que passa horas e horas, trancado em seu quarto, diante de um computador, navegando na internet ou hipnotizado por um videogame?

2) Que sabe você sobre o conteúdo do que seu filho vê na internet, com quem fala, que sites visita?

3) Quantas vezes você dialogou com seus filho de forma amistosa e serena, sem ameaças e sem gritos?

Precisamos, antes de tudo, compreender as novas gerações para, em seguida, buscar as soluções para os seus problemas e desafios. E, por favor, deixar de, apenas, gritar contra o problema ou contra o jovem, em geral vítima de nossa própria negligência.

Se quiser sentir o impacto de uma análise muito mais profunda sobre esse problema, visite o site http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/ do professor Valdemar Setzer, que discute há mais de 30 anos esses problemas.
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Fonte: Estadão online, 04/08/2010 - Ethevaldo Siqueira, blog

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