domingo, 1 de agosto de 2010

O poder do riso

Equipe de cientistas das universidades de Newcastle,
na Inglaterra, e de Tuebingen, na Alemanha,
mapeiam como o cérebro humano percebe diferentes tipos de risadas
e concluem que é mais fácil mostrar sentimentos rindo
do que falando





O homem se tornou o que é graças a uma habilidade que o diferencia dos outros animais: a fala(1). Com ela, a humanidade conseguiu criar códigos, transmitir ensinamentos de geração para geração, combinar estratégias em grupo e uma série de outras coisas que fizeram da espécie a mais evoluída da Terra. Porém, a comunicação não precisa ser verbal para funcionar. Posturas, gestos e até mesmo risadas dizem muito sobre a situação. Afinal de contas, não é preciso ser um gênio da raça para perceber um sorriso amarelo ou uma gargalhada de sarcasmo.

As possibilidades do riso foram mapeadas por cientistas das universidades de Newcastle, na Inglaterra, e de Tuebingen, na Alemanha. A equipe queria verificar como ocorre a percepção das diferentes risadas no cérebro humano, ou seja, quais partes do órgão são ativadas conforme a informação recebida por meio de estímulos externos. “A gente tem a capacidade de perceber a emoção do outro, um processo que chamamos de empatia”, detalha a neurologista Sônia Brucki, do Departamento de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Associação Brasileira de Neurologia (ABN). Essa emoção pode ser verificada com o olhar, com o tato, com o tom de voz e pela forma como as palavras são pronunciadas, entre outras referências.

No estudo da risada, os pesquisadores usaram a audição para definir a emoção contida nas gargalhadas. Oito atores profissionais gravaram diferentes tipos de risos — um para diversão, outro para o sarcasmo e outro para cócegas. Voluntários tinham que ouvir as risadas e identificá-las enquanto passavam por uma máquina de ressonância magnética funcional (veja infografia). “Para fazer a pesquisa, nós fomos guiados por três motivações: diversão, curiosidade e por uma interessante hipótese de Charles Darwin, que diz que a risada pode ser o elo entre a comunicação animal e as faculdades humanas da linguagem”, explica o pesquisador Kai Alter, do Instituto de Neurociência da Universidade de Newcastle.

Darwin, o criador da Teoria da Evolução, chegou a escrever um livro(2) sobre o assunto. Na obra, ele afirmava que a comunicação das emoções precedeu a origem da linguagem verbal entre os homens. “Essa ideia é muito antiga, mas ainda é um campo de debate entre os autores. Alguns dizem que a fala surgiu da linguagem gestual. Outros afirmam que se originou a partir de vocalizações”, diz o professor Paulo Dalgalarrondo, chefe do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Campinas (Unicamp). “A risada, o choro, as expressões de raiva, medo, são formas de comunicação emocional que os animais têm, assim como nós”, completa o especialista.

Mais simples

Por que, afinal, estudar a risada? Por ser diferente da fala, ela ativa partes do cérebro que não são usadas durante a comunicação verbal. “A risada é uma forma de tratar a informação emocional sem dizer palavras ou frases. Ela é mais fácil, porque não tem informações sintáticas ou semânticas”, diz Kai Alter, que estuda linguística e fonética desde o início da década de 1990. Assim, seria mais simples perceber o significado de uma risada do que o de uma sentença. O caminho inverso também seria menos complexo: para o cérebro, é mais fácil mostrar sentimentos rindo do que falando.

Isso pode parecer pouco, mas a ideia dos pesquisadores é explorar o resultado do estudo para estabelecer novos canais de comunicação com pessoas que têm a fala prejudicada. “Com isso, podemos descobrir os mecanismos cerebrais básicos e entender como a informação emocional é processada”, detalha o pesquisador da Universidade de Newcastle. Durante a pesquisa, ficou comprovado que o riso ligado puramente à emoção (diversão ou sarcasmo) ativa o lobo frontal. Já a gargalhada de cócegas mexe com a região acima do sulco temporal superior. “Essa área também é conhecida pelo processamento de parâmetros de voz. É por isso que a risada de cócegas soa tão diferente das outras duas”, diz Kai Alter.

No futuro, os principais beneficiados da pesquisa da risada deverão ser os portadores de doenças degenerativas, como Alzheimer e Parkinson. Essas doenças provocam a perda progressiva dos neurônios, afetando funções cognitivas, como a leitura, a capacidade de cálculo e a fala. O problema também pode ocorrer em pacientes que sofreram derrames cerebrais. O acidente vascular cerebral (AVC) mata células responsáveis por essas funções, mas normalmente restringe isso a uma área determinada do órgão. No caso das doenças degenerativas, o mapeamento das consequências é mais complicado. “A gente não sabe muito bem o que acontece nas regiões cerebrais quando há o comprometimento”, afirma a neurologista da ABN Sônia Brucki.

Geralmente, portadores de Alzheimer(3) com estágio avançado de demência têm dificuldade para diferenciar emoções da forma “tradicional”. “Se alguém mostra um cartão com uma face alegre, com medo ou com raiva, a pessoa não consegue distinguir esses sentimentos”, explica Sônia. A neurologista, no entanto, lembra que os pacientes reconhecem um sorriso e conseguem sorrir. Não à toa, muitos tratamentos alternativos para o mal trabalham com a demonstração de afeto entre pacientes e cuidadores. “Quem tem demência grave não responde verbalmente, mas consegue perceber um sorriso. Esse estudo ajuda a desvendar esses mecanismos”, aponta a especialista.

1 - Evolução recente
A espécie humana surgiu há cerca de 40 milhões de anos, mas a fala só se desenvolveu nos últimos 55 mil anos. Antes dela, a comunicação entre indivíduos era baseada em gestos e sinais. Já a escrita surgiu ainda mais recentemente: há cerca de 4,5 mil anos, marcando o fim da Pré-História.

2 - Emoção comum
O livro A expressão das emoções no homem e nos animais foi lançado por Charles Darwin em 1872. É uma das três obras que completam o famoso A origem das espécies, na qual o naturalista define a sua Teoria da Evolução. A obra foi composta a partir da colaboração de outros cientistas e de observações que o próprio Darwin fez do choro de seus filhos e de reações de animais domésticos.

3 - Mal silencioso
Os pesquisadores ainda não sabem o que causa a doença de Alzheimer, nem como ela evolui no organismo. É certo, contudo, que os riscos aumentam com o passar da idade. Estudos mostram que, em um grupo de 100 pessoas com mais de 90 anos, a incidência do mal pode chegar a 40%. Aos 60, ele atinge de 2% a 3% dos idosos.
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Reportagem por:Carolina Vicentin
Fonte: Correio Braziliense online, 01/08/2010

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