domingo, 1 de agosto de 2010

Células-tronco

Doutora em microbiologia e professora
do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília,
Lenise Garcia esclarece algumas dúvidas comuns
sobre o uso e a pesquisa das células-tronco.



Há quanto tempo se fala em uso das células-tronco como esperança de cura?
O primeiro uso foi há mais de 40 anos, com células-tronco de medula óssea para tratamento de leucemia e outras patologias sanguíneas. O uso em outras doenças vem sendo pesquisado há cerca de 20 anos.

Quais são os tratamentos já consolidados e com resultados comprovados?
Como tratamento consolidado, o transplante de medula, com o uso das células de medula óssea de doadores de cordão umbilical. No caso de outras doenças, há muitos experimentos em fase final de teste clínico. Isso significa que muitos pacientes já foram curados, ou existe melhora, mas se considera ainda em fase experimental. Listam-se as patologias cardíacas, acidente vascular cerebral, doenças degenerativas. Células do cordão umbilical têm dado bons resultados, substituindo as de medula. Mais de 70 doenças estão sendo pesquisadas com o teste clínico das células-tronco, chamadas “adultas” (em contraposição às embrionárias).

Quais as diferenças entre as diversas células-tronco presentes em nossos tecidos?
Temos células-tronco em todos os tecidos, por isso eles se regeneram. Costumo dizer que, se elas não existissem, seríamos cheios de buracos. São elas que atuam na permanente regeneração da nossa pele, do nosso sangue, que corrigem um osso quebrado ou um corte. Mas só recentemente desenvolvemos tecnologia para extraí-las, desenvolvê-las in vitro e usar para tratamentos específicos. As de medula e do cordão umbilical são as mais fáceis de obter. Sendo pluripotentes podem ser usadas em tratamentos diversos. Mas há casos que exigem mais especificidade, como as de retina, que já estão proporcionando tratamento de deficiências visuais.

Quais são as grandes promessas dos tratamentos com esses tipos de células?
Não podemos generalizar. Nem sempre há cura, muitas vezes apenas melhora. Doenças que envolvem degeneração celular são as que mais são objeto do tratamento. Também quando há grande perda celular, por exemplo, por acidentes.

Quais são os maiores impedimentos de começar testes e tratamentos com células-tronco em pacientes?
A dificuldade está em ter o controle sobre o crescimento celular. Esse é o maior problema técnico com as células-tronco embrionárias, que nos experimentos em camundongo ou outros animais muitas vezes levam à formação de tumores. Por isso, até hoje, não existem testes clínicos com células-tronco embrionárias. A pluripotência dessas células, muitas vezes apresentada como vantagem, pode ser também um problema, pois a célula pode se transformar em uma diferente da que necessitamos. Ninguém deseja um dente crescendo no cérebro. Todos os tratamentos existentes e testes clínicos são com células-tronco adultas. Outra vantagem da célula adulta é que ela pode, muitas vezes, ser extraída do próprio paciente, evitando problemas de rejeição.

Quais são as técnicas, hoje conhecidas e pesquisadas, para usar uma célula-mãe e transformá-la em outros tecidos?
As técnicas são complexas, mas em geral podemos dizer que se usam fatores de crescimento e diferenciação. Ainda conhecemos pouco os fatores que agem naturalmente ao longo de todo o nosso desenvolvimento. À medida que forem sendo descobertos, abrirão novas possibilidades.

Como você avalia o futuro do uso terapêutico das células-tronco?
Penso que as células-tronco adultas abrem inúmeras possibilidades. Elas são responsáveis pelas regenerações naturais do organismo e, quanto mais entendermos esse fenômeno, melhor poderemos amplificar o seu potencial. A grande promessa não está em ter “uma célula para tudo”. Os antigos sonhavam com panaceias, o “remédio para qualquer doença”, mas o desenvolvimento da farmácia e da medicina se deu com “um remédio para cada coisa”, pois a especificidade é uma exigência da natureza e o efeito específico tem menos risco de provocar danos. Penso que a terapia celular seguirá os mesmos rumos, teremos uma gama muito diferenciada de tratamentos, a partir das diferentes células-tronco adultas.
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Fonte: Correio Braziliense online, 01/08/2010

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