sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Os perigos da leniência

Mauro Santayana*

Alguns tribunais eleitorais dos estados estão sendo condescendentes – pelo que se noticia – ao autorizar o registro de candidatos que se enquadram nas sanções da Lei da Ficha Limpa. Ao que parece, os magistrados não entenderam, ainda, que a manifestação popular, que exigiu do Congresso a legislação saneadora, é de natureza política. Mais do que impedir que ladrões e outros delinquentes cheguem ao poder, o que se pretendia e se pretende é conferir ética e honradez ao processo eleitoral e, assim, assegurar legitimidade ao Estado.

Não se trata de punir ninguém, conforme decidiram os juízes do Supremo, mas de reconhecer outras condições de inelegibilidade além das existentes. A condenação por um juízo plural veda o registro eleitoral de quem quer que seja.

A lei protege contra as acusações injustas e a perseguição política, ao exigir que os processados tenham sido condenados por uma segunda instância. Mesmo que a condenação não seja definitiva, há, para usar a expressão conhecida, a fumaça do bom direito a indicar a inconveniência de que o réu venha a obter um mandato político.

A lei, disso sabemos, não basta, por si só, para impedir o acesso ao poder de corruptos e corruptores. Alguns conseguem, com habilidade e astúcia, violar os códigos morais sem que sejam identificados. Ainda assim, o seu efeito é salutar. Ao afastar da disputa alguns velhacos, o instrumento legal serve para desanimar outros aspirantes ao peculato e à concussão.

Argumenta-se que a corrupção sempre existiu, em todas as civilizações e formas de governo. Isso não significa que deva continuar a existir, e que seja tolerada. Ainda que nunca nos seja possível criar um Estado utópico, ocupado de homens rigorosamente honestos, devemos persistir nesse propósito. Se nos entregarmos ao conformismo, a situação se tornará, a cada eleição, mais insuportável.

Temos, no entanto, que examinar corajosamente outros aspectos da representação política, principalmente no caso do Poder Legislativo. Em oportuna e corajosa denúncia, o senador Pedro Simon mostrou como a negligência de seus pares transformou a Câmara Alta em um inferno. Nela há milhares de servidores desnecessários, que construíram um sistema corporativo de funcionários, concursados ou não, que ganham muito mais do que os parlamentares. Nesse sistema sem controle, se tornaram os reais gestores do oneroso orçamento do Congresso. Não são poucos os motoristas do Senado que percebem remuneração muito superior aos subsídios dos senadores, e, na Câmara dos Deputados, a situação não é melhor.

Severo Gomes, que era empresário, argumentava que a remuneração irrisória (tendo em vista as despesas inerentes ao mandato) afastava da vida pública os pobres com vocação política, e só favorecia o exercício do mandato a empresários e a aventureiros. Quem conhece o Poder Legislativo sabe que não há ali só ricos empresários e pobres corrompidos. Há homens e mulheres de irreprochável honradez, que se sacrificam e sacrificam suas famílias, a fim de cumprir, com dignidade, o mandato popular. Mas seria conveniente acabar com a hipocrisia e restabelecer os subsídios parlamentares que permitam aos representantes do povo uma vida sem faustos, mas com decência, sem que seja necessário recorrer a notas frias de despesas.

E é inconcebível que um motorista do Senado ganhe mais do que o seu colega da Embrapa: o primeiro princípio da democracia é o da isonomia: a trabalho igual, salário igual.
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*Jornalista
Fonte: JB online, 13/08/2010 

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