domingo, 8 de agosto de 2010

A paternidade como um dom

LUNO VOLPATO*


Embora sem a mesma pompa e dimensão da figura materna, a humanidade, com justiça, reverencia, em seu tempo, o instituto da paternidade. Cabe a ambos, pai e mãe, a missão de plantarem as sementes cujos frutos marcarão os filhos pela vida em fora. Os dois são referência e exemplo. Um é lago, o outro é oceano; um é ternura, o outro é pujança; um faz o ninho o outro o protege; um é mistério o outro é razão; um é lágrima, o outro é desafio; um é o ideal, o outro é a conquista; um é o pólen o outro é a origem. Afinal, se Deus criou o universo, a mulher gerou a humanidade.

O homem constrói a casa, a mulher edifica o lar. Eles não se excluem, nem se desassociam, antes convergem para um consenso e se cruzam no destino comum da criação da prole. Não cabe gradação neste contexto, senão a busca da harmonia de valores e sentimentos.

O pai é imprescindível na estrutura do aparato familiar e, como tal, deve assumir as funções que lhe são pertinentes. É ele quem, teoricamente, representa a energia, a pujança, o fortalecimento das relações. Já não tem, como dantes, a simbologia do guerreiro que partia em defesa da pátria, do soldado, ausente em jornadas épicas, ou do herói com o peito coberto de troféus. Agora, fruto da modernidade, é cúmplice, compartilha das atividades domésticas, participa e concorre, com a experiência, para contornar os conflitos da jornada.

Às vezes, a análise nos conduz a uma insólita constatação: filhos mais cultos humilham os pais que, em sua pureza, imaginavam legar aos filhos uma condição mais condizente. Queriam-nos doutores, pessoas ilustres. Pretendiam dar a cada filho o que não conseguiram para si mesmos. Mas nem sempre os filhos correspondem às expectativas.

Que de vezes o pai é iletrado, mas o filho, analfabeto em relações humanas, é reprovado no trato com os semelhantes, carecendo-lhe tolerância, humildade, gratidão e respeito aos cabelos brancos. Pode o filho ostentar as melhores notas, mas no boletim da vida, faltam-lhe fundamentos essenciais como honradez, caráter e cidadania.

Filhos, há-os de todos os matizes. Pobres pais! Quanto sacrifício a esmo, quantas noites indormidas e quanta labuta de enxada às costas e sol a pino! Quantas madrugadas precoces a velar o berço do filho, rebento da esperança, gerado em noites de sonhos. Que não se alegue haverem, os filhos, nascido em ninho pobre. Pobreza não exclui dignidade.

Mas o reverso da medalha também é verdadeiro. Felizmente, há famílias cuja relação é a mais fraterna, a mais generosa e solidária. A família é o grande encontro da vida. A ausência da família precede o caos. O pai já foi neto e filho o que lhe dá a sensibilidade para definir escolhas e priorizar alternativas embasadas em realidades que o sensibilizaram e lhe deram a percepção dos caminhos.

Numa casa branca à beira da estrada, nas barrancas do Paraná, vive um cidadão pacato, guerreiro de múltiplas campanhas, acariciando as reminiscências da trajetória. Ele pega um berrante, seduz a saudade, evoca as ausências e recicla os caminhos na tela sem fim das recordações. À sombra de uma sibipiruna, abre a porteira das reminiscências e tange uma boiada imaginária pela poeira das estradas. Chama as reses pelo nome: a Mimosa, a Estrela, o Brasino, o Mimoso (touro brabo que arrancou o mourão da cumeeira da nossa casa) até a tropa desaparecer no horizonte das memórias. Resgata longínquas estórias, o cavalo Ferrugem, o carro de bois, a roça de mandioca, a colheita de café, o remanso do rio.

Afago as fantasias que lhe emergem das páginas amarelecidas do tempo. E quando me conta o mesmo “causo” pela terceira vez, (o tempo é implacável!) ouço-o com mais atenção e curiosidade. Este gesto revigora-lhe as forças, incita as antigas andanças, permeando arrebóis e crepúsculos sertanejos. Ele reage ao estímulo, empolga-se, fala para uma platéia atenta, gesticula, mergulhado na apoteose das lembranças.
Este velho-menino, de 94 anos, é mais que meu ídolo: ele é meu pai!
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* Luno Volpato é escritor, poeta, membro da Academia Campinense de Letras e mestre em Língua Portuguesa
Fonte: Correio Popular online, 08/08/2010

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