domingo, 8 de agosto de 2010

Quase um semideus

ARITA DAMASCENO PETTENÁ*


Entre os guardados da gente, a carta de um menino de nove anos: “Papai, eu me orgulho muito de você. Seu nome sai sempre no jornal. Você faz mil coisas. Mas por que será que você nunca me falou de Deus?”

Jogada assim num simples papel, como mensagem do Dia dos Pais, a pergunta leva-nos a inquirir até que ponto estamos correspondendo aos anseios de nossos filhos quando, ao dar-lhes todo o conforto que está ao nosso alcance, esquecemos, por vezes, o mais importante que é a sua formação espiritual, o seu sentido cristão de vida.

Ser pai implica não apenas em gerar um filho num instante de prazer. Não implica, sobretudo, concretizar-lhe todos os sonhos de adolescente. Ser pai, mais que assumir uma paternidade num livro de cartório, requer do seu agente um certo compromisso moral de educar um filho para enfrentar um mundo cheio de conflitos e agressões.

Já se foi o tempo em que um simples olhar bastaria para manobrar o jovem inexperiente de acordo com as exigências do pai austero, padronizado por uma sociedade que ditava normas, mas que longe estava de nelas se enquadrar.

Os filhos de hoje — e com justa razão — refutam os pais–sermão. Aqueles que, por vezes, pregam uma moral que não têm. Eles precisam de segurança. De amor. De diálogo. Querem na figura do pai não um modelo de virtudes porque, abertos e sem preconceitos, sabem muito bem que é às vezes na fraqueza que o homem se humaniza.

Os adolescentes que vivem hoje pelos divãs de psiquiatras, pelas clínicas de farmacodependentes, são quase sempre produtos de um lar onde não faltou praticamente nada em matéria de conforto e de “sim” a todas as suas solicitações. Mas faltou-lhes o mais importante: sensibilidade para sentir seus problemas, compreensão para ajudá-los em seus devaneios, tempo para ouvi-los.

Sabemos ser difícil, muito difícil mesmo, educar nos dias de hoje. Se há entendidos que dizem ser o dinheiro um dos males na mão da juventude, não há também como negar que a falta dele pode ocasionar a busca do jovem por outros subterfúgios, nem sempre compatíveis com a sua formação.

Um pai equilibrado dosa suas atitudes com energia e mansidão. Procura no filho um coparticipante de seu modo de agir, de sua maneira de ser, sem se deixar levar por gestos essencialmente paternalistas. Quando chamado à luta deve ser herói de suas histórias de criança. Quando diante das grandes injustiças sociais jamais deve vencer pelo medo e pelo servilismo, porque a omissão é um dos maiores atentados à criatura humana. O pai, enfim, deve ser o próprio retrato falado da coragem e da honestidade, dentro de um conteúdo profundamente cristão, sem jamais se deixar conduzir pelos tabus e pelos preconceitos, pelas leis e pelas barreiras, que só escravizam e aniquilam o humano ser, ferindo-o muitas vezes nos seus mais lídimos anseios, no seu acalentado sonho de amar e ser feliz. Ser pai é até mesmo ser quase um semideus, ainda que sendo homem.
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*Arita Damasceno Pettená é membro da Academia Campineira de Letras, Ciências e Artes das Forças Armadas
Fonte: Correio Popular online, 08/08/2010

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