quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Paul Bloom: "Nossas crenças afetam nosso prazer"


Um dos maiores estudiosos do aprendizado explica
por que a ilusão é importante para o desejo humano

Letícia Sorg

É fácil imaginar uma explicação evolutiva para o desejo de fazer sexo ou comer – comportamentos favoráveis à reprodução e à sobrevivência da espécie tendem a ser transmitidos. Mas como explicar o gosto por música ou pintura? Por que na infância gostamos de ursos de pelúcia? Em suas pesquisas sobre o desenvolvimento infantil, o psicólogo Paul Bloom, professor da Universidade Yale, descobriu que as crianças não gostam de seus brinquedos por causa da aparência e se recusavam a receber uma cópia, mesmo idêntica, no lugar do original. Qual é a razão? Instigado pela dúvida, Bloom reuniu as últimas pesquisas sobre o tema no livro How pleasure works (Como o prazer funciona), lançado recentemente nos Estados Unidos. Nesta entrevista, como no livro, ele tenta explicar por que gostamos do que gostamos.

ENTREVISTA - PAUL BLOOM

ÉPOCA – Por que é importante saber por que gostamos do que gostamos?
Paul Bloom – Há duas respostas. Minha resposta é que é intelectualmente interessante. O prazer é um aspecto fundamental da natureza humana e qualquer teoria sobre a mente ou sobre como as pessoas funcionam inclui entender melhor do que elas gostam. A resposta prática é que muitas pessoas querem aumentar a quantidade de prazer que têm em sua vida e diminuir a quantidade de sofrimento, e, para isso, é preciso entender do que gostamos e por que gostamos. Muitos de nós não sabemos o que nos dá prazer, e aprender mais sobre isso pode melhorar nossa vida.

ÉPOCA – O senhor diz que há uma lista finita de prazeres. Quantos e quais são eles?
Bloom – É difícil dizer um número, mas são mais do que cinco e menos do que 50. As pessoas gostam de sexo, de comida, de histórias, de se sentir seguras, de satisfazer sua curiosidade... Se continuarmos a listar, chegaremos aos prazeres que nos foram dados pelo processo evolutivo.

ÉPOCA – Mas seu livro questiona a ideia de que todos os prazeres são resultado do processo evolutivo e, portanto, formas de favorecer a reprodução e a sobrevivência.
Bloom – Grande parte do meu livro é uma discussão sobre como vamos além desses prazeres inatos. Muitos prazeres – os mais interessantes, eu diria – não trazem nenhuma vantagem evolutiva, como apreciar uma obra de arte ou assistir à televisão. A ideia de que muitos prazeres surgiram da evolução é verdadeira, mas me interessa como nós ampliamos e elaboramos esses prazeres, algumas vezes até eles não terem mais benefícios para nossa sobrevivência. As pessoas evoluíram para sentir atração sexual umas pelas outras. Isso faz muito sentido dentro da teoria de Darwin. Mas também somos atraídos pela pornografia, por fotografias, por vídeos, que não trazem nenhum benefício reprodutivo.

ÉPOCA – Mas todo prazer precisa ter uma ligação, ainda que indireta, com a evolução?
Bloom – Há sempre uma ligação, mas nem sempre tão simples. O caso da pornografia é uma extensão clara: como evoluímos para responder aos estímulos de pessoas reais, é natural respondermos também a imagens. Mas há extensões menos claras, como o prazer dos objetos com valor sentimental, como ursos de pelúcia, alianças de casamento. Esse é um prazer muito humano – não é algo que poderia facilmente ser explicado pelo processo evolutivo. Basicamente, o que acontece é que relacionamos nossa própria história ao objeto.

ÉPOCA – Isso quer dizer que o prazer é mais cultural do que biológico?
Bloom – Não. Nós temos interesse na essência das coisas, na natureza mais profunda, e isso é universal. Não é produto de uma cultura, é biológico. Mas há também aspectos culturais que podem alterar nosso prazer.

ÉPOCA – Como explicar que dois irmãos que dividem grande parte da carga genética e foram criados na mesma cultura possam ter gostos totalmente diferentes?
Bloom – Uma parte da explicação está nas diferenças genéticas. Outra parte pode estar ligada à experiência individual – um irmão pode comer algo ouvindo uma música de que gosta e associar um alimento a algo bom, enquanto o outro pode fazer uma associação ruim.

ÉPOCA – O senhor descreve vários estudos que mostram como somos incapazes de distinguir, em testes cegos, água da torneira de água engarrafada, vinho caro de vinho barato.
Bloom – Somos incapazes até de distinguir patê de ração de cachorro! O engraçado é que as pessoas acham que elas, ao contrário dos participantes das pesquisas, saberiam a diferença. Elas me dizem: “Eu gosto da bebida pelo seu sabor! Bebo aquele vinho porque gosto, não ligo para o preço”. Mas isso é uma ilusão de todos nós. Quer gostemos ou não, nossas experiências são muito influenciadas por nossas crenças. O que pensamos afeta drasticamente o que sentimos.

ÉPOCA – Deveríamos, então, deixar de lado as degustações de vinho e parar? O prazer é uma ilusão?
Bloom – As pessoas sempre pensam que esses estudos trazem uma má notícia. Mas não estou certo disso. Essas pesquisas só mostram que somos sensíveis a aspectos mais profundos. Suponha que você tenha um objeto de que gosta muito, mas que não consiga distinguir de outro objeto, uma cópia, pelo qual você não tem nenhum apreço. É irracional gostar mais do original, por causa de sua história, do que da cópia? Acho razoável considerar que algo é mais gostoso porque você acha que é natural ou porque você sabe que é mais caro. É verdade que somos enganados algumas vezes, mas não na maioria delas. Às vezes escolhemos ter um Picasso, e não uma réplica; ou manter nossa aliança de casamento original, e não usar uma cópia. Existe a opção de beber um vinho sem olhar o rótulo ou saber seu preço. Mas, na minha opinião, ter esse conhecimento torna as experiências mais prazerosas.

ÉPOCA – Até que ponto podemos alterar nossos gostos, nossas fontes de prazer?
Bloom – Se as crenças mudam radicalmente a forma como as pessoas sentem algo, então o prazer pode mudar se as opiniões mudarem. Se suas convicções sobre um objeto mudarem, seu sentimento sobre ele vai mudar. Se as pessoas começarem a reprovar o processo de obtenção dos diamantes, vão passar a gostar menos deles. Isso de certa forma é uma boa notícia: nossa crença de que algo é ruim pode nos fazer gostar menos dele.
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QUEM É
Psicólogo nascido em 1963 em Montreal, no Canadá, vive em New Haven, nos Estados Unidos, com a mulher, a psicóloga Karen Wynn, e dois filhos
O QUE FEZ
É professor do Departamento de Psicologia de Yale. Seus trabalhos foram publicados nas revistas Nature e Science, entre outras. Escreve regularmente artigos em jornais como o The New York Times e o The Guardian. Entre outros livros, é autor de Descartes’ baby (2004), sobre como crianças aprendem

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