Entrevista. Antonio Banderas
Antonio Banderas
Em entrevista ao 'Estado', ele lembra do caminho que abriu nos EUA e diz que quer deixar a loucura do estrelato
Cleide Klock
NOVA YORK - Em um primeiro momento a
fala soa tímida, o tom é baixo, o ritmo um tanto lento para alguém lá
das terras ‘calientes’ da Andaluzia. O olhar nem é tão profundo quanto o
do Zorro. Cansado, depois de um dia inteiro de entrevistas, ele solta
em uma mesa para jornalistas do mundo inteiro a primeira frase de
efeito: “Meu reino por um travesseiro”. Mas, logo esquece o cansaço e
não demora muito para o espanhol mais famoso de Hollywood mudar
completamente a postura: quando começa a falar de sua paixão em atuar,
se transforma, enfim, em Antonio Banderas, aquele que a gente conhece. E
não é que até o olhar fica mais profundo?
Logo
se declara em bom portunhol: “O Brasil me encanta. Se tudo der certo,
vou para lá ainda este ano”. Antes disso, vai aparecer na tela grande
como o pirata Barba Burger, na animação Bob Esponja – Um Herói fora D’Água, que chega aos cinemas brasileiros na quinta, 5.
O que o atrai nessas produções infantis?
A minha carreira, há pelo menos 14 anos, está relacionada ao universo infantil. Fiz Pequenos Espiões, depois entrei no mundo do Shrek,
do Gato de Botas ‘solo’ e agora me transformei em um pirata. Esse é um
gênero que sempre me interessou e acho que me chamam para atuar nessas
produções porque sabem que nunca deixei morrer o menino que mora dentro
de mim. E, de contraponto, como ator, posso fazer o que em um filme
adulto não poderia.
Como é atuar com bonecos, com personagens que no set você não vê?
É difícil, principalmente no primeiro dia de trabalho, tudo é
estranho. Ao invés de contracenar com atores, ao redor de mim tinham
profissionais de arte gráfica preocupados com as cores de seus bonecos.
"Nunca vou esquecer. Quando cheguei (EUA),
há 23 anos, me falaram
Você vai fazer papéis de personagens malvados,
porque aqui os maus são
interpretados
por hispânicos ou negros."
Na sua cidade, Málaga, tem uma rua com seu nome (Paseo Maritimo Antonio Banderas), o que acha dessa homenagem?
Eles têm esse tipo de amor por mim, fico ao mesmo tempo
orgulhoso e também acho estranho. Fico imaginando as pessoas quando
passam o endereço: ‘moro na Antonio Banderas, 15 (risos)’. Mas entendo
que esse processo tem a ver com o contexto político do meu país. Venho
de um lugar onde as pessoas se sentiam inferiores. Temos muitos valores,
mas naquele contexto de 40 anos atrás, nos sentíamos em uma ilha com
uma ditadura, enquanto a Europa vivia uma democracia com uma cultura
efervescente. Então crescemos admirando os alemães, ingleses... e de,
repente, nos demos conta que também poderíamos chegar lá e fazer nós
mesmos a nossa história. Inclusive vir para Hollywood. Naquela altura
isso parecia uma piada. Eu falava que viria para cá e todos achavam que
eu estava brincando. Depois de mim vieram outros, Penelope Cruz, Javier
Bardem e tantos outros, e mostramos que o mundo estava também aberto
para nós. Isso começou a ser natural para cantores de ópera, jogadores
de tênis, modelos, pilotos de Fórmula 1, só aí que os espanhóis
conseguiram sentir que são pessoas como as outras, que acertam e erram
na mesma proporção. Então, acho que essas pessoas que colocaram meu nome
da rua me acham pioneiro de alguma forma e fico orgulhoso.
Você lembra como foi a sua recepção como ator nos Estados Unidos?
Nunca vou esquecer. Quando cheguei, há 23 anos, me falaram:
‘Você vai fazer papéis de personagens malvados, porque aqui os maus são
interpretados por hispânicos ou negros. Mas alguns anos depois, quando
estava fazendo Zorro, o malvado já se transformara em um ator louro, de
olhos azuis e com inglês perfeito. Então eu pensei: o mundo está
mudando. Quando fiz Gato de Botas tive certeza. Os americanos
são muito preocupados com a maneira com que os filmes afetam as
crianças, então a partir do momento que colocam um herói com um sotaque
como o meu, eles estavam também mandando uma mensagem de que alguém com
esse sotaque estranho poderia ser um herói.
Como é ser um símbolo sexual e sempre estar na lista dos homens mais bonitos e charmosos do mundo, há mais de 20 anos?
Não acredito nessas listas. Eu costumo me olhar no espelho de manhã, então não consigo acreditar nisso.
Então você sabe o que vê?
Talvez lá pelas sete horas da manhã não consigo ver muita
coisa (risos). Acho que são essas coisas de Hollywood, esse mundo de
glamour precisa ter nomes. Se você for andar na Quinta Avenida vai
encontrar rapidinho uns quinze que são muito mais bonitos do que eu.
Pode adiantar como estão os próximos projetos? Dois deles têm o número 33!
Sim, é uma coincidência. The 33 é sobre os mineiros
que ficaram presos em uma mina no Chile, trabalhei inclusive com Rodrigo
Santoro nesse filme. Ele é um ótimo ator e foi um grande companheiro de
set. Acho que vai ser um bom filme, vão lançar no verão aqui nos
Estados Unidos, e se não fosse bom, não lançariam em uma época dessas. O
outro é 33 Dias, sobre Picasso e está em processo de
pré-produção e levantamento de recurso. Para mim, essa produção tem um
grande significado, pois Picasso nasceu a dois blocos da minha casa em
Málaga.
Aos 54 anos, você se vê em outro momento da carreira?
Sim, eu não estou querendo fechar portas e nem dizer que meu
tempo na América se encerrou. Mas quero, por exemplo, fazer muito mais
produção e direção na Espanha. Não ganharei mais dinheiro, mas terei
mais liberdade. Eu quero acima de tudo transformar minha vida
profissional em meu hobby e não viver o tempo todo nesse desespero de
bilheteria, de como a crítica recebeu meu filme. Por isso me aventuro
com os meus perfumes e vinhos. Assim eu compro minha liberdade.
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Fonte: Estadão online, 01/02/2015
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