Vladimir Safatle*
Traficantes de drogas e armas não teriam tanto poder se não existissem bancos que oferecem seus serviços
de lavagem de dinheiro
Estamos em 1860.
O Império Britânico acaba de vencer a famosa “Guerra do Ópio” contra a
China, talvez uma das páginas mais cínicas e criminosas da história
cínica e criminosa do colonialismo. Metade do comércio da Inglaterra com
a China baseia-se na venda ilegal de ópio. Diante da devastação
provocada pela droga em sua população, o governo chinês resolve proibir
radicalmente seu comércio. A resposta chega por uma sucessão de guerras
nas quais a Inglaterra vence e obriga a China a abrir seus portos para
os traficantes e missionários cristãos (uma dupla infalível, como
veremos mais à frente), além de ocupar Hong Kong por 155 anos.
Em 1860, guerra terminada, os ingleses tiveram a ideia de
abrir um banco para financiar o comércio baseado no tráfico de drogas.
Dessa forma apoteótica, nasceu o HKSC, tempos depois transformado em
HSBC (Hong Kong and Shangai Bank Corporation), conhecido de todos nós
atualmente. Sua história é o exemplo mais bem acabado de como o
desenvolvimento do capitalismo financeiro e a cumplicidade com a alta
criminalidade andam de mãos dadas.
A partir dos anos 70 do século passado,
por meio da compra de corporações nos Estados Unidos e no Reino Unido, o
HSBC transformou-se em um dos maiores conglomerados financeiros do
mundo. No Brasil, adquiriu o falido Bamerindus. Tem atualmente 270 mil
funcionários e atua em mais de 80 países. Sua expansão deu-se, em larga
medida, por meio da aquisição de bancos conhecidos por envolvimento em
negócios ilícitos, entre eles o Republic New York Corporation, de
propriedade do banqueiro brasileiro Edmond Safra, morto em
circunstâncias misteriosas em seu apartamento monegasco. Um banco cuja
carteira de clientes era composta, entre outros, de traficantes de
diamantes e suspeitos de negócios com a máfia russa, para citar alguns
dos nobres correntistas. Segundo analistas de Wall Street, a instituição
financeira de Nova York teria sido vendida por um preço 40% inferior ao
seu valor real.
Assim que vários jornais
do mundo exibiram documentos com detalhes de como a filial do HSBC em
Genebra havia lavado dinheiro de ditadores, traficantes de armas e
drogas, auxiliado todo tipo de gente a operar fraudes fiscais
milionárias e a abrir empresas offshore, a matriz
emitiu um seco comunicado no qual informava que tais práticas, ocorridas
até 2007, não tinham mais lugar e que, desde então, os padrões de
controle estavam em outro patamar. Mas não é exatamente essa a
realidade.
Em julho de 2013, a senadora norte-americana Elisabeth
Warren fez um discurso no qual perguntava: quanto tempo seria ainda
necessário para fechar um banco como o HSBC? A instituição havia acabado
de assumir a culpa por lavagem de dinheiro do tráfico de drogas
mexicano e colombiano, além de organizações ligadas ao terrorismo. Tudo
ocorreu entre 2003 e 2010. A punição? Multa irrisória de 1,9 milhão de
dólares.
Que fantástico. Entre 2006 e 2010, o diretor mundial do
banco era o pastor anglicano (sim, o pastor, lembram-se da Guerra do
Ópio?) Stephen Green, que, desde 2010, tem um novo cargo, o de ministro
do gabinete conservador de David Cameron, cujo governo é conhecido por
não ser muito ágil na caça à evasão fiscal dos ricos que escondem seu
dinheiro. Enquanto isso, os ingleses veem seu serviço social decompor-se
e suas universidades serem privatizadas de fato. O que permite
perguntas interessantes sobre quem realmente nos governa e quais são
seus reais interesses.
Alguns fatos são bastante evidentes para qualquer
interessado em juntar os pontos. Você poderia colocar seus filhos em
boas escolas públicas e ter um bom sistema de saúde público, o que o
levaria a economizar parte de seus rendimentos, se especuladores e
rentistas não tivessem a segurança de que bancos como o HSBC irão
auxiliá-los, com toda a sua expertise, na evasão de divisas e na
fraude fiscal. Traficantes de armas e drogas não teriam tanto poder se
não existissem bancos que, placidamente, oferecem seus serviços de
lavagem de dinheiro com discrição e eficiência. Se assim for, por que
chamar de “bancos” o que se parece mais com instituições criminosas
institucionalizadas de longa data?
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* Professor da Faculdade de Filosofia da USP, é autor do livro "A esquerda que não teme dizer seu nome"
Fonte: Revista Carta Capital online, 15/02/2015
* Professor da Faculdade de Filosofia da USP, é autor do livro "A esquerda que não teme dizer seu nome"
Fonte: Revista Carta Capital online, 15/02/2015
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