Richard Smith, médico que causou grande polêmica ao dizer que morte por câncer seria a melhor
"Você pode dizer adeus, refletir sobre a vida, deixar mensagens, visitar
lugares especiais pela última vez, ouvir as músicas favoritas, ler
poemas e se preparar, de acordo com suas crenças, para encontrar seu
criador ou curtir o esquecimento eterno."
Essa é a visão romântica da morte por câncer, "atingível com amor,
morfina e uísque". Com ela, o médico britânico Richard Smith, 62,
ex-editor da prestigioso periódico médico "British Medical Journal",
causou uma polêmica de proporção global no início deste ano, quando
publicou um texto sobre o tema.
"A reação foi maior do que qualquer coisa que eu tenha escrito em 40 anos", afirma.
Richard Smith falou com a Folha, a respeito da polêmica, do
"gasto excessivo" com pesquisa relacionada a câncer e de um projeto que
visa melhorar a atenção básica a saúde, a ser implementado no Brasil, do
qual participa.
Neste projeto, chamado de Pack Adulto, a ideia é treinar profissionais
da saúde para que possam realizar a atenção primária em saúde de forma
barata e eficiente, adaptando um modelo já utilizado na África do Sul.
Veja abaixo a entrevista.
*
Folha - O senhor disse recentemente que a melhor maneira de morrer é
pelo câncer. Como foi a repercussão? Você esperava tamanha atenção?
Richard Smith - A reação a isso foi maior do que qualquer coisa que eu tenha escrito em 40 anos de jornalismo médico. Foi uma reação global, e muitas pessoas, particularmente aqueles cujos parentes sofreram e morreram de câncer, se sentiram compreensivelmente ultrajados. Até mesmo recebi ameaças de morte. Não esperava tanta atenção, já que eu estava escrevendo principalmente para médicos.
Richard Smith - A reação a isso foi maior do que qualquer coisa que eu tenha escrito em 40 anos de jornalismo médico. Foi uma reação global, e muitas pessoas, particularmente aqueles cujos parentes sofreram e morreram de câncer, se sentiram compreensivelmente ultrajados. Até mesmo recebi ameaças de morte. Não esperava tanta atenção, já que eu estava escrevendo principalmente para médicos.
Mas o senhor não estava tentando convencer o público em geral (ou aos
médicos e cientistas) a não procurar uma cura para o câncer?
Não, mas eu penso que muito dinheiro gasto em pesquisas de câncer poderia ser melhor gasto pesquisando, por exemplo, neurociência, demência e problemas de saúde mental. Eu não penso que algum dia cheguemos a curar todos os cânceres. Muitos oncologistas e biologistas moleculares concordam. Em algum sentido, o câncer faz parte da gente.
Não, mas eu penso que muito dinheiro gasto em pesquisas de câncer poderia ser melhor gasto pesquisando, por exemplo, neurociência, demência e problemas de saúde mental. Eu não penso que algum dia cheguemos a curar todos os cânceres. Muitos oncologistas e biologistas moleculares concordam. Em algum sentido, o câncer faz parte da gente.
O senhor acha que dinheiro demais é gasto na pesquisa de câncer?
Sim. De várias maneiras o câncer se tornou uma bênção para biologistas celulares e moleculares: eles ganham muito dinheiro para fazer pesquisa básica [que busca o entendimento de um fenômeno, não tendo em vista uma aplicação imediata]. Não sou contra a pesquisa básica, mas eu gostaria de ver mais honestidade e menos propaganda quando falam da significância da pesquisa.
Sim. De várias maneiras o câncer se tornou uma bênção para biologistas celulares e moleculares: eles ganham muito dinheiro para fazer pesquisa básica [que busca o entendimento de um fenômeno, não tendo em vista uma aplicação imediata]. Não sou contra a pesquisa básica, mas eu gostaria de ver mais honestidade e menos propaganda quando falam da significância da pesquisa.
O senhor acha que médicos geralmente discordam dos pacientes sobre a melhor maneira de morrer. Como?
Muitos médicos concordam comigo de que câncer é a melhor maneira de morrer.
Existem essencialmente quatro maneiras: morte súbita, que vem se tornando pouco comum; de demência, uma morte lenta; de falência dos órgãos, que é geralmente uma morte imprevisível; e por câncer, em que o declínio final ocorre ao longo de semanas, dando tempo para despedidas e toda sorte de preparativos.
Muitos médicos concordam comigo de que câncer é a melhor maneira de morrer.
Existem essencialmente quatro maneiras: morte súbita, que vem se tornando pouco comum; de demência, uma morte lenta; de falência dos órgãos, que é geralmente uma morte imprevisível; e por câncer, em que o declínio final ocorre ao longo de semanas, dando tempo para despedidas e toda sorte de preparativos.
Médicos geralmente insistem em tratar os pacientes por tempo demais, mas muitos deles mesmos optam por um tratamento menos agressivo quando é com eles.
Poucos médicos querem, por exemplo, morrer na UTI, onde cada vez mais pessoas morrem em uma morte técnica e sem alma.
O senhor é religioso?
Não. Sou ateu, mas eu me interesso por religiões. Eu gosto de pensar que eu, como tudo mundo, tenho um lado espiritual, que se manifesta para mim através da música, poesia, e longas caminhadas em meio à natureza.
Não. Sou ateu, mas eu me interesso por religiões. Eu gosto de pensar que eu, como tudo mundo, tenho um lado espiritual, que se manifesta para mim através da música, poesia, e longas caminhadas em meio à natureza.
As pessoas muitas vezes tentam não pensar a respeito da morte. O senhor acha que isso traz mais mal do que bem?
Eu tenho certeza que nunca pensar a respeito da própria morte faz mal. Os filósofos estoicos, como Sêneca, mostraram claramente que contemplar a própria morte não só leva a uma morte melhor como a uma vida melhor. Uma aceitação por inteiro da morte significa uma vida plena. Para mim a morte dá significado à vida. É um ciclo natural.
Além disso, pessoas que nunca pensam na morte geralmente estão mal preparadas quando ficam doentes e próximas dela. Eu acho que todas as pessoas devem ter de modo claro o que quer que aconteça com elas quando a morte se aproximar.
O que é o projeto em que o senhor está envolvido no Brasil?
É um projeto que busca melhorar o atendimento primário em áreas em que há poucos médicos. É um pacote chamado de Pack Adulto, [algo como Guia Básico para Cuidados de Saúde] e foi desenvolvido na Universidade da Cidade do Cabo por 14 anos e que tem mostrado em ensaios randomizados que é possível melhorar a qualidade da atenção primária à saúde.
É um projeto que busca melhorar o atendimento primário em áreas em que há poucos médicos. É um pacote chamado de Pack Adulto, [algo como Guia Básico para Cuidados de Saúde] e foi desenvolvido na Universidade da Cidade do Cabo por 14 anos e que tem mostrado em ensaios randomizados que é possível melhorar a qualidade da atenção primária à saúde.
O pacote é usado em toda a África do Sul (um país que tem similaridades como Brasil) e consiste em estabelecer algumas normas de conduta, com treinamento local, focado no trabalho em equipe e em prescrição não médica.
Há um interesse global nesse pacote, mas ele não pode simplesmente ser transplantado da África do Sul para outros países. Ele tem que ser local, e Florianópolis é o primeiro lugar no mundo, fora da África do Sul, a testar maneiras eficientes de custear a adaptação dessas medidas.
Nossa esperança é que o trabalho possa trazer benefício para pessoas mais pobres e de áreas mais remotas no Brasil assim como em outros países.
O Brasil é pioneiro, e esse é um exemplo do que eu quis dizer com implementar soluções simples e efetivas de assistência à saúde.
Qual o problema que vocês estão querendo resolver e que resultados vocês esperam?
O problema é a fraca atenção básica em áreas mal servidas, além da quantidade reduzida de médicos. Nós esperamos que o Pack Adulto possa trazer atenção básica de qualidade a todos no Brasil. É bem sabido que atenção primária de qualidade significa melhor cuidado a um baixo custo.
O problema é a fraca atenção básica em áreas mal servidas, além da quantidade reduzida de médicos. Nós esperamos que o Pack Adulto possa trazer atenção básica de qualidade a todos no Brasil. É bem sabido que atenção primária de qualidade significa melhor cuidado a um baixo custo.
O senhor pensa que a formação dos médicos é adequada?
O treinamento de médicos tem que mudar na medida em que os padrões de doenças mudam. Nós vivemos em um mundo de pacientes, a maioria idosos, com múltiplos problemas, muitos crônicos, como diabetes ou hipertensão.
O treinamento de médicos tem que mudar na medida em que os padrões de doenças mudam. Nós vivemos em um mundo de pacientes, a maioria idosos, com múltiplos problemas, muitos crônicos, como diabetes ou hipertensão.
O modelo quando eu estava na faculdade, nos anos 70, era "diagnóstico, tratamento e cura". Quando alguém tem meningite, esse é o modelo: o que o médico faz determina se o paciente sobrevive.
Mas hoje o diagnóstico é menos importante porque nós, em geral, já sabemos o que os pacientes têm, e o tratamento depende mais deles que do médico: mudanças no estilo de vida e adaptação às condições impostas por doenças crônicas. Há pouca cura, a maioria das doenças ficarão presentes por toda a vida.
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RAIO-X - Richard Smith
IDADE
62 anos
62 anos
FORMAÇÃO
Médico pela Universidade de Edimburgo em 1976, com mestrado pela Universidade Stanford em 1990
Médico pela Universidade de Edimburgo em 1976, com mestrado pela Universidade Stanford em 1990
ATUAÇÃO
De 1991 a 2004, foi editor-chefe da revista científica 'British Medical Journal'. É professor no Imperial College de Londres. Dirige ONGs voltadas a direitos de pacientes e à saúde em países pobres.
De 1991 a 2004, foi editor-chefe da revista científica 'British Medical Journal'. É professor no Imperial College de Londres. Dirige ONGs voltadas a direitos de pacientes e à saúde em países pobres.
Reportagem por GABRIEL ALVES DE SÃO PAULO
Fonte: Folha online, 21/02/2015
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