terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Malvine Zalcberg, psicanalista: ‘As mulheres não se compreendem’


Malvine Zalcberg: "O amor exagerado sufoca qualquer filho ou filha"  - Ivo Gonzalez /
 Agência O Globo
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Lacaniana belga, naturalizada brasileira, autora de livros traduzidos na Itália e na França, diz que maioria das mães não deixa a filha virar mulher

“Nasci na Antuérpia, mas tive a sorte de vir pequena para o Brasil, crescer aqui e adotar a cidadania brasileira. Fiz mestrado e doutorado em psicanálise na PUC-Rio e dei aulas na Uerj por 26 anos. Pensar na relação com a minha mãe e a minha filha me fez ver a importância de saber se posicionar nessa relação.”

Conte algo que não sei.
Por que se diz que é tão difícil compreender as mulheres e não os homens? A mulher tem uma formação psíquica muito mais complicada. A maneira de ela deixar de ser menina e se tornar mulher tem características específicas. Há um desencanto dos homens por não compreenderem as mulheres, mas a grande questão é que as mulheres é que não se compreendem.

Quais são essas características específicas na passagem da menina para a mulher?
Na minha experiência profissional, vi que o papel da mãe tinha um valor enorme, que regia a vida da filha. As mulheres vivem essa situação de forma intensa e muito dramática, às vezes. Nos anos idílicos, quando a menina tem 10, 11 anos e vive grudada na mãe, as duas falam a mesma língua, que é a língua da mãe. Isso dá a ela um poder enorme sobre a filha.

A filha também demanda a mãe nesse período, não?
A filha fica colada na mãe porque é a mãe que mostra para ela o que é ser mulher. Só que nem sempre a mãe entende isso e fica dizendo: “Minha filha me ama”. Como toda mulher quer sempre ser amada, a mãe tenta manter essa língua de amor com a filha, sem perceber que a menina precisa encontrar a sua própria fala, que é o que acontece na adolescência. Se a mãe entrar com muito poder nos anos idílicos, esse processo é interrompido.

Mas essa libertação da filha em relação à mãe é possível?
É muito possível, mas é preciso fazer uma construção que muitas vezes a mulher acha que não é capaz. Essa construção é que vai formar a mulher. Muitas vezes digo no consultório: “você não é mais aquela menininha”. E as pacientes tomam um susto. O ideal é a gente mudar o discurso da mãe, porque muitas mães não querem se libertar e não deixam a filha se libertar. O amor exagerado sufoca qualquer filho ou filha.

O que acontece se mãe e filha não se separam?
Dificulta muito a vida da filha. A mãe que consegue se separar eu chamo de heroica. Porque todas têm vontade de sair correndo atrás da filha. Eu tenho vontade até hoje. É preciso perceber quando a filha realmente precisa de você. Quanto mais a filha se distingue da mãe, mais próxima como mulher ela pode ficar. Esse é um esforço que, se a mãe ajudar a filha a se libertar, haverá uma eterna gratidão. Caso contrário, há uma mágoa.
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De que forma a relação entre a mãe e o filho homem é diferente?
A relação é diferente, o próprio corpo já impõe uma distância. Quando ocorre a entrada do pai, o que chamamos de constituição do Édipo, que separa o filho e a filha da mãe, o menino vira para a mãe e fala: “Adeus, mamãe, a minha identificação não depende de você”. Ele continua amando a mãe, não precisa dela da mesma forma que a menina.

É possível que o homem entenda a mulher?
Acho que não. Ele pode entender melhor muitos aspectos pelos quais a mulher passou, mas há algo misterioso na constituição feminina. É o encanto da mulher. Não é isso que vai atrapalhar a relação.

O que atrapalha a relação?
O que ela pode compreender e não compreende, como a relação complicada com a mãe e a construção da sua feminilidade. Se ela compreender isso, vai trazer menos problemas para a relação com o homem.
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Reportagem por Leonardo Cazes
Jornal o Globo online, 10/02/2015 

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