João Sayad*
"A educação é importante porque aumenta a empregabilidade, a
produtividade, a renda, as exportações e reduz a violência. O ensino
técnico explodiu em São Paulo e no Brasil. Formamos encanadores,
torneiros mecânicos, cabeleireiros especializados em tintura, em
rastafari etc. Mas têm aulas de história? De literatura, música ou de
cinema? Ensina a
se comportar na rua?"
"A solução é a educação? - pergunta o ex-ministro. A União Soviética e a Rússia
que a sucedeu tem o maior contingente de cientistas em ciências exatas,
matemática, física, química, grandes escritores, dramaturgos e poetas. E
continua a Rússia, muito distante dos Estados Unidos e da Europa,
pouquíssimo democrática, belicosa e preocupada com o Império Russo e um
passado militar glorioso. E onde os russos passam frio e sentem fome.
Por que a Rússia não deu certo?"
Eis o artigo.
O leitor me desculpe, mas esse artigo é arrogante e pessimista. É sobre o Brasil,
suas mazelas econômicas, as cidades feias, as ruas estreitas e sujas, a
corrupção, o cinema, a arquitetura e os debates que ocupam as páginas
de todos os jornais. Estamos na Quaresma, tempo de penitência, jejum e reflexão.
Uma parte do sentimento de luto vem da propaganda eleitoral. Foram dois meses de louvor e glória ao Brasil
e aos brasileiros "guerreiros" (influência dos livros de autoajuda?),
os pobres comprando casa própria, estudando na universidade no Brasil e depois no exterior e tantas outras coisas boas. O Brasil
da propaganda ficou tão longe do que apareceu depois - violência, falta
de água, de energia elétrica, corrupção, os preços baixos do petróleo e
o desaparecimento da dinheirama do pré-sal que seria usada em educação e
saúde. A propaganda eleitoral sublinhou involuntariamente a tristeza do
país depois das eleições.
Já se disse que o luto, o sofrimento da perda, é a condição necessária para a manutenção da saúde mental.
A propaganda eleitoral sublinhou involuntariamente
a tristeza do país depois das eleições
Devemos ser gratos à propaganda eleitoral e à histeria do carnaval,
com músicas sem graça e alegria injustificada. A propaganda eleitoral
transformou todos os brasileiros em parentes desolados e surpresos pela
morte súbita de alguém querido e saudável que de repente foi levado
desta para outra vida por um assaltante drogado; por um ônibus queimado;
por um motorista bêbado ou pela queda de uma árvore. Uma morte
inesperada, o luto mais doloroso, mais longo e por isto mesmo, mais
produtivo.
Por que o Brasil é tão pequeno? Tão pobre? Tão
voltado para o próprio umbigo - mais Estado ou mais mercado? mais
punição ou mais corrupção? ciclovias? mais desmatamento ou mais água?
por que tanta violência?
A Riqueza das Nações apresenta uma explicação. A riqueza de um país
depende do tamanho do mercado e da divisão do trabalho que ela propicia.
Mas fomos sempre especializados - em pau-brasil, cana-de-açucar, ouro,
café, agricultura de alto rendimento. O Brasil é um país rico. Mas continuamos pobres e pequenos.
A solução é a educação? A União Soviética e a Rússia
que a sucedeu tem o maior contingente de cientistas em ciências exatas,
matemática, física, química, grandes escritores, dramaturgos e poetas. E
continua a Rússia, muito distante dos Estados Unidos e da Europa,
pouquíssimo democrática, belicosa e preocupada com o Império Russo e um
passado militar glorioso. E onde os russos passam frio e sentem fome.
Por que a Rússia não deu certo?
A educação se tornou uma grande prioridade. A população em idade
escolar está matriculada, as matrículas no ensino superior explodiram e
não há discurso no país que não diga que educação é a prioridade.
Mas é um discurso economicista. A educação é importante porque
aumenta a empregabilidade, a produtividade, a renda, as exportações e
reduz a violência. O ensino técnico explodiu em São Paulo e no Brasil.
Formamos encanadores, torneiros mecânicos, cabeleireiros especializados
em tintura, em rastafari etc. Mas têm aulas de história? De literatura,
música ou de cinema? Ensina a se comportar na rua?
E o debate é sobre ensino gratuito ou pago. Nos anos 60, Theodore Schultz
criou o conceito de capital humano - o aluno deixa de ganhar uma renda
maior agora, ficando na escola, e recebe com juros e dividendos uma
renda maior no futuro porque estudou. Se a educação aumenta o capital
humano do aluno, ele deve pagar por isto.
Será? O cidadão educado obtém um capital privado (o que pode ganhar a
mais) e um capital público (o que aumenta sua produtividade, mas não
aumenta o seu salário). Oswaldo Cruz, Emílio Ribas, Cesar Lattes, Antonio Cândido, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Celso Furtado, Mario Simonsen, Delfim Netto, o educador Paulo Freire e Luis Gama, Castro Alves e Olavo Bilac que estudaram na São Francisco
(seria grátis naquela época?) conseguiriam ter pago pela sua educação?
Receber salários maiores que os salários dos não educados justificaria a
cobrança? Ou eles produziram muito mais para o país, um bem público, do
que para si mesmo?
Educar vem de conduzir. Vamos conduzir os brasileiros para onde e
para fazer o que? Vamos ensinar como trabalhar com planilhas Excel? Os
problemas do mundo se resumem a problemas econômicos? Vamos ensiná-los
sobre as desigualdades e injustiças do mundo e treiná-los em retórica e
guerrilha urbana? Destruir o que aí está sem saber o que colocar no
lugar? Ou vamos dar pelo menos algumas aulas sobre os clássicos - Dante, Shakespeare, Drummond
e ensiná-los sobre culpa, ética, vaidade, orgulho, honra, a inveja -
que dilacera os brasileiros - nossa humanidade e o sentido da vida?
Há uma outra explicação para a riqueza das nações - de James Robinson e Daron Acemoglu no livro "Por que as nações falham?"
O país rico é rico porque oferece livre acesso ou oportunidades iguais
para todos. Não é a educação, ou o mercado, mas a livre entrada - a
facilidade para explorar uma invenção, para entrar na universidade, para
produzir uma obra de arte, a liberdade enfim.
Não sei explicar: por que as obras não ficam prontas; por que as
escolas não funcionam bem; por que as ruas são sujas e estreitas, por
que falta água e energia. Por que as praias mais lindas se tornam as
praias mais feias com tantos prédios e quiosques espalhando cheiro de
fritura? Por que o cinema brasileiro é menos interessante que o
argentino? Por que as casas dos ricos que podem contratar arquitetos são
mais feias do que as casas dos ricos dos países ricos, apesar do Rino Levi, do Niemeyer e do Paulo Mendes da Rocha? Porque os prédios são feios? Por que?
Podemos encontrar uma explicação para cada problema. Mas são tantos
problemas - será que existe uma explicação comum para tantas
frustrações? Será culpa do patrimonialismo do Raymundo Faoro? Da dependência externa do Celso Furtado? Da escravidão? Dos portugueses? Será o câmbio? O deficit público? A taxa de juros? Os impostos?
Acabo com uma explicação que não explica. Trata-se de um problema
cultural - tradição, valores éticos, formação ou falta de formação
religiosa (qual religião?), atitude perante a vida e o sentido da vida,
ou seja, tudo e nada ao mesmo tempo. Paciência e recolhimento, não
sabemos explicar.
-----------------
*João Sayad, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, em artigo publicado pelo jornal Valor, 24-02-2015.
Fonte: IHU online, 25/02/2015
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário