domingo, 8 de fevereiro de 2015

Freud e os moldes do poder

NEDIO SEMINOTTI*

Textos sociais de Freud, defende professor, dizem respeito à sociedade de sua época, mas não explicam a realidade de hoje

A doutora em medicina e psicanalista Marion Minerbo, em entrevista concedida a este caderno PrOA em 25 de janeiro passado, apoiada especialmente nos escritos sociais de Sigmund Freud, apresenta uma explicação para a crise de confiança nos líderes políticos brasileiros. Para isso, homologa a organização social à familiar e se apoia no conceito de identificação. Esse mesmo conceito foi usado por Freud, em 1922, para explicar a descrição da sociedade feita por Gustave Le Bon, em Psicologia das Multidões, no final do século 19. Freud afirma que a massa se une através de seu líder. Pela identificação da massa com o líder. Precisamente, há uma conexão entre o ideal das pessoas da massa e o ideal do líder. Coerente com essa compreensão, Freud afirmou que se matarem o líder (se corta-se a cabeça do líder, diz), a massa entra em pânico. Já sabemos que isso não acontece. Essas explicações serviram para a organização social daquela época. Não para as de hoje.

Os seguidores de movimentos sociais, quando perdem seu líder porque o mataram, se organizam em forma de rede, e não é incomum que surjam múltiplas lideranças. Não fosse assim, muitas sociedades combatidas por serem julgadas ameaçadoras à sociedade global teriam desaparecido. E não é o que constatamos. Elas continuam com outras formas de organização. Organizações sociais em forma de rede ou na de sistemas em inter-relação são um modo comum de grupos sociais se organizarem e, para alguns autores, representam a organização espontânea. A hierárquica, para esses autores, seria imposta pelas elites. Seguramente a sociedade não se organiza mais apenas pela pirâmide hierárquica, tendo no topo uma liderança.

Além disso, a família mencionada pela doutora também não é mais apenas a nuclear. São muitas as configurações familiares e diversos os modos da família se organizar. Freud pensava que líderes, professores e Deus, por exemplo, são representações individuais da figura do pai (a mãe não era mencionada). Com isso a vida em sociedade, para Freud, não era outra coisa se não a família re-apresentada. Seguindo esses pressupostos, a autora explica a sociedade, mas, segundo o exposto, as pressuposições não servem mais ao fim. Serviram para uma sociedade moderna, mas não para a pós-moderna e complexa que vivemos hoje.

Assim, do meu ponto de vista, apoiado no pensamento complexo de Edgar Morin, a compreensão da doutora Minerbo não faz sentido. Ela busca na sociedade uma ordem social com poder de controle e comando central que é apenas uma forma de organização, mais comum na época em que Freud concebeu seus escritos sociais. A sociedade também se organiza com distribuição de poder de comando e controle e por auto-organização, sem que se possa localizar, neste último caso, um poder.
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* Doutor em Psicologia e professor titular da PUCRS
Fonte: ZH online, 08/02/2015

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