Luis Fernado Veríssimo*
– Tá cantando pra mim?
– Não, não.
– Como, “não”? Está sim. Aliás, toda vez que eu passo aqui você me chama de coisa mais linda. Fala do meu corpo dourado, do não sei mais o quê. E que história é essa de poema?
– É pra rimar com Ipanema.
– E todos os dias é a mesma coisa. Você não tem mais o que fazer não? Fica o dia inteiro neste bar, cantando, e mal, pras mulheres que passam? Não tem profissão? Não tem outra vida?
– “As mulheres”, não. Você.
– E por que nunca foi falar comigo? Me convidou prum chopinho, sei lá. Eu não mordo, viu? A não ser em ocasiões especiais.
– Não. Entende? Falar com você derrotaria todo o sentido da música, todo o clima, que deve ser meio melancólico, meio depressivo. Conhecer você, saber o seu nome, chamar você para um papo e um chopinho, acabaria com o encanto.
– Meu nome é...
– Não me diga! Não quero saber nada a seu respeito. É importante que você não tenha nome, nem CPF, nem família, nem passado, nem futuro. E que passe. Que não fique. Você é um símbolo do inatingível, do amor impossível, de tudo que passa e não conseguimos ter, a não ser em sonho.
– Quer dizer que o encanto depende da distância. Que de perto tudo se desmancha.
– Mais ou menos isso.
– Sabe que você não deixa de ser um homem atraente? Meio estragadão e péssimo cantor, mas nós poderíamos ter uma relação. Ou uma relaçãozinha. Ou só uma amizade. Pelo menos me convide para sentar.
– Não, você não pode ficar. Você precisa passar. Quando você passa o mundo inteiro se enche de graça – mas você precisa passar!
– E se nascesse amor entre a gente? Um amor de verdade?
– Pior. Amor de verdade desmancharia o amor de sonho, o amor idealizado com a moça que passa, e que nunca saberei quem é.
– Então tá. Deixa eu pegar minha praia. Tchau, hein?
– Tchau. Amanhã, não deixe de passar.
Ah, por que estou tão sozinho? Ah, por que tudo é tão triste?
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* Cronista. Escritor
Fonte: ZH online, 08/02/2015
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