Foto: Carolina Araujo—Matemática 03 de dez de 2021
Carolina Araujo é formada em matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio e é doutora na área pela Universidade de Princeton nos Estados Unidos. Ela é uma das pesquisadoras do IMPA, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada.
Como você explica a sua área de conhecimento para quem não tem a menor ideia do que você faz?
Eu trabalho com geometria algébrica. Em geometria, a gente está interessado em entender propriedades geométricas, da curvatura e do formato dos objetos. Na álgebra, estudamos a estrutura das equações matemáticas. A geometria algébrica junta um pouco das duas coisas.
Na geometria, você pode estar interessado em estudar um círculo, que pode ser descrito como um conjunto de pontos que estão à mesma distância de um centro. Por outro lado, do ponto de vista formal, o círculo é definido por uma equação. A equação x² + y² é igual a r². Na geometria você está querendo entender as propriedades da curva desse círculo, e na álgebra você estuda a equação que determina esse círculo.
Na matemática, muitas vezes um cientista não antevê as aplicações da sua teoria até que elas sejam descobertas
Na escola, muita gente acaba pensando que a matemática que aprendemos não serve para muita coisa. Qual é a importância de pesquisarmos a parte teórica da matemática e em especial a geometria algébrica?
Na matemática, como qualquer ciência básica, a gente muitas vezes pensa apenas na aplicação, que nem sempre é visível no momento do desenvolvimento da teoria.
Nós somos movidos por uma curiosidade científica. Por exemplo, a teoria dos números, uma das áreas mais antigas da matemática. É um ramo que está interessado em entender os números primos e a composição deles. São perguntas que não são motivadas pela aplicação.
Por outro lado, a criptografia que está presente na mensagem de WhatsApp que você envia ou na página do seu banco é muito baseada nos números primos, em teoremas algébricos e até mesmo em métodos geométricos. Parte dos objetos que eu estudo são as chamadas curvas algébricas, que são muito usadas para criar códigos criptográficos.
Tem um matemático inglês chamado John Rigby [1933-2014] que se orgulhava de só fazer matemática pura. Ele achava que o que ele fazia não podia ser aplicado a nada, ele tinha um grande orgulho nisso. Muitas vezes um cientista não antevê as aplicações até que elas sejam descobertas.
Pixabay
Foto de uma tela de computador que mostra um código de programação
Números primos são aqueles que só podem ser divididos por um ou por eles mesmos. 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17 e 19 são alguns exemplos de números primos
Indo para um caminho mais filosófico, a matemática foi inventada ou foi descoberta? Por um lado, é inegável que a representação dos números foi inventada. De outro, a lógica matemática parece infalível, do ponto de vista de que dois mais dois sempre serão quatro. Como você avalia isso?
É uma pergunta ótima, e que divide muitos matemáticos. Se você perguntar para mim e para outro matemático, as respostas podem ser diferentes. Na minha visão, a matemática é uma criação humana, apesar de representar muito bem os fenômenos que observamos na natureza. A meu ver isso é cognição humana.
Muitas de suas pesquisas abordam a questão da geometria birracional. O que é isso?
A geometria racional é um campo dentro da geometria algébrica que está tentando, de alguma forma, classificar as formas. Se você observa uma mão humana em uma superfície plana, ela vai ter pontos com mais curvatura, outros com menos curvatura. Estamos tentando entender como esses pontos podem ser classificados.
Um outro exemplo: você quer fazer o esboço de uma superfície no computador. Para isso, você precisa do que chamamos de parâmetros de ação da superfície, com três dimensões, x, y e z. Para definir esses parâmetros, vamos precisar de polinômios [funções que somam duas ou mais equações]. Tudo isso é o que fazemos na geometria birracional.
Tenho uma curiosidade científica, quero entender, desvendar e encontrar uma maneira de explicar estruturas formais
A matemática, enquanto ciência, naturalmente passa pelo método científico. Só que em outras áreas, o método fica mais claro. Um biólogo de campo vai até o local, coleta os espécimes e faz a análise. Na matemática, como isso funciona?
O método científico é igual para todas as ciências. Só que, claro, vai se manifestar de formas diferentes em ciências diferentes.
Em uma equação x² + y³ + x.y = 3, eu posso começar a esboçar um gráfico e perceber padrões. Nesses padrões, eu posso tentar verificar se os resultados da observação vão se repetir. E a partir disso eu começo a investigar a validade do teorema a partir das hipóteses e tirar conclusões.
Tânia Rêgo/Agência Brasil
Carolina Araujo, pesquisadora do Impa e organizadora do Encontro Encontro Mundial para Mulheres em Matemática (WM)², durante o evento no Riocentro
Em 2018, foi divulgado pelo Ministério da Educação que quase 70% dos estudantes brasileiros têm desempenho crítico em matemática. Nós sabemos dos problemas estruturais da educação nacional, mas por que a matemática parece ter mais problemas que outras disciplinas?
A matemática tem um componente de abstração que é particular. Pode ser difícil se você não está acostumado com esse tipo de raciocínio. Até mesmo na notação da matemática pode ser difícil de abstrair que podemos usar letras para expressar números. A matemática tem uma meta por trás que pode exigir muita cognição para lidar com os formalismos, mas temos que entender que também fazem parte do conhecimento.
Enquanto pessoa, qual foi o maior presente que a matemática te deu?
Eu sinto que com a minha profissão eu consigo cumprir algumas das minhas demandas pessoais. Tenho uma curiosidade científica, quero entender, desvendar e encontrar uma maneira de explicar estruturas formais. Também gosto muito de dar aula.
O que é um dia perfeito para você?
É um dia que estamos com saúde, eu e minha família, com saúde física e mental. E temos paz. E se eu conseguir provar um teorema, vou ficar mais feliz ainda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário